Crer para ser humano
Podemos manter nosso coração um pouco mais confiante em relação a nós mesmos e à possível evolução do mundo
Podemos manter nosso coração um pouco mais confiante em relação a nós mesmos e à possível evolução do mundo
16 de janeiro de 2024 - 6h13
Esta é minha primeira coluna aqui no Women To Watch. Obrigada, Regina Augusto e Michelle Borborema, pelo espaço. Estou achando muito simbólica essa possibilidade de começar o ano com uma conversa junto da comunidade W2W, um projeto super-relevante que une pessoas com as quais me identifico profundamente. Espero levantar boas pautas e reflexões. Assim como também quero ouvir sobre o que escrevo aqui e, ainda mais importante, que vocês possam sugerir assuntos que desejam saber mais ou refletir mais. Não me imagino sozinha nessa coluna. Meu desejo é que possamos nos juntar em uma só conversa. Quero fazer desse espaço uma coluna de diálogos. Vamos? Posso contar com vocês?
Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo. (Fernando Pessoa)
Meu nome é Rita Almeida e trabalho há mais de 40 anos no mundo da comunicação, maior parte deles em agências de propaganda. Atualmente estou na AlmapBBDO, pela segunda vez. Estive aqui por 10 anos (entre 1997 e 2007), quando juntei um time dos sonhos para construir um pensamento inovador e estruturado de planejamento estratégico para a agência. Voltei em 2020. Há 4 anos trabalho na estratégia de comunicação do Boticário, uma marca que permite que a agência se aprofunde nas questões humanas para identificar insights poderosos que possam corrigir rotas de comportamentos destrutivos e trazer reflexões transformadoras para a sociedade brasileira.
Trabalhar com uma marca cujo posicionamento é o AMOR é um privilégio para qualquer estrategista. Algumas mudanças estão em curso e vou contando aqui sobre novos passos que se desenham para minha atuação nesse ano. No meio dessas duas experiências teve a CO.R Estratégias de Inovação, uma consultoria de pesquisas inovadoras de comportamento, branding e inovação de marcas. A CO.R foi muito revolucionária. Trouxe para o mercado novas formas de fazer pesquisa e cooperou para a identificação de talentos e formação de pessoas que hoje voam com suas próprias consultorias ou onde quer que estejam. Todas elas, tenho certeza, carregam no coração a importância de sabermos ouvir as pessoas, entender a essência das marcas e conectar essas duas pontas com profundidade e originalidade.
Outro momento de grande aprendizado no meu caminho foi me juntar a treze amigos inesquecíveis para fundarmos juntos o Grupo de Planejamento de São Paulo. Fui também a primeira presidente do grupo, que só melhorou desde seu lançamento e foi se transformando junto com o mercado. Aliás, transformações foi o que mais eu vi e vivi nessas últimas décadas. A forma como reagi às inúmeras mudanças foi o que permitiu que eu tenha permanecido em um mercado orientado para a juventude, seja dentro das agências, no cliente ou como a principal imagem projetada na grande maioria de suas comunicações.
Tudo nesse mercado é voltado para a juventude. Minha teimosia em continuar foi suportada por algumas atitudes que me trouxeram até aqui: nunca tive medo de mudanças, ao contrário, sempre tive curiosidade e interesse por elas. Nunca parei de estudar. Não tenho uma carreira acadêmica, mas lá atrás iniciei uma jornada de aprendizados baseada nos meus próprios interesses, percorrendo trilhas de conhecimento que eu imaginava que pautariam o mercado de comunicação, como design thinking, mindfullness e teoria U. Desde iniciante, segui pessoas que pensam como eu queria pensar: Julio Ribeiro, John Steel, Russell Davies, Yuval Harari, Scott Galloway, Otto Sharmer, David Allison, cineastas, artistas e tantos autores. Tenho paixão por Ciências Sociais e mergulho na Filosofia, Sociologia e Antropologia com o desejo de aprender o pensamento complexo, ter um olhar profundo para o mundo e suas questões e, acima de tudo, aprender a ouvir e entender as pessoas.
Sempre falo nas minhas aulas que o que mais ficou da minha jornada foram as pessoas. Essa é minha maior fonte de inspiração e interesse, e podemos dizer, minha missão: entender as pessoas e tentar dar-lhes de volta algo que melhore (ao menos um pouco) sua experiência de vida e o mundo ao seu redor. Foi o tempo que trouxe minha missão, e ela foi se estruturando ao longo dos anos e, hoje, sei que onde mais encontro significado no que faço é quando me dedico a analisar e compreender cada pessoa, suas comunidades, os brasileiros e a humanidade como experiência coletiva de 8 bilhões de seres humanos no nosso planeta.
