10 anos depois. O que mudou no SXSW?
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De 7 a 15 de março de 2025 I Austin - EUA


6 de março de 2025 - 9h33

Aqui estou, a caminho do meu nono SXSW, dez anos depois que fui a este incomparável evento, que todo ano se realiza em Austin, no Texas, pela primeira vez. Desde o ano passado, venho escutando de amigos, também veteranos deste festival, que ele não é mais o mesmo, que se massificou, que o público agora é demasiado corporativo e que o espírito inovador que tanto os atraiu no passado, já não existe mais. Minha primeira reação a estes comentários é rejeitar a ideia, quase como um filho rebate uma crítica à sua mãe. O que sinto certamente não é isso. Continuo indo a Austin todo mês de março com a mesma motivação, as mesmas expectativas de lá ver e viver algo diferente do que vivo no meu dia a dia, de fazer descobertas, de me surpreender, me emocionar e me divertir. Contudo, aproveitando o tempo morto em aeroportos e tendo a minha já sagrada tarefa de contribuir com a cobertura do Meio&Mensagem, enviando artigos diários durante o evento, resolvi puxar da memória e fazer um pequeno balanço do que realmente mudou de 2015 para 2025 no SXSW, na minha visão, buscando fazer uma análise factual, mais que sentimental. Vamos ver se tenho êxito na empreitada.

Lembro que em 2015 vivíamos no Brasil e no mundo o advento do influencer marketing ou, como depois começou a chamar-se, a creators economy. Os EUA, como muitas vezes acontece, lideravam as tendências desta indústria, apresentando os maiores casos de sucesso e também sendo protagonista de algumas das transações mais emblemáticas do setor, como a aquisição da Maker Studios pela Disney em março de 2014 por US$ 500 milhões, com possibilidade de somar mais USD 450 milhões se a Maker cumprisse certos objetivos. No Brasil buscávamos desvendar esta fórmula de sucesso, tentando convencer as marcas do valor de uma mensagem dirigida ao novo público consumidor com mais autenticidade, espontaneidade e menos interrupção ou chatice. No SXSW havia muitas sessões onde dicas importantes, dadas por criadores e marcas, eram reveladas.

Os protagonistas de então nas palestras não eram ainda celebridades, mesmo nos EUA, mas aspirantes a um lugar à grande mesa do rico mercado publicitário. Agora, em 2025, a creators economy segue ocupando um espaço decente na grade de programação. Há contudo, algumas diferenças marcantes. Em 2015 o espaço de criação preferido de 9 entre 10 creators era o YouTube e o formato principal o de vídeos longos. Os conteúdos do SXSW, então, centravam-se muito em como conseguir monetizar o trabalho dos influencers, para além do revenue share da plataforma, engajando marcas e promovendo o formato de integração no conteúdo. Hoje, olhando para a grade de palestras com a tag Creators Economy, há 72 sessões e praticamente nenhuma fala do YouTube. Veem se, por outro lado, destaques importantes para o podcasting, os vídeos curtos do TikTok e, como não poderia deixar de ser, todo o impacto da IA Generativa, também sobre esta indústria. O volume de negócio que a Creators Economy move hoje em dia é infinitamente maior que o de 2015 e não só nos EUA. Segundo o Research Nester, esta indústria foi de US$ 190 bilhões em 2024 e projeta-se que chegará a 2037 com mais de USD 2,7 trilhões. Se em 2015 podíamos classificar essa modalidade dentro do conceito de marketing de guerrilha, hoje, claramente o setor ganhou um lugar à mesa principal da publicidade mundial e isso também se reflete nas discussões do SXSW, que, ainda assim, não deixa de trazer discussões de vanguarda, temas sobre o futuro que, ao mesmo tempo empolgam e preocupam quem trabalha com o setor.

Outro assunto que em 2015 estava em alta no SXSW era o da emergente indústria do cannabis. Naquela época apenas alguns estados americanos já haviam descriminalizado o uso recreativo da maconha e começavam a colher as primeiras histórias de sucesso desta indústria. Havia ainda no ar um certo tabu e as sensação quando se ia às palestras sobre o tema no SXSW era quase como fazer algo proibido, underground. Dez anos depois e com a descriminalização em quase todos os estados americanos, além de resoluções favoráveis ao setor em nível federal, a indústria do cannabis se consolidou absolutamente, chegando a USD 38,5 bilhões, somente nos EUA, em 2024. Com isso, o assunto deixou de ser hype e praticamente desapareceu da grade de programação do evento. Hoje (e já há pelo menos 3 anos) ela deu lugar à indústria dos psicodélicos, com quase 50 sessões sobre o assunto. Discute-se, nestas, como então era com a indústria do cannabis, os impactos na economia, na saúde e nos hábitos de vida das pessoas, ocasionados por essa crescente tendência. Vive-se, na minha opinião, a mesma expectativa de inovação, possivelmente com menos sentimento de subversão ou do “proibido”.

