Carta aberta às mulheres que achavam não ser possível chegar lá
Quero falar com todas as mulheres que, quando meninas, se sentiram inadequadas
Carta aberta às mulheres que achavam não ser possível chegar lá
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20 de outubro de 2022 - 9h26
No mês passado, senti a necessidade de dividir um sentimento que me consumiu muito tempo de terapia: o de que foi preciso perder meu pai para a minha mãe “aprender” a viver, sem ter que depender do marido. O texto foi publicado, mas essa inquietação não parou por aqui. Acho que, inclusive, continua para grande parte das mulheres, aliás. Então, eu quis retomar o mesmo tema, mas num formato diferente.
Hoje, eu quero falar com todas as mulheres que, quando meninas, se sentiram inadequadas. Que ficavam meio de fora porque não tinham vontade de brincar de boneca com as amigas ou que acabavam indo, mas se sentindo estranhas por não se encaixar muito bem ali – ou que eram julgadas porque preferiam jogar futebol com os garotos. Com aquelas que sempre pediam brinquedos considerados “de menino” de presente no natal (e nunca ganhavam), com quem nunca esteve de acordo com os padrões ou viveram suas vidas conforme o que era considerado “certo” ou “normal” pela sociedade.
Isso tudo pode soar como uma besteira à primeira vista, mas a verdade é que esse tipo de coisa se estende somente na vida adulta. E aí, situações que pareciam inofensivas se transformam nos episódios de machismo pelos quais vemos mulheres incríveis passando ou se tornam sentimentos que internalizamos e levamos para a vida adulta.
E aí é um tal de “mulher que não sabe como investir seu dinheiro e planejar a aposentadoria”, porque os assuntos de finanças sempre ficaram restritos aos homens, de “mulher que se formou em medicina, mas nunca se sentiu tão capaz quanto os irmãos homens”, de “mulher que fez faculdade federal ou passou num concurso público, mas se acha menos inteligente que o marido”, e assim vai. No fundo, o preconceito que a gente sofre na vida adulta e no mercado de trabalho tem as mesmas raízes que as pequenas discriminações que a gente sofria na infância. A única coisa que muda é a escala do problema.
Na coluna do mês passado, comentei sobre uma amiga que é uma profissional brilhante, mas que está sempre se cobrando. Será que ela teria esse sentimento se fosse homem? E, veja, ela não é a única a passar por isso. Várias mulheres, colegas minhas de profissão, vieram comentar comigo sobre como se identificaram com o último texto. Por isso, escrevo esse segundo, porque precisamos falar sobre esses assuntos e naturalizá-los.
Tem uma história que ficou famosa, e acabou dando origem ao termo “mansplaining”, quando alguns homens explicam coisas óbvias para mulheres. Uma pesquisadora estava em uma festa e começou a conversar com um cara desconhecido. Quando soube o que ela fazia, o interlocutor resolveu explicar para ela a sua própria área de atuação, e argumentou contra o que ela dizia usando o livro que ela mesma tinha escrito.
Pelo menos quase toda mulher já passou por alguma situação parecida. Eu, já. E nem foi só uma vez. E já vi acontecer com outras mulheres também. Em reuniões de trabalho, em papos de bar, em conversas informais no trabalho, não importa o contexto: acontece, e, bastante.
Embora o mundo da propaganda tenha muita mulher (na faculdade éramos sempre maioria na turma), os cargos mais altos das agências e das empresas são, na maior parte das vezes, ocupados por homens. Isso porque nem estamos entrando em recortes de classe, raça e orientação sexual, senão esse papo ficaria ainda mais complexo. É claro que esses dados estão mudando pouco a pouco, ainda bem. Hoje, temos várias iniciativas maravilhosas – como o próprio Women to Watch – não para dar voz às mulheres (porque voz a gente sempre teve), mas para amplificá-la. No entanto, é fato que ainda temos um loooongo caminho pela frente.
Confesso que eu mesma já passei por momentos de síndrome da impostora na minha vida profissional. Minha trajetória sempre foi meio fora da caixinha e, a cada novo desafio que aparecia, tinha uma vozinha na minha cabeça que dizia: “será que você dá conta?” E, a verdade é que eu sempre dei. A gente sempre dá, de um jeito ou de outro. Apesar da dupla jornada, apesar dos perrengues, apesar de tudo.
Não é que eu esteja querendo me colocar como um exemplo de vida a ser seguido nem nada assim. Nem travar um conflito homem x mulheres. De forma alguma é isso. Meu ponto é que as mulheres merecem não crescerem achando que podem ter menos. Ou mesmo sendo profissionais incríveis que veem seus pares ganhando mais. É sobre simplesmente ter o mesmo direito de chegar lá. Só queria aproveitar este espaço que tenho para divulgar minha carta aberta a todas as mulheres que acharam que nunca iam chegar lá (independentemente de onde seja esse “lá”).
Não importa se você passou a vida inteira ouvindo coisas que te fizeram duvidar das suas opiniões, das suas aptidões e do seu valor como pessoa. Também não importa se essas coisas abalaram a sua autoestima e alimentaram essa vozinha da impostora tagarelando no seu ouvido e dizendo que seus planos não vão dar certo.
Pode ter certeza: você é mais capaz do que imagina. Pode chegar lá, e aonde quiser, na verdade. 😉
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