Março: mulheres e água
O mês nos convida a refletir sobre nossa luta pela igualdade de gênero e sobre a conscientização do uso indiscriminado da água e o acesso ao recurso como direito humano
O mês nos convida a refletir sobre nossa luta pela igualdade de gênero e sobre a conscientização do uso indiscriminado da água e o acesso ao recurso como direito humano
22 de março de 2024 - 8h12
O maior desafio da atualidade é fazer cumprir os direitos humanos de sete bilhões de pessoas, garantindo um ambiente seguro, digno e justo para toda a humanidade e, ao mesmo tempo, proteger os sistemas planetários que sustentam a vida. A Agenda 2030, lançada em 2015 por 193 países membros das Nações Unidas e seus 17 ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável), é um guia a ser seguido por governos, empresas e sociedade civil como um todo, um direcionamento de sobrevivência para a humanidade.
A Agenda 2030 é regida pelo princípio da universalidade, pois é relevante para todas as pessoas, o princípio da interdependência das questões sociais, ambientais e econômicas, e o princípio de não deixar ninguém para trás, devendo beneficiar todas e todos.
O mês de março nos convida a refletir sobre dois grandes temas desta agenda. O dia 8 de março, sobre a nossa luta política e de reivindicações pela igualdade de gênero, e o dia 22 de março, Dia Mundial da Água, uma data de conscientização do uso indiscriminado deste recurso e acesso ao mesmo como direito humano.
Nesta coluna, daremos luz a dados que apontam a interligação entre o ODS 05, que trata da igualdade de gênero e o empoderamento de mulheres e meninas, o ODS 06, que objetiva assegurar disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos, com os ODS 03 (saúde e bem-estar) e o ODS 13, que visa a adoção de ações de mitigação, adaptação e redução dos impactos provenientes das mudanças climáticas.
Segundo o estudo “O saneamento e a vida da mulher brasileira”, do Instituto Trata Brasil, produzido pela consultoria EX Ante Consultoria Econômica em 2022, as condições das moradias, em geral, e a situação do saneamento, em particular, afetam de forma decisiva a saúde das mulheres. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continuada (PNADC) identificou que cerca de 2,5 milhões de mulheres ainda viviam em moradias sem banheiro de uso exclusivo em 2019. No mesmo ano, mais de 15,7 milhões de brasileiras ainda não recebiam água tratada em suas residências e havia 8,8 milhões de mulheres que tinham acesso à rede geral de distribuição de água, mas a frequência de entrega era insatisfatória. Portanto, havia 24,6 milhões de mulheres que não recebiam água de forma regular e segura em suas moradias.
Em 2019, o contingente de mulheres que residiam em moradias sem coleta de esgoto alcançou uma cifra ainda maior: 41,4 milhões. Isso significa que quatro em cada dez brasileiras ainda viviam em situação precária do ponto de vista do acesso ao saneamento básico. O estudo afirma que a falta de água tratada tem impacto direto sobre a saúde, principalmente das mulheres mais novas e das mais velhas, pois aumenta a incidência de doenças.
A carência de serviços de coleta e tratamento de esgoto, mesmo quando há acesso à água tratada, é a causa de outra parte das infecções gastrointestinais, das doenças transmitidas por mosquitos e animais e das pneumonias e gripes. A privação do saneamento, um dos pilares da situação de pobreza menstrual, tem consequências sobre a saúde da mulher, como a ocorrência de problemas ginecológicos e urinários.
Outro aspecto que une os temas do dia 8 e do dia 22 de março está relacionado aos impactos da crise climática. Segundo o 6º relatório do IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Capítulo 08), o aquecimento global acima de 1,5º graus irá tornar fenômenos climáticos mais intensos. Se as mudanças climáticas futuras sob cenários de altas emissões continuarem, os riscos aumentarão, e na ausência de fortes medidas de adaptação, perdas e danos provavelmente serão concentrados entre as populações vulneráveis.
A água é a primeira alteração a ser percebida pela população, sendo que 90% dos desastres climáticos estão associados ao excesso ou à escassez dela, conforme apontou o relatório do Fórum Econômico Mundial publicado em 2023. As consequências da mudança climática podem reforçar a inequidade de gênero, considerando inclusive que as mulheres têm menos acesso a crédito, tecnologia e várias outras restrições ligadas a fatores culturais e sociais, como a desigualdade de papéis, no que se refere à coleta de água, por exemplo.
Olhamos para os dados da saúde da mulher em relação à falta de acesso à água e saneamento, e o impacto da crise climática na vida de mulheres e meninas, mas há um terceiro aspecto para lutarmos juntas, que é a necessidade de termos mais mulheres trabalhando com gestão de recursos hídricos. Imagino que as chances de mudança da realidade devem aumentar um pouco. Segundo pesquisa com 172 países da GWP – Global Water Partnership, apenas 20% de todos os trabalhadores recrutados para concessionárias de água são mulheres, 23% dos engenheiros recrutados para concessionárias de água são do gênero feminino e apenas 15% dos gestores de água são mulheres.
Por fim, existe um conjunto de dados científicos que nos orienta como sociedade para enfrentarmos a falta de acesso à água, seja ela causada pela falta de saneamento ou pela crise climática. Em relação ao desafio da equidade de gênero, o empoderamento econômico feminino e a implementação de políticas públicas para as mulheres são caminhos possíveis para o desenvolvimento sustentável.
Para ambos os temas, as soluções se retroalimentam, reforçando o princípio da interdependência. Se elas são maioria ao citarmos as maiores vítimas quando o assunto é (in)justiça climática, não haverá solução possível sem que elas também estejam no centro das tomadas de decisões e na execução de ações cada vez mais urgentes para equacionar ou abrandar os impactos causados pelas mudanças no clima. Impossível não lembrar que a natureza, além de mãe, tem gênero e é feminino.
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