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Opinião

Não troco meu bigode chinês por nada

Como devemos ter mais complacência no processo de envelhecimento


17 de julho de 2023 - 8h18

(Crédito: shutterstock)

A primeira vez que ouvi essa expressão foi anos atrás quando a minha mãe se olhou no espelho e disse num lamento: “Ah esse meu bigode chinês!” Confesso que nunca havia notado aqueles sulcos (rugas) que se formaram da parte inferior do nariz até os cantos da boca. Depois que notei nunca mais deixei de perceber em seu rosto e acompanhar o mesmo desenho sendo traçado no meu ao longo do tempo.  

Não tenho nada contra o que cada um faz ou deixa de fazer com seu rosto ou corpo. Sim, já fiz botox. Mas se não ter esse bigode chinês significa uma vida sem os anos de risadas, dores, medos, fantasias, esperanças, conquistas e erros retumbantes, então fico com o bigode chinês. Ele me trouxe até aqui, um lugar onde a vista é privilegiada! Um ponto de observação em que cada vez mais aumenta a minha capacidade de ler os fenômenos e os momentos que me atravessam diariamente.  

Simone de Beauvoir, em seu livro A Velhice, diz que nunca encontrou nem na literatura, nem na vida, uma mulher que considerasse sua velhice com complacência. Mas do homem “não se exige nem frescor, nem doçura, nem graça, mas a força e inteligência do sujeito conquistador, os cabelos brancos e as rugas não contradizem esse ideal viril”. Não sinto complacência; às vezes sinto raiva. Não enxergar absolutamente nada sem óculos e viver num eterno verão de 40 graus à sombra são coisas bem desagradáveis. Envelhecer não é bom; só perde para a outra opção. Se eu pudesse escolher, pediria um rosto sem rugas, um corpo mais leve e células que jamais se dividissem enlouquecidamente. Mas se nessa escolha eu tivesse que ficar sem a sabedoria e a resiliência, adquiridas em décadas de euforias e frustrações, fico com as marcas de expressão, com o sobrepeso e até com o câncer (seis anos em remissão). 

Não troco meu bigode chinês por nada porque assim como o bigode do gato, ele funciona como um sensor que ajuda a me orientar, a detectar perigos e a ter uma noção melhor de por onde passar sem me machucar tanto. Com a gaveta cheia de erros e acertos, conquistei a capacidade de traçar cenários de longo prazo e a identificar fatores (positivos e negativos) que poderão impactar todo processo. O bigode chinês também me levou de volta ao banco da universidade para tentar entender melhor os tempos e movimentos da humanidade e descobrir a excelente aluna que nunca fui antes.  

Estou no sexto semestre de Sociologia na Escola de Sociologia e Política de São Paulo- Fesp e não é incomum estudarmos fatos históricos do Brasil dos quais fui testemunha ocular como jornalista fazendo a cobertura (Plano Real, impeachment do Collor, massacre do Carandiru, primeira eleição do Lula em 2002). Enfim, olho para o futuro alimentada pelo melhor do meu passado. E vou de Arnaldo Antunes para quem a coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer. Moderna e inovadora! Só depende para onde você vai virar o binóculo. 

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