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O quanto entender o impacto do nosso consumo pode mudar nossas decisões de compra?

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Opinião

O quanto entender o impacto do nosso consumo pode mudar nossas decisões de compra?

Para quem trabalha com Marketing, afetar o comportamento de compra é nosso arroz-com-feijão. Faria sentido que, com todo o nosso conhecimento sobre como fazer isso, fosse fácil mudar a maneira como as pessoas compram


3 de junho de 2022 - 8h38

Essa talvez seja a questão mais importante do momento, porque vivemos sob a ameaça à sustentabilidade da vida no planeta. O sexto relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) saiu em meio ao estouro da guerra na Ucrânia e, por isso, passou batido pra muitos. Mas tá lá, e não traz boas notícias.

Para quem trabalha com Marketing, como trouxe no último artigo dessa coluna, afetar o comportamento de compra é nosso arroz-com-feijão. Faria sentido que, com todo o nosso conhecimento sobre como fazer isso, fosse fácil mudar a maneira como as pessoas compram. Temos os fatos, temos o objetivo de comunicação, as ferramentas de narrativa. Com sorte, temos produtos ou serviços que entregam soluções com menos impacto negativo – e, ainda assim, não conseguimos mudar o comportamento de consumo, insustentável em escala e rápido o suficiente, pra evitar um desastre climático.

Por quê? Foi essa pergunta que começou a me atormentar e me levou à startup na qual trabalho hoje. Ela verifica cientificamente a origem de qualquer elemento natural, mesmo após processamento. O algodão da sua camiseta, por exemplo, ou o café que você tomou de manhã. Porque ao saber de onde o algodão e o café vêm, você pode saber das práticas envolvidas nas suas cadeias produtivas – se eles vêm de zonas de alto risco de desmatamento florestal, por exemplo. Isso começou a interessar muito os controles alfandegários e fundos de investimentos ESG.

Mas e os consumidores finais nisso tudo, nesse ecossistema? Por que não levar essa mensagem a eles para que possam, um a um, mostrar para suas marcas favoritas que estão prontos pra mudar suas escolhas, se elas estiverem envolvidas em práticas obscuras ou simplesmente não se preocuparem com o que suas cadeias produtivas escondem? Porque, se investidores e alfândegas têm poder, o povo unido… é gente para caramba! E tem muito poder também. Potencialmente.

Pois é. Só que a coisa anda muito devagar nessa frente. No exemplo da moda, o movimento global Fashion Revolution existe há 9 anos contando para o mundo a verdade sobre o universo excessivo e insustentável da moda e segue nichado. E é fácil entender: na hora de escolher, «roupa bonita e barata que eu posso comprar agora (fast fashion como Zara, H&M, Shein)» é uma vantagem muito mais concreta e atraente que «o impacto no planeta». Insubstancial. Parece que o impacto em mim agora sempre ganha do impacto num macroambiente vago e distante, num futuro qualquer. Parece que nosso cérebro foi programado para decidir egoisticamente e botando peso 2 no curto prazo.

Então desistimos? Jamais. Precisamos trabalhar com o que temos. Então vamos priorizar «eu» e «agora» pra vender soluções sustentáveis!

BRING SEXY BACK

Temos que entregar benefícios irresistíveis pro «eu». Benefícios «sociais»: coolness. Por exemplo, reduzir o consumismo é visto como cool em alguns grupos que consideram o máximo da ignorância o frisson das Black Fridays ou morrer de comprar barganhas em outlets por aí. Temos que, por exemplo, trabalhar com celebridades e influenciadores que acreditem nisso de verdade e possam inspirar milhares de pessoas autenticamente. Como a Stella McCartney pra Audi agora, na campanha “Let’s make sense” (“Vamos fazer sentido”, em tradução livre). Como diria meu amigo Fred Gelli (Tátil Design), vamos fazer propostas sustentáveis eco-sexies, e não eco-chatas!

O PREÇO TEM QUE SER RAZOÁVEL

Temos que entregar esses benefícios «agora», de uma forma que caiba no bolso, feche um bom custo-benefício (não vai ser tão barato quanto a opção não-sustentável que externaliza custos, mas ainda vai fazer sentido). Para isso, o Marketing tem que, mais do que nunca, se meter a fundo na cadeia produtiva (o que era coisa de Supply Chain), experimentar e trazer escala para novas práticas sustentáveis, virar o jogo e entregar um produto melhor de verdade e que seja alcançável. O trabalho pioneiro que Nescafé está fazendo no Brasil (que começou com a linha Origens do Brasil) é incrível e mostra que é possível sair do nicho sem perder os valores, com consistência.

Voltando pra moda: ainda é cool ter muita roupa, sapato e bolsa sem nenhum compromisso com a cadeia e o impacto. O Marketing ainda não conseguiu desconstruir essa imagem e colocar uma mais eco-sexy no lugar dela – isso ainda não move a indústria da moda. O Marketing ainda pesquisa alternativas à altura do couro animal, por exemplo. Ainda não é perfeito. Uma exceção no Brasil há 20 anos é a Osklen e o trabalho com reaproveitamento de couro de pirarucu.

Há 20 anos, a Osklen usa o couro do pirarucu em suas peças (Crédito: Divulgação)

Estamos a caminho. Há exemplos. Mas bom mesmo vai ser quando conseguirmos extrapolar essa nova equação eco-sexy do que é bom pro «eu» e pro «agora» pras massas. Só isso – a escala – vai acelerar a transformação e entregar uma resposta para a ameaça climática. E o binômio «imagem X preço», total responsabilidade do Marketing, é de onde isso precisa sair.

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