Contratar mulheres é um ato revolucionário
Além de contribuir para equipes mais diversas, esse ato de rebeldia ajuda a desfazer a ideia de que homens são mais profissionais
Além de contribuir para equipes mais diversas, esse ato de rebeldia ajuda a desfazer a ideia de que homens são mais profissionais
14 de setembro de 2023 - 12h12
Dia desses, eu estava andando na rua e, no breve espaço entre duas quadras, escutei um pedaço de conversa que me fez refletir bastante. Um homem e uma mulher, de roupa social e crachás pendurados em alegres cordões coloridos, conversavam sobre suas preferências na hora de montar suas equipes.
Dizia a mulher: “eu não acho que a gente tem que contratar a pessoa só porque é mulher ou só porque é homem. A gente contrata por competência, é quem tem mais competência para o cargo, entende?”
O homem que caminhava ao seu lado entendia. Resmungou um “uhum”, e o diálogo seguiu.
Tornou a mulher: “eeeeu, particularmente, prefiro contratar homens. Mas depende, tem que ser o mais competente para a vaga.”
O casal seguiu seu caminho, eu cheguei ao meu destino, e a história poderia ter terminado por aí. Só que esse diálogo ficou reverberando em mim por muito tempo. E aí eu decidi escrever.
O meu incômodo com a fala da mulher não foi apenas uma questão de “aff, que sexismo” ou “que péssima recrutadora ela deve ser”. Foi algo mais profundo.
Ela falou em competência como o principal critério na hora de contratar alguém. Até aí, tudo bem. Quem é que quer ter um profissional incompetente em seu time, não é mesmo?
Mas em seguida, disse que prefere contratar homens. Ué? Mas o fator determinante não era a competência? Ou seja, para ela os homens tendem a ser mais competentes do que as mulheres? Não entendi a lógica por trás do raciocínio e fiquei só o meme da Nazaré confusa.
Fiquei pensando em quantas profissionais já não entraram numa sala para uma entrevista de emprego em desvantagem, porque o recrutador tinha esse mesmo tipo de ideia pré-concebida. Que antes mesmo de abrir a boca já estavam sendo julgadas como “menos capazes” porque, afinal, são mulheres.
E se, por acaso, eu tivesse sido uma dessas mulheres e nem sei? Para quantas vagas legais eu deixei de ser contratada, não porque meu portfólio era pior ou meu currículo era mais fraco, mas porque apareceu um candidato mais ou menos com as mesmas credenciais e a “vantagem” de ser um homem? E quantas mulheres que eu conheço já não passaram pela mesma coisa?
No fim das contas, parece que a gente tem que ter muito mais qualificações para ter as mesmas oportunidades de contratação ou de promoção do que um homem, sabe?
Para quem gosta de esportes, é como se a gente já entrasse em um campeonato uns nove pontos atrás dos outros times e tivesse que correr o triplo, se esforçar o triplo para sequer ter uma chance de conquistar a taça.
E tem a questão da preferência também. Por que será que ela preferia contratar homens? Pela suposta competência? Para não ter que lidar com questões como TPM e licença maternidade? (sim, também já escutei essas justificativas). Por conta da rivalidade feminina que a sociedade nos incentiva a ter?
Meu chute é que isso tem a ver com o mero hábito. E com machismo, óbvio. A gente se acostumou a ver sempre os homens em posições de poder, ocupando os mais diversos cargos. Tanto que parece a opção mais “natural”. E aí reproduz esse comportamento sem querer. Mesmo sendo uma mulher a responsável pela seleção.
Se a gente não começar a quebrar esse ciclo, mesmo que nas nossas pequenas bolhas, vai continuar sendo assim. As pessoas vão continuar “preferindo” contratar homens por mero gosto pessoal, jurando que isso não tem nada a ver com preconceito e fingindo que o fator mais importante é a competência.
Nesse sentido, optar por contratar mais mulheres acaba sendo algo meio revolucionário. Além de contribuir para equipes mais diversas, pelo menos no que diz respeito ao gênero, esse pequeno ato de rebeldia ajuda a desfazer a ideia de que homens são mais profissionais, mais fáceis de lidar ou até mesmo mais capazes.
Na minha resposta imaginária à mulher que entreouvi na rua, eu diria que prefiro contratar serviços prestados por mulheres. Não porque elas são necessariamente mais competentes – mesmo porque competência não está relacionada ao gênero da pessoa -, mas sim para apoiar o trabalho de outras mulheres e tentar fazer a minha parte para equilibrar um pouco a balança.
Contratar mulheres é a pequena grande revolução que a gente pode fazer nas empresas, na prestação de serviços pessoais e nas tarefas cotidianas que estamos acostumadas a ver sempre homens fazendo. Sejamos então todas pequenas grandes revolucionárias.
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