Como criar comunidades com impacto social, com Thaís Lopes

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Como criar comunidades com impacto social, com Thaís Lopes

A CEO do Mães Negras do Brasil acredita no poder da coletividade para gerar desenvolvimento sustentável


3 de julho de 2024 - 9h11

Thaís Lopes é fundadora e CEO do Mães Negras do Brasil (Crédito: Divulgação/Brisa Serena)

A mineira Thaís Lopes é a fundadora e CEO do Mães Negras do Brasil, uma comunidade de mães negras que oferece diferentes serviços e produtos, como mentorias, letramento racial, palestras e cursos. Thaís é engenheira mecatrônica de formação e já passou pela área de operações de empresas como Mercado Livre e Nubank. Entretanto, quando virou mãe, algo mudou em sua trajetória, e o interesse pela sustentabilidade e regeneração floresceu. 

Assim, ela decidiu criar a plataforma Mães Negras do Brasil, que em menos de dois anos saiu de 100 mulheres para mais de mil. Mas esse crescimento não se deve apenas ao esforço de Thaís. “Dedico quase 100% do meu tempo produtivo a esse trabalho, mas ele só existe graças à coletividade. São muitas mães que, juntas, estão construindo e apoiando nosso desenvolvimento, acreditando na própria capacidade e confiando em seus papeis nesse processo”, ressalta. 

Além desta comunidade, Thaís também transita entre outros grupos. Ela é embaixadora do programa Women Techmakers do Google, que promove a inclusão de mulheres na tecnologia. Também participa de outras redes internacionais, nas quais busca ampliar o impacto do Mães Negras do Brasil.  

Nesta entrevista, Thaís fala sobre como foi o processo empreender, quais os desafios e objetivos das mulheres que pertencem à comunidade, e ainda discute como as empresas podem acolher e apoiar as mães negras. 

Como surgiu o Mães Negras do Brasil? Qual foi sua motivação por trás do projeto? 

É importante mencionar que a plataforma tem uma visão de ecossistema que é a base de sua construção. Ela é o meio pelo qual entregamos algo vivo, principalmente em termos de sustentabilidade e regeneração, aplicados a processos, mercado e negócios. 

Nosso ecossistema é dinâmico, nascendo a partir de uma visão sistêmica dos desafios e potencialidades das mães negras. A ideia é unir essas mulheres para discutir e co-construir soluções. Inicialmente, abrimos a comunidade para ser um espaço de escuta e brainstorming, onde trazemos ideias e desenvolvemos serviços. Hoje, esses serviços estão estruturados em um formato de plano de assinatura. A plataforma é freemium, ou seja, gratuita, permitindo acesso à rede de apoio, grupos na plataforma e no WhatsApp, fóruns de discussão, blog, clube de benefícios e encontros mensais gratuitos. 

As mães também podem optar por assinaturas de eventos, que incluem rodas de escuta, mentorias coletivas e um programa de letramento racial, todos conduzidos por profissionais da comunidade. Essas atividades abordam temas diferentes a cada mês, de acordo com os conhecimentos trazidos pelas próprias profissionais. A programação anual é pré-definida com base no mapeamento do ciclo anterior, atualizada a cada ano.

Além de oferecer esses serviços às mães da comunidade, as profissionais podem disponibilizar seus serviços ao público geral. Elas podem agendar sessões de psicoterapia, aulas de inglês e assessoria comercial e acadêmica, por exemplo, diretamente na plataforma. Também podem gerenciar inscrições e pagamentos para eventos e cursos online gravados. 

Para as profissionais que atuam com palestras e oficinas, oferecemos um processo de agenciamento para eventos, normalmente corporativos, mas também atendemos instituições culturais e outras organizações da sociedade civil. 

Quais são os principais desafios das mulheres que buscam a sua plataforma? O que elas estão buscando?

O principal aspecto que nos une é a existência de um espaço seguro onde podemos ser quem realmente somos, compartilhar nossas necessidades e encontrar apoio. Apesar do recorte “ser mulher, mãe e negra”, há uma diversidade sobre nossos corpos e vivências. Temos mães que fazem parte da comunidade LGBTQIAPN+, mães atípicas, com deficiência e mães solo. 

O espaço seguro é um ponto de convergência a partir desses três principais marcadores, mas que também permite falar sobre outros assuntos e marcadores, sabendo que estamos com pessoas que compartilham alguma identidade comum. Esse lugar de pertencimento atende a uma necessidade básica principal, mas também a outras que surgem a partir dos diferentes perfis. 

