Sobre tetas na mesa
Como a expressão “pau na mesa” ficou ultrapassada
Como a expressão “pau na mesa” ficou ultrapassada
28 de junho de 2023 - 15h54
Passei muito tempo da minha carreira em agência ouvindo a expressão “pau na mesa”. Ninguém mandava e-mail com essas palavras, não tinha registro nos workspaces da época, as buscas do WhatsApp não encontravam, mas era o tempo todo. “Pau na mesa”. De homens, de mulheres, de quem quer que seja. Às vezes era até sobre alguma fala feminina, mas em geral era sobre a ação de um homem mesmo. Branco. Hétero. Chefe, mas não necessariamente. E a ação em si, na maioria das vezes, não era nada demais.
Aquilo me incomodava um pouco no início, mas logo incorporei a expressão. Me sentia descolada usando, sei lá porquê. E olha que tive o grande privilégio de ter muitas chefes mulheres, embora elas sempre tivessem chefes homens. Elas também usavam, eu usava, os clientes usavam, o mercado todo usava. Um dia, no entanto, esse cenário mudou.
Nunca vou me esquecer daquilo, porque me fez pensar como palavras podem mudar o jogo mesmo. Estava em uma agência grande, no ápice de uma campanha bem-sucedida sobre meninas fortes. O zeitgeist estava começando a mudar, mas ainda eram ousados os que falavam sobre feminismo nas empresas com todas as letras. Eu estava em uma sala de reunião, tranquila, e uma diretora falou algo como “e aí eu coloquei minhas tetas na mesa e…”. Parei de prestar atenção em qualquer outra coisa da reunião por alguns minutos.
Tetas. Na. Mesa. Era genial. Ela não falou em tom de piada, mas da mesma maneira como se falava “pau na mesa”. As reações na reunião foram naturais, como se nada tivesse acontecido. Mesmo que desse pra sentir que alguns pudessem estar julgando a fala, aquilo era uma virada de chave do mercado se abrindo na minha frente. Como eu não havia pensado nisso? Como eu sequer havia pensado de verdade sobre o que estava por trás daquele “pau na mesa” usado por anos?
Desde então, incorporei a expressão. Quem me conhece, sabe. Aqui em Brasília, confesso que alguns ainda acham estranho, mas sigo na luta, porque linguagem é pensamento, pensamento transforma a cultura, e a cultura salva vidas. E aqui não estou falando de museu, mas da nossa vida inteira. De conhecimento, crenças, arte, moral, lei, costumes, hábitos, capacidades. Caramba. É tudo. As palavras mudam tudo, porque é com elas que a gente pensa, e é o pensamento que nos leva às nossas ações. Das mais corriqueiras às nossas queridas ações de comunicação desse mercado pequeno e potencialmente grandioso que é o nosso.
Eu antes diria que precisamos de um mundo pacífico, que pau e teta na mesa são coisas péssimas de serem ditas, porque um é o contrário sexista do outro e seguiremos binaristas e muito anos 1990 enquanto usarmos as duas expressões. Mas, a realidade hoje, para mim, é: enquanto houver pau na mesa, tem que ter muita, mas muita teta na mesa.
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