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Debora Moura e a transição de carreira após os 50 anos

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Debora Moura e a transição de carreira após os 50 anos

A Head de Diversidade e Inclusão do Grupo Dreamers fala sobre os desafios de mudar de área de atuação na maturidade e as características de uma liderança inclusiva


23 de agosto de 2023 - 11h44

Debora Moura é Head de Diversidade e Inclusão do Grupo Dreamers (Crédito: Divulgação)

Debora Moura é Head de Diversidade e Inclusão do Grupo Dreamers (Crédito: Divulgação)

Após anos trabalhando na área de produção em agências de publicidade, Debora Moura já não se sentia realizada com o trabalho. Com mais de 50 anos, ela precisou de coragem e resiliência para mudar os rumos da sua carreira. Nos últimos anos, a área de diversidade e inclusão cresceu dentro das empresas, e Debora logo se identificou com aquele propósito. Naquela época, a profissional trabalhava na Artplan, agência pertencente ao Grupo Dreamers, holding que reúne 17 empresas de comunicação. Ao migrar de área, em um ano Debora Moura assumiu o cargo de Head de Diversidade e Inclusão do grupo.

Em entrevista ao Women To Watch, a líder comenta sobre sua trajetória profissional, incluindo o período de mudança de carreira após os 50 anos, os projetos de diversidade que o grupo realiza e como ela pratica a liderança inclusiva.

Como foi a sua trajetória profissional até chegar aonde está hoje?

Eu sou formada em jornalismo, mas trabalhei sempre na área de publicidade. Iniciei minha carreira como secretária numa produtora. Desde então, trabalhei exclusivamente na área de produção. Há 17 anos, faço parte da equipe da Artplan, embora agora esteja atuando no grupo Dreamers. Contudo, cheguei a um ponto em que o trabalho na produção não me satisfazia mais, e perdi o prazer em exercê-lo.

Quando ocorreu uma palestra sobre pessoas negras no ambiente de trabalho, foi nesse momento que despertei para o assunto da diversidade corporativa. Percebi que tinha coisas para dizer sobre o tema, porque até então, não me via como uma mulher negra ocupando aquele espaço. Mesmo vindo de uma família de militantes, não trazia esse assunto para o ambiente de trabalho. Entretanto, com a palestra, percebi meu lugar de potência e a importância de um ambiente corporativo preparado e aberto à diversidade. Isso me impulsionou a mudar de área e promover a transformação necessária.

Quando a oportunidade de migrar para a gestão de pessoas surgiu, eu já atuava no Comitê da Diversidade. Porém, com a chegada da pandemia e o acontecimento do caso George Floyd, esse trabalho ganhou maior relevância e se expandiu. Em um ano, assumi o cargo de Head de diversidade e inclusão do grupo. Desde então, tenho testemunhado momentos transformadores, com pessoas que compreenderam melhor questões como violência contra a mulher ou discriminação com base em pele e cabelo. Nosso propósito é transformar as pessoas para, assim transformar os locais onde estão e, consequentemente, a sociedade como um todo.

Você fez essa transição de carreira após os 50 anos, como foi esse momento para você? E o que diria para quem teme mudar de carreira nessa idade?

É importante ressaltar que essa mudança de carreira aconteceu quando eu já tinha mais de 50 anos, 54 para ser exata. A transição não foi fácil. Antes de tomar a decisão, havia uma oportunidade no lugar onde eu já estava, o que trazia certo privilégio. No entanto, esse período foi marcado por sofrimento, pois estava em uma situação que já não funcionava e sabia que precisava deixá-la para trás. A coragem e a clareza sobre minhas habilidades foram essenciais nesse processo. Além disso, o Grupo Dreamers lançou um programa de mentoria que foi fundamental. Meu mentor me ajudou a compreender quem eu era e a valorizar aspectos que eu não percebia.

Fazer essa transição com mais de 50 anos e ser valorizada nessa trajetória demandou muita resiliência, mas acima de tudo, acreditar no meu potencial. Aprendi a dar importância à minha vivência, pois ela me levou onde eu queria e precisava estar naquele momento de mudança. Não posso negar que não foi fácil, especialmente sendo uma mulher negra. A zona de conforto pode ser tentadora, mas não valia mais a pena permanecer lá.

Quais características ou habilidades você considera essenciais numa liderança? Como você as desenvolve e as alimenta regularmente?

A liderança inclusiva é um tema essencial nos dias de hoje. Recentemente, em uma reunião, uma pessoa mencionou que as lideranças falharam, o que nos levou a refletir sobre o tipo de líder que desejamos ser daqui para frente. Para mim, isso envolve construir uma liderança inclusiva, na qual ouvir e apoiar são aspectos fundamentais, assim como valorizar as vivências individuais e ter coragem para enfrentar situações desconfortáveis. Acredito que a conversa é crucial na relação entre líderes e liderados. Conhecer bem os dados sobre cada membro da equipe e transformá-los em potencial é também algo que valorizo muito. Esse é o conceito de líder inclusivo que procuro aplicar diariamente e compartilhar com os demais colegas do grupo. 

