25 de março de 2022 - 15h32
(Crédito: Shutterstock)
Serão necessários 136 anos para que se atinja a paridade gênero em todo o mundo. Esta foi uma das mais frustrantes conclusões do último relatório do Fórum Econômico Mundial, publicado em março de 2021. Enquanto a pesquisa anterior apontava 100 anos, essa escalada no tempo nos leva a refletir sobre o longo caminho a percorrer e, também, à conclusão de que nenhuma conquista dos últimos anos é absoluta. Em outras palavras, a situação é extremamente frágil e pouco blindada a qualquer novo fato ou contexto não esperado.
Seguramente, a pandemia é o fator preponderante no agravamento desse quadro, impactando a participação econômica, intelectual e a geração de oportunidades para as mulheres que atuam majoritariamente, ainda, nos setores mais afetados pela crise, como serviços e consumo. Como é fato, as mulheres são minoria em áreas emergentes, como tecnologia.
Trazendo a reflexão para o mercado brasileiro, não podemos discordar do efeito negativo da crise, mas é interessante notar certo avanço nos 20 últimos anos no que se refere ao poder econômico e de renda das mulheres.
No conceito mais amplo de trabalho, que considera os mais diferentes formatos de contratação, remuneração, setores de atuação e jornadas, segundo um estudo do Target Group Index realizado nas principais regiões metropolitanas do Brasil, 54% das mulheres entre 18 e 65 anos afirmaram trabalhar de forma remunerada. Apesar de as mulheres corresponderem a mais de 53% da população brasileira nesta faixa economicamente ativa, somos 47% da força de trabalho. Um número superior ao cenário de 20 anos atrás, em que correspondíamos a 43% do universo de trabalhadores no país.
Celebrar o aumento do número de mulheres no mercado de trabalho é válido, mas o equilíbrio com o universo masculino ainda é distante. O ponto-chave é que as características do trabalho remunerado entre homens e mulheres seguem distintas.
Nos últimos anos, observamos a oferta crescente de modelos diferenciados de trabalho, abrindo também espaço para o aumento do empreendedorismo no Brasil. Homens e mulheres se adaptaram a esta realidade. Se em 2002, 25% dos trabalhadores se declaravam autônomos, em 2021 o número sobe para 42%.
Contudo, foram as mulheres que mais se adaptaram à realidade deste modelo de trabalho. Entre elas, 47% se definem como autônomas. Os homens correspondem a 38%. Enquanto este modelo por um lado se molda à jornada das mulheres e traz independência, por outro, limita o acesso aos benefícios da folha de pagamento, em questões de direitos trabalhistas, além de requerer um grande esforço para a garantia de segurança e estabilidade para a força de trabalho feminina.
Em decorrência das mudanças comportamentais e da quebra de paradigmas durante a pandemia, temos visto o surgimento de modelos híbridos de trabalho. Esta combinação entre a busca por mais flexibilidade e o aumento de produtividade em meio a múltiplas jornadas nos parece um bom indicativo das novas possibilidades e alternativas laborais. Ao longo do ano passado, cerca de 30% das mulheres que trabalham puderam atuar exclusivamente em home office ou dentro do modelo híbrido, dividindo o tempo de trabalho entre casa e escritório. Entre os homens, a porcentagem foi um pouco menor, 22%.
A combinação destes fatores aponta que, em média, as mulheres continuam tendo jornadas mais curtas de trabalho que os homens. Enquanto 81% dos homens trabalham mais de 30 horas por semana, apenas 66% das mulheres apresentam esta mesma carga horária. Vale ressaltar que os dados acima são relativos ao trabalho remunerado. Num sistema social em que homens mantêm o poder primário e predominam em funções de liderança política, autoridade moral e privilégio social, a jornada de trabalho das mulheres segue por infinitas horas ao chegar em casa.
Se por um lado nos parece razoável dizer que existe uma acomodação positiva nas formas mais modernas e balanceadas de trabalho, naturalmente, dentro de um modelo tradicional de remuneração, trabalhar menos horas já é um limitador salarial. Afinal, ainda convivemos com um conceito antigo de trabalho, no qual o tempo dedicado tem peso maior no salário, em comparação com resultados obtidos ou produtividade.
Adicionalmente a estas características do trabalho, temos ainda fatores muito conhecidos como a escalada das mulheres para ocupar posições de liderança nas organizações, a equidade da remuneração, somente para citar alguns. Chegamos então no fator que mais distancia homens e mulheres no ambiente de trabalho: o poder de renda individual destes grupos. Apenas 26% das trabalhadoras declaram ter uma renda individual maior que R$ 2,1 mil reais mensais. Um número significativamente menor que os 42% dos homens que declaram possuir esta renda.
Caminhamos lentamente. Enquanto a crise dos últimos anos nos levou a lugares de criatividade e capacidade de adaptação, com novos modelos laborais em função das limitações impostas, não conseguimos alterar a mentalidade em relação à remuneração e ao reconhecimento inerente da capacidade de adaptação da jornada feminina. As mulheres esperam o reconhecimento financeiro e intelectual pelo que produzem, criam e fornecem, independentemente do tamanho da carga horária exercida ou da natureza de seus negócios e atividades.