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MWC

O impacto do governo Trump nas políticas globais de IA

Avanço da IA combinado com desregulação pode afetar anos de avanços em direitos humanos


4 de março de 2025 - 13h40

Os impactos políticos das medidas adotadas pelo segundo mandato de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos em relação à inteligência artificial (IA) foi um dos tópicos debatidos no Mobile World Congress (MWC) nesta terça-feira, 4. Desde que voltou à Casa Branca no mês passado, o republicano revogou decretos do antecessor, Joe Biden, e assumiu uma postura menos colaborativa nessa corrida tecnológica, com o intuito de tornar os EUA “a capital mundial da IA”.

Painel IA sob o governo de Donald Trump

Painel analisou o impacto do segundo governo de Donald Trump sobre o desenvolvimento da IA no mundo (Crédito: Caio Fulgêncio)

Marcos Somol, cofundador e CEO da norte-americana Hyacinth AI, disse que não há dúvidas de que a administração de Trump está focada em “dinheiro e poder”. Para ele, a aproximação do presidente às big techs demonstra que, pelo menos de início, serão os principais beneficiados. Mesmo assim, pensando no todo, empresas menores também devem colher resultados de negócios.

“A inovação em IA beneficiará não apenas empresas como a minha, que constroem soluções para outras empresas, mas qualquer companhia que queira implementar IA. Elas terão uma variedade de soluções para escolher, tornando esse processo mais fácil. A questão é: isso será bom para o resto do mundo?”, questionou.

Fora do espectro de negócios, existem preocupações quanto aos efeitos da revogação das salvaguardas, priorizadas, anteriormente, por Biden, no setor público. Especialista em tecnologia e direitos humanos, Mallory Knodel, diretora executiva da Social Web Foundation, lembrou que umas das anulações dizia respeito a uma ordem executiva que definia padrões de conformidade e medidas de redução de dados.

“Especialmente quando lidamos com danos potenciais, dados de cidadãos ou outras áreas sensíveis, o que realmente importa é o cuidado e a atenção aos detalhes, adotando abordagens personalizadas e bem planejadas. O problema é que estamos vendo exatamente o oposto disso”, opinou.

Do outro lado do Atlântico

O anúncio do Stargate, iniciativa privada que prevê injetar US$ 500 bilhões em infraestrutura de IA nos próximos quatro anos, representou um impulso nos planos de Trump de tornar os EUA a maior potência tecnológica. Com isso, regiões como a Europa, a primeira a regulamentar a inteligência artificial, acabam se distanciando ainda mais no jogo da inovação.

Apesar disso, José Torreblanca, chefe do gabinete de Madrid do Conselho Europeu de Relações Exteriores e pesquisador de política, defendeu que a União Europeia, mesmo não estando no topo, “se for inteligente o suficiente no desenvolvimento e aplicação das tecnologias digitais, pode se recuperar”, pelo menos para não perder mercado. Ele lembrou que a região abriga algumas das maiores empresas financeiras, de seguros, automóveis, eletricidade e serviços de saúde.

“Então, a expectativa é que você possa construir nichos nos quais essas aplicações também se transformem em inovações. Temos o segundo maior mercado do mundo também, que ainda é muito poderoso. Apesar dessas tensões, é um mercado muito interessante”, falou.

Trump e a governança global

Enquanto os EUA caminham distantes de uma regulamentação, a UE inicia sua primeira revisão das normas, em busca de simplificá-las. A União Europeia AI Act, primeiro marco legal no mundo, tem regras rígidas para aplicações de alto risco e, até mesmo, algumas proibições, com o intuito de estabelecer um padrão global para uma IA segura e sustentável.

Diferentemente, os EUA decidiram pela não assinatura, no mês passado, da Declaração da Cúpula de Paris, que teve apoio de 58 países (incluindo a China). Na ocasião, o vice-presidente norte-americano, JD Vance, chegou a pedir que União Europeia pare de “superregular” a inteligência artificial.

Conforme Mallory, padronização e – a tão debatida – governança global esbaram em incentivos pouco alinhados. Ao contrário da internet, em que protocolos comuns foram essenciais para a conectividade global, a IA se desenvolve de forma fragmentada, com cada empresa ou país tentando manter sua vantagem competitiva por meio de algoritmos proprietários.

A legislação europeia, pontuou a especialista, tenta promover algum nível de padronização, porém, sem incentivos claros para as empresas compartilharem metodologias ou garantirem transparência, uma possível harmonização fica prejudicada.

“Há um esforço de boa-fé para a governança, mas, sem regras concretas que obriguem a colaboração, a tendência é que os players continuem operando em silos. O caminho adiante talvez dependa de uma combinação de regulação mais clara, incentivos financeiros e uma mudança de mentalidade nas empresas, que precisariam enxergar a interoperabilidade não como uma ameaça, mas como uma vantagem competitiva a longo prazo”, ressaltou.

Nesse sentido, do ponto de vista de negócio, o americano Somol concordou que a regulamentação afeta os níveis de inovação, como defende o governo Trump. Para explicar o ponto, citou o exemplo da indústria aérea, que, sem regulação, nas décadas de 70 e 80, registrou um aumento de companhias aéreas, barateando o valor das passagens.

“O mesmo é verdade para a IA. Se exagerarmos na regulamentação, não seremos capazes de desenvolver nossa tecnologia”, disse o CEO da Hyacinth AI. Por outro lado, o executivo acrescentou que a segurança também faz parte dessa conversa, sendo fator essencial para as empresas de tecnologia e seus clientes.“Assim como na indústria área, que é regulamentada pelo governo, porque segurança de voo é extremamente importante, precisamos de alguma governança para que a IA alcance a adoção em larga escala que todos buscamos”, salientou.

A diretora executiva da Social Web Foundation, por sua vez, arrematou dizendo a aceleração da IA combinada com desregulação pode desfazer anos de avanços em direitos humanos e privacidade. Para ela, o impacto global pode ser “enorme”, especialmente se for considerado que as novas fontes de dados para treinar IA incluem redes sociais e até mensagens privadas. “Isso abre espaço para dilemas éticos e possíveis violações de privacidade em larga escala”, finalizou.

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