Como você desenvolveu a diversidade e inclusão no Grupo Dreamers nestes últimos anos? Quais projetos e ações você ressaltaria? 

Realizamos um trabalho de letramento, conscientização e sensibilização dos colaboradores, promovendo a liderança inclusiva. O Comitê da Diversidade existe desde 2017, nasceu na Artplan e se tornou parte do grupo Dreamers, que hoje conta com mais de 150 pessoas de diversas empresas. Nossas ações incluem palestras com convidados, discussões sobre diversidade e o programa de mentoria, que já está em seu terceiro ano, e segue promovendo transições de carreira e promoções. 

O projeto “Futuros Sonhadores” apadrinha a escola Adolpho Bloch, que é uma escola de periferia no Rio de Janeiro, localizada em São Cristóvão, e que possui ensino técnico em publicidade e propaganda. Nós levamos conteúdo do cotidiano de uma agência de publicidade para alunos e professores, e tem dado resultados positivos reduzindo de 14% para 0,6% a evasão escolar do curso. Temos o projeto do Comitê da Diversidade que atua no programa Escola Rua, de formação para pessoas em vulnerabilidade, de periferia e de grupos sub-representados. Nosso foco é em pessoas trans e levamos conteúdo de comunicação como um todo.  

Outro projeto forte do Grupo Dreamers são nossas campanhas sobre violência contra mulher, que surgiram do entendimento que esse assunto estava muito próximo das mulheres do grupo. Então, fizemos um evento chamado “Pausa na Pauta”, que foi um dia inteiro falando sobre esse tema. Trouxemos o Instituto Maria da Penha para nos ajudar nessa jornada e lançamos uma política de combate à violência contra a mulher do grupo Dreamers. A política envolve canal de denúncia, sanções, conteúdo sobre os tipos de violência e um plano de acolhimento, com antecipação de salário, ajuda na mudança de cidade ou de escritório caso alguma mulher do grupo esteja sofrendo violência doméstica. 

De que forma as empresas podem fazer mudanças para construir uma cultura organizacional mais inclusiva? 

Realizamos um trabalho de conscientização e sensibilização, ao mesmo tempo que focamos em trazer perfis diversos para nossas equipes. Como atuamos na indústria da comunicação, é crucial termos representatividade para compreender a realidade de nossos públicos em cada vertical. Para isso, investimos em uma equipe de recrutamento e seleção especializada, que valoriza as vivências dos candidatos e busca identificar suas potencialidades. Ao mesmo tempo, trabalhamos para preparar nossas lideranças, incentivando-as a contratar e incluir de forma intencional.

Observamos que, quando colaboradores de grupos sub representados são contratados, eles naturalmente se conectam e se sentem encorajados a assumir espaço, pois enfatizamos que todos têm lugar aqui. Dessa forma, de maneira orgânica, todos amadurecem juntos em relação aos assuntos de diversidade e inclusão. 

Quais os cuidados que uma agência de publicidade precisa tomar ao desenvolver campanhas que abordem assuntos relacionados à diversidade? 

Acredito que é fundamental para a agência ter uma equipe diversa para abordar esses temas em suas campanhas. No entanto, também é importante reconhecer que pertencer a um grupo sub-representado não garante automaticamente o letramento necessário para contribuir nessas questões. As lideranças devem identificar se essas pessoas têm o mínimo de conhecimento sobre os assuntos abordados nas campanhas. 

Ouvir as vozes e opiniões das pessoas é crucial, pois é necessário que haja espaço para que elas possam se manifestar e discordar, inclusive em relação às decisões tomadas por diretores de criação. Para isso, as lideranças precisam ser inclusivas e permitir um ambiente aberto ao diálogo. 

Por fim, sugira três filmes, séries ou livros que você indica para quem quer saber mais sobre igualdade racial? 

Recentemente, li o livro “Tudo Sobre o Amor”, da bell hooks, (Ed. Elefante, 2021) que teve um impacto transformador em mim. Especialmente ao abordar o amor dentro do contexto da racialidade, trazendo reflexões profundas, especialmente para mulheres negras. Outra obra que considero essencial é “Um Defeito de Cor”, de Ana Maria Gonçalves (Ed. Recrod, 2006). Esse livro apresenta uma história pouco conhecida e coloca o negro em lugares não tradicionais na história do Brasil, abrindo novas possibilidades para seu o lugar na construção do país. Em relação a filmes, destaco “Medida Provisória”, de Lázaro Ramos. O filme expõe a exclusão de forma contundente e é uma importante reflexão para todos.

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