Pyr Marcondes
11 de dezembro de 2017 - 9h33
Por Eduardo de Rezende Francisco e Rubens de Almeida (*)
A tecnologia do armazenamento de dados e informações na nuvem é ainda pouco compreendida pelas pessoas comuns, embora todos nós, de um jeito ou de outro, a utilizemos de forma corriqueira. Muitos até fazem brincadeiras sobre onde achar determinada informação disponibilizada na Internet: “tá na nuvem” é uma resposta fácil e muitas vezes conveniente, que satisfaz qualquer interlocutor.
Mas, até mesmo quem entende de tecnologia e manipula bem computadores, tablets e smartphones, por vezes se confunde e não sabe (ou se lembra) exatamente de onde saiu aquela foto ou porque mesmo que não está conseguindo achar aquele documento que arquivou ontem na nuvem. Pode estar em um google drive, no icloud, no dropbox, no onedrive, ou em outras centenas ou milhares de “nuvens” que nos acostumamos a usar e falar delas como se fossem um lugar conhecido, e como se representassem um lugar físico para guardar tanta informação.
Não há um, mas milhares de locais físicos onde centrais de armazenamento de dados fazem exatamente esse papel. É fato que podem estar em qualquer lugar do mundo e desde que estejam conectados pela Internet, a porta de entrada mais acessível continuará sendo a conectividade pessoal. Há experiências desses data centers até em navios, “cavernas” tecnológicas e até no Ártico. Geralmente em regiões onde há fartura de água e baixas temperaturas, pois o desafio dessas instalações é garantir a refrigeração dos ambientes e dos equipamentos.
Localização das nuvens e dos dados
É gozado perceber que até para dar a infraestrutura para as tais “nuvens”, localização é fundamental, ainda que do ponto de vista dos usuários, tanto faz se o servidor que armazena seus dados está em sua cidade, há alguns quilômetros de distância ou no Alaska. Desde que a velocidade de conexão via Internet seja satisfatória, o seu dado aterrissará em seu artefato digital, quando você precisar dele.
Isso não significa que os dados armazenados e servidos pelas nuvens pertençam a qualquer lugar só porque estão nas nuvens. Pelo contrário. Pertencem às pessoas, empresas, lugares, ou seja, a “coisas” e “gentes” que possuem endereços reais ou a seres humanos, onde vivem e realizam suas atividades. Muitas vezes, os dados armazenados ou servidos pelas nuvens dependem de situações tão específicas, que se tornam disponíveis exatamente porque aquele usuário está em determinada localização, precisando de uma informação absolutamente vinculada a uma condição geográfica, por exemplo sobre as condições de trânsito ou de clima, dentro da cidade ou em uma estrada.
Ou seja, ainda que estejam armazenados nas nuvens, os dados e informações sempre possuem um endereço. Um endereço onde aquela informação específica está vinculada para sempre, pois é ali que ganha um sentido econômico ou social relevante e pode até mesmo caracterizar riqueza, realização, história, conquista ou simplesmente a sua simples existência e vínculos com a realidade.
Há estudos que afirmam que mais de 90% das informações criadas e utilizadas por nós em nossa vida cotidiana ou profissional dizem respeito a um determinado local geográfico. Ainda que o dado que representa aquele fenômeno esteja na nuvem, aquele dado específico tem uma conexão forte com outros dados, através de quem ou onde ele pertence. Se for o dado de uma pessoa, diz respeito a suas relações com os ambientes que frequenta, ainda que esses vínculos sejam apenas virtuais.
Todos nós temos um lastro geográfico, que indica nossa vinculação a nossa moradia ou a nosso local de trabalho. Outros lastros geográficos nos complementam na caracterização comportamental – por onde habitualmente passamos, locais que frequentamos. “Diga-me por onde andas e te direi quem és”, diz o ditado.
Na hipótese de algum observador e pesquisador quiser entender os relacionamentos e fazer quaisquer vínculos entre os dados dos mais variados tipos de uma pessoa ou empresa, por exemplo, basta saber onde aquela pessoa está ou mora, trabalha ou se relaciona. Ou seja, onde estão e o que fazem as pessoas que representam aquela empresa ou iniciativa econômica.
Fazer análises sociológicas e econômicas a partir dessas informações “aterrissadas”, é o exercício de quem deseja entender e influir no mundo a partir das informações do chamado Big Data. Informações que sempre estiveram disponíveis, de alguma forma. No cartório, na agenda de alguém, na conta de telefone, no documento do carro, ou mesmo no cheque que era dado em pagamento a alguma compra. Ou, mais recentemente, todas elas juntadas em seu formato eletrônico, sempre se referenciando a pessoas reais, físicas ou jurídicas, que possuem endereço para serem encontradas e receberem uma encomenda transportada por um drone, por exemplo.
A novidade, então, é a possibilidade e a relativa facilidade de integrar tudo em um mesmo arquivo de dados, vinculando todas essas informações eletrônicas a um Id, que, de novo, pertencerá sempre a um agente econômico ou social, com endereço e características para ser encontrado. Fisicamente. Esta é a base conceitual que permitirá em breve, que as tecnologias de blockchain sejam aplicadas para fazer todas essas integrações instantaneamente, de modo a caracterizar quaisquer transações, transformando-as em “rastros” de credibilidade.
Em suma, nossos dados da nuvem aterrissam no mundo real através do rastro geográfico que inevitavelmente deixamos. Endereços e latitudes-longitudes dizem muito mais sobre nós do que podemos a priori imaginar. O Big Data com um tempero geográfico servirá com uma excelente refeição para saciarmos o desejo de organizar as informações do mundo – terrestre ou nas nuvens.
Eduardo de Rezende Francisco é doutor em Geoestatística e professor da FGV. Rubens de Almeida é jornalista dedicado à organização geográfica de dados.