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Opinião

“O like é meu e ninguém tasca”

Sobre a série Adolescência, geração Z, educação e mercado de trabalho


31 de março de 2025 - 12h05

(Crédito: Divulgação/Netflix)

Este é um espaço opinativo, mas o artigo a seguir é, na verdade, um conjunto de ponderações. Não tenho uma tese única a defender sobre o que vou refletir, pois neste momento do mundo, não é possível concluir um monte de coisas.  

Quero falar de gerações, a começar pela geração Z, que, por causa da série Adolescência, voltou a ganhar holofotes nas conversas. Pessoas e resenhas que me recomendaram assistir à série diziam ser importantíssimo assisti-la como retrato desta geração.  

Como vocês sabem, são chamados de geração Z aqueles nascidos entre 1995 e 2015 (com algumas variações, a depender da fonte), e é óbvio que uma geração carrega características comuns. Sim, são pessoas que nasceram num mundo digitalizado, são hiperconectadas, gostam de resoluções muito rápidas, provavelmente nunca tiveram uma caligrafia boa, e não estão acostumadas a ler coisas com mais profundidade, justamente porque o nível de atenção está moldado para o consumo simultâneo, fragmentado e rápido de várias coisas ao mesmo tempo.

Com tantas possibilidades, essas pessoas também não pensam numa carreira linear, mas isso nem considero tão “proprietário”. Afinal, todas estas possibilidades são uma marca do nosso tempo. Qualquer geração pode aproveitar isso. Sou da geração X e não penso numa carreira linear. Sou uma pessoa do tempo presente.

Bem, voltando à geração Z… a internet tornou o mundo “mais fácil”. Só que esse mundo mais fácil tornou um monte de coisa mais difícil. O bullying sempre existiu, mas era visível. Hoje, o cyberbullying pode ser invisível e matar silenciosamente, como mostra a série da Netflix e outras notícias que acompanhamos no Brasil e no mundo. Na covardia do anonimato, o ataque sexista contra as meninas também explodiu, a ponto de elas usarem nicknames masculinos para não serem “descobertas”. Criou-se uma doença de distorção de autoimagem, pois aprenderam a se ver em terceira pessoa, através das telinhas. Enfim, os problemas são muitos.  

Tudo isso me veio à cabeça porque lido com a geração Z no trabalho e na minha vida particular. Porém, repassadas as características geracionais comuns a todos, será que todos os Zês são mesmo iguais?  Será que alguém que nasceu no meio dos anos 1990 é tão igual a alguém que nasceu 15 anos depois?

Vejam: de 1995 a 2005, as crianças ainda viviam uma transição. Não havia a ideia dos pais darem um celular de presente para o filho. A infância destes foi livre dos smartphones. Só isso já faz grande diferença. O Instagram foi lançado em 2010, começou a se popularizar em 2013, e só se tornou o que conhecemos hoje em 2018. Essa turma que nasceu por volta do ano 2000 nem chegou a ter Facebook. O TikTok surgiu em 2019 e se popularizou na pandemia. Portanto, quem nasceu em 2015 já viveu a infância com ele, inclusive porque o seu próprio smartphone já estava na sua mão. 

Falando sobre a gen Z, não consigo não falar sobre seus pais. Educar filhos não é fácil. Exige esforço e dedicação. Se os pais não dedicarem tempo a transmitir fundamentos, valores, se não se dedicarem a uma troca real de afeto, atenção e experiências, mais fácil para o jovem aderir exclusivamente ao mundo descontrolado da internet e das ruas. A educação familiar é educação primária, basal, que servirá pra toda a vida.

Onde esta geração vai aprender as soft skills básicas, hoje tão importantes? Mas, também sei que seria injusto apontar o dedo indistintamente para os pais, porque penso naqueles que moram longe do trabalho e levam em média 3 horas por dia dentro de um transporte público, têm jornada dupla ou tripla para sustentar a família. Ou seja, uma ausência de tempo forçada pelas próprias dificuldades que a vida impõe. Mas isso é assunto pra outro artigo. Por enquanto, quero aplaudir as famílias que, mesmo neste quadro socioeconômico, conseguiram dar bases para os filhos. 

Creio que ninguém discorda de que já estamos num mundo muito fraturado de valores, de mistério, de profundidade, de educação. Se tudo isso já tem impacto hoje, imagine o impacto que vai ter na sociedade ao longo dos anos. Recentemente, a atriz Myra Ruiz, que é da geração Y, estrela do musical Wicked em cartaz em São Paulo, fez um pronunciamento numa live, contando como estava assustada com o comportamento da plateia, em boa parte composta pelas gerações Z e Alpha, com ou sem acompanhantes adultos.

Ela relatou que a plateia gritava, fazendo com que ela não escutasse a própria voz em cena. Relatou também que muitas pessoas cantavam alto as músicas e dançavam, sem se incomodar se atrapalhavam o resto do público ou não. Uma pessoa presente no espetáculo me contou que o incômodo de muitos ficava óbvio aos gritos de “Senta! Sai da frente!”, somados a vaias, sem resultado. Enfim, uma balbúrdia total.

A atriz ainda falou no seu depoimento que muitas vezes ficou incomodada com a quantidade absurda de celulares ininterruptamente apontados para o palco, com pessoas fazendo live do espetáculo para viralizar no TikTok ou fazer um proibidão (algo que nem todo mundo tem acesso) pra ganhar likes ou fazer os haters falarem mal. Enfim, um conjunto de coisas detestáveis, desrespeitosas, tudo em nome de ser “alguém” nas redes sociais. Eu me pergunto: pra que assistir a séries distópicas? 

Na minha opinião, o acesso ininterrupto à internet irradia efeitos em todas as instâncias. No mercado de trabalho, por exemplo, onde a geração Z está cada vez mais presente, muitos jovens apresentam dificuldades em respeitar as hierarquias. No entanto, novamente, não posso atribuir exclusivamente à formação familiar deles. Afinal, ao crescer em um ambiente digital, onde todos são vistos por uma lente igualitária, esses jovens podem ter desenvolvido expectativas de serem tratados de uma maneira uniforme.

Além disso, para uma geração que atualmente vive em um mundo muito mais instável, economicamente e politicamente falando, além de ter acesso a muito mais diversidade de perspectivas, a parcela da geração Z que pode poupar passou a se importar muito mais com a saúde mental.

As pesquisas sobre o uso do dinheiro pela geração Z trazem os mais diferentes recortes, justamente porque não é uma geração homogênea. Em muitas pesquisas, aparece a importância de experienciar a vida. Aqueles que podem economizar dinheiro querem fazê-lo para financiar uma viagem com amigos. Ao mesmo tempo, muitos esperam se aposentar mais cedo, antes dos 60 anos, o que exige um controle do dinheiro muito mais rigoroso (pesquisa Goldman Sachs).

E, num País gigante como o Brasil, com tanta desigualdade, 65% da geração Z contribuem com o sustento da casa (Estudo CNDL/SPC), retardando seus sonhos, ou levando-os a caminhos tortuosos de maneira a obter dinheiro mais rápido. Afinal, nada pode esperar. Com tanta informação, desinformação, pressão e velocidade nos acontecimentos, muitos jovens são levados a burnout e depressão.

Pode ser que nem todos usem esses termos da maneira mais correta, mas é relevante trazer à tona que são cientes de problemas como esses.

E esse problema não é só deles, é de todo mundo.  

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