Porém, a humanidade pede socorro. Nossa “casa e seus moradores” precisam de cuidados. O Insight Report de dezembro de 2023 do World Economic Forum avalia que entramos em 2024 com enormes desafios como volatilidade econômica, tensões geopolíticas e um planeta gritando por transformações. Ao mesmo tempo, seu Gender Gap Report 2023 enfatiza a longa estrada que ainda temos para diminuir a distância entre as oportunidades de gênero. A previsão é que a paridade de gêneros precise, no mínimo, de mais 169 anos para acontecer, se continuarmos no ritmo atual.
Quando olhamos para outros grupos minorizados, como pessoas com deficiência e pessoas identificadas como LGBTQIAP+, a situação é ainda pior. Sabemos que, entre todas essas complexidades, promover a diversidade e inclusão nos negócios e na economia dos países é crucial para o crescimento da economia global, a inovação, o bem-estar e a resiliência da população. Este deveria ser nosso guia de viagem para 2024, em que pensar no outro é o que te torna um ser humano melhor. Tudo começa com nossa sensibilização sobre nossos valores, forças, fraquezas e a consciência sobre o que o mundo precisa de nós.
Mas vocês devem estar pensando que o ser humano não está preparado para esse altruísmo. Quando olhamos para as guerras, as desigualdades e a intolerância presente nos jornais todos os dias, pensamos como estamos longe desse ser humano que se importa com o outro, que se empenha em melhorar o mundo. O que mudou um tanto meu olhar negativo sobre isso foi o livro “Humanidade. Uma história otimista do homem”, de Rutger Bregman, indicado pela Denise Fraga em uma palestra do programa “Select”, da Meta. Nesse livro, o autor se pergunta o tempo todo se o ser humano tem uma tendência a ser bom ou tóxico, egoísta e maldoso. Ele analisa os grandes acontecimentos da (pré) história para pensar nessa questão. Em uma avaliação geral, Bregman conta que é muito mais fácil confiar naqueles que estão ao nosso lado (parentes, amigos, vizinhos, colegas de trabalho) do que no restante da humanidade. Para ele, a indústria da notícia tem muito a ver com isso, pois as notícias são sobre o excepcional, e quanto mais excepcional o evento — seja um ataque terrorista, um levante violento ou um desastre natural –, maior será o valor dela.
Algumas pesquisas já foram realizadas em diferentes países com a pergunta: “Você acha que o mundo está ficando melhor, continua o mesmo ou está piorando?”. A maioria dos resultados mostra que tudo está ficando pior. Mas, segundo o autor, a realidade é exatamente o contrário: “Durante as últimas décadas, caíram os índices de pessoas que vivem em extrema pobreza, de vítimas de guerras, de mortalidade infantil, de criminalidade, de fome, de trabalho infantil e de morte por desastres naturais, e até o número de quedas de aviões”.
Isso não significa que deveríamos cruzar nossos braços para as dificuldades e desigualdades atuais, que são imensas. Mas, sim, que podemos manter nosso coração um pouco mais confiante em relação a nós mesmos, ao ser humano e à possível evolução do mundo. Isso pode nos dar forças para cooperar em busca de um mundo um tanto melhor, de menos fatos e notícias dilacerantes, como por exemplo a da morte da Julieta Hernandez, a palhaça Miss Jujuba de 38 anos, assassinada no Amazonas nos últimos dias do ano.
Uma parábola de origem desconhecida, contada nesse livro, ilustra muito nossa luta diária entre o bem e o mal que competem dentro de nós:
Um velho diz ao neto: “Há uma batalha travada dentro de mim. Uma luta terrível entre dois lobos. Um é maligno – raivoso, ganancioso, ciumento, arrogante e covarde. O outro é bondoso – pacífico, amoroso, modesto, generoso, honesto e confiável. Esses dois lobos também estão lutando dentro de você e dentro de todas as outras pessoas”. Depois de um tempo, o garoto pergunta: “Qual dos lobos vai vencer?” O velho sorri: “O lobo que você alimentar”.
Essa é a grande questão: qual lobo vamos escolher alimentar em 2024? Esta pergunta muda o foco do nosso olhar: em vez de olharmos para a maldade do próximo, vamos partir do que vamos alimentar em nós mesmos.
Temos um ano inteiro para tentar e realizar. Um ano inteirinho para que possamos olhar mais para nossos acertos e aprendermos mais com nossos erros. Para chegarmos mais perto de sermos seres humanos plenos, quando nossa felicidade vem mais daquilo que a gente dá do que daquilo que a gente recebe. Para a filósofa Lucia Helena Galvão (uma voz que me inspira e me acalma), essa atitude nos traz liberdade e autonomia porque temos mais controle sobre o que nós fazemos do que sobre o que recebemos.
Meu convite é que, na dúvida, possamos alimentar o lobo amoroso, modesto, generoso, honesto e confiável que existe em nós individualmente, e que ele se multiplique no poder da comunidade Women To Watch, pois podemos construir um grande ano. O ano em que acreditamos mais nas pessoas e especialmente mais em nós mesmos.
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