Na comunidade, mais de 85% das participantes têm ensino superior ou acima. Temos um percentual alto de mães no mercado de trabalho, com uma taxa de desemprego em torno de 16%, que não representa exatamente a realidade total das mães negras no Brasil, mas reflete o recorte dentro da comunidade. 

Identificamos as necessidades das empreendedoras, funcionárias públicas e trabalhadoras CLT, que buscam desenvolvimento profissional, melhores oportunidades e um espaço para projetar seus negócios. Por isso, focamos em fortalecer nosso lado B2B para trazer acesso e recursos. 

A base do nosso trabalho, que nunca vamos deixar de lado, é ser um espaço seguro para nosso desenvolvimento pessoal, reconhecimento como mulheres negras e cuidado com nós mesmas. Esse é o elemento comum entre todas nós, independentemente de formação, experiência ou objetivos de vida. 

Na sua experiência, como as empresas podem promover um ambiente mais acolhedor para mães e pais? 

Quando essas mães são funcionárias e fazem parte de uma organização, o primeiro passo é a empresa ter uma visão sobre igualdade de gênero e raça que vá além de ver essas pessoas como vulneráveis. Precisamos desconstruir a ideia de que mães negras são incapazes ou não qualificadas e que precisam de um salvador. Essa mentalidade precisa ser transformada para reconhecer mães negras como seres únicos, potentes e capazes, que carregam experiências muitas vezes não consideradas na construção do mercado de trabalho. 

O mercado muitas vezes padroniza a definição de sucesso e perfil, e não podemos nos adequar a isso violentando nossa identidade. É preciso reconhecer que temos uma identidade com potencialidades e trabalhar para abrir espaço para diversidade, não apenas tolerando ou moldando pessoas negras a um outro modo de ser, mas acolhendo-as e permitindo que tragam suas necessidades para aquele espaço. 

Também é fundamental entender a entrega de valor quando falamos sobre a economia do cuidado. As mulheres negras, especialmente as mães, são as principais responsáveis por essa economia, que garante a manutenção de todo um sistema econômico. Como valorizamos o trabalho da mãe negra na empresa, que também exerce um papel social importante? Não adianta falar sobre valorizar a economia do cuidado da porta para fora, quando dentro da empresa essas mães não têm condições adequadas. 

É crucial permitir que elas saiam no horário necessário para buscar os filhos na escola e considerar que, ao retornar da licença-maternidade, ainda precisam amamentar e cuidar de um ser que faz parte da sociedade. A empresa precisa entender que, como organização, não pode olhar apenas para seus interesses de entrega, mas para seu papel social. Essa responsabilidade precisa ser reconhecida. 

Como as empresas podem apoiar mães empreendedoras? 

Os investimentos que as empresas podem fazer têm um grande potencial. Acho que todas as companhias que buscam ser sustentáveis e ter responsabilidade social podem fomentar o empreendedorismo de mães negras por meio de parcerias, investimentos e contratação de serviços dessas profissionais para suas necessidades de negócio. Não apenas como prestadoras de serviços básicos, mas valorizando realmente seus conhecimentos. 

Por exemplo, quando falamos sobre a abertura no B2B, é para isso. Temos mães negras que são profissionais em contabilidade, psicologia, medicina, beleza, saúde e bem-estar, inglês e política. É importante olhar para essas profissionais como capazes de falar sobre diferentes assuntos, incluindo-as dignamente na sua cadeia de suprimentos e valorizando-as. 

Não é sobre dar uma oportunidade de visibilidade, mas sobre contratar um serviço necessário como qualquer outro profissional. Não precisa olhar para mim e dizer que está me contratando para me dar uma oportunidade. É uma questão de desconstruir a visão e enxergar essas profissionais como capazes e iguais, com a intencionalidade de fomentar esses negócios sem o olhar de “estou te ajudando”. Sei que pode parecer dúbio, mas faz parte de um processo de reparação. 

Como aconteceu o crescimento do negócio? 

A gente teve um crescimento significativo, passando de 100 mães na lista de espera para 1.300. Hoje, com 15 meses de operação, isso representa um crescimento de basicamente 1.000%. Ao longo desse tempo, lançamos novos produtos: em abril do ano passado, foram as mentorias; em junho, o programa de letramento; e, em setembro, o plano de assinatura, que inclui esses serviços individuais. 

Em março deste ano, lançamos a frente B2B, com serviços de agenciamento, e também a oferta de serviços das profissionais pela plataforma. Atualmente, temos dois grandes serviços específicos para a comunidade e dois serviços abertos ao público geral.  

A partir do mês que vem, vamos lançar um programa de associados para empresas. Com isso, entregaremos benefícios para suas funcionárias, além de possibilitar parcerias entre nossas profissionais e a plataforma. 

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