Uma das coisas que me surpreendeu positivamente no SXSW quando fui pela primeira vez em 2015 era a sua disposição para abordar abertamente assuntos ligados a pautas políticas. Já então, temas como mudanças climáticas, desigualdade social e questões raciais eram abordadas. Em 2015 lembro de ter assistido a eletrizante palestra do Al Gore, ex-vice presidente americano e feroz embaixador da causa climática, despejando, em uma hora, uma tonelada de conteúdos factuais, ao mesmo tempo que envolvia a audiência com seu storytelling e terminava com mensagens de esperança: ainda há tempo e vocês são os agentes dessa transformação! Ao longo destes dez anos vi inúmeros políticos de peso, não só americanos, subirem ao palco do SXSW, para falar de assuntos progressistas, sempre buscando sensibilizar uma audiência de formadores de opinião, para as suas legítimas causas. As pautas foram evoluindo, é verdade, incluindo temas como a diversidade, equidade e inclusão, as lutas contra a discriminação racial, as de identidade de gênero e as de neuro-diversidade. Porém o espírito progressista, de denúncia e de mobilização se manteve, em minha opinião, em todas ou na maioria destas muitas exposições que assisti nestes dez anos. E este ano não deve ser diferente. Temos, entre outros, a confirmação de última hora da presença da ex-primeira dama e ativista americana Michelle Obama, acompanhada de seu irmão, Craig Robinson. É daquelas sessões que vale a pena chegar cedo e esperar pacientemente na longa fila de entrada.

Quando falamos de tecnologias inovadoras, o SXSW sem dúvida alguma é um grande celeiro de aprendizado. Se em 2015 e nos anos seguintes havia uma enorme exaltação com a realidade virtual e a realidade aumentada, ao longo destes dez anos vi muitas sessões de robótica, de computação quântica, de computação espacial, realidade mista e, de pelo menos 3 anos pra cá, muita coisa sobre inteligência artificial, é claro. Pra mim, uma das melhores coisas do evento, contudo, é a amplitude e o desdobramento destes assuntos, com sessões que abordam aspectos específicos de cada tecnologia, como os impactos setoriais, as diferentes perspectivas, as aplicações práticas, os cenários futuros possíveis, os impactos sobre questões sociais. Essa abordagem mais ampla permite, na minha opinião, uma visão mais completa do assunto, ao passo que dá luz a questões importantes que transcendem o fator tecnológico.

Por fim, faço uma reflexão comparativa destes 10 anos sobre os demais aspectos do festival, pra além dos conteúdos das sessões e eles são, na minha visão, tão importantes quanto o primeiro. Começo pela parte musical, que sempre foi um dos principais atrativos de Austin e do SXSW pra mim. Vi, nestes 10 anos, shows memoráveis, como os do finado Charles Bradley, do Robert Plant e do Jimmy Vaughan. Mas descobri também artistas incríveis que não conhecia, como grupos japoneses de country music, bandas mexicanas de ska punk ou novos nomes da música brasileira, como foi o caso do impactante show da artista mineira Bia Ferreira, que assisti no ano passado. Depois está o espírito vibrante de Austin, seus bares musicais, seu entardecer à beira do rio com a famosa revoada de morcegos, as experiências do churrasco texano, a vibe acadêmica e progressista da cidade. Tudo isso, a meu ver, não mudou muito de 2015 a 2025 e continua sendo parte integrante da experiência no SXSW. Então chegamos ao público, do qual muitos dos meus amigos veteranos se queixam. É verdade que há cada vez mais assistentes que trabalham em grandes corporações. Se antes havia um sentimento, pelo menos para os brasileiros, de que o SXSW era um evento no qual se podia esquecer o trabalho durante uma semana e focar suas atenções na experiência que o evento proporciona, hoje talvez você seja lembrado do seu trabalho de forma mais constante enquanto caminha pelas ruas de Austin, pois inevitavelmente vai se encontrar com pessoas do seu dia a dia e, eventualmente, a “obrigação” laboral te puxará de volta pro seu mundo cotidiano e não te deixará disfrutar da mesma forma do evento. Mas acho também que isso depende muito de qual a proposta que você se faz para estes dias de março. Eu busco me manter fiel ao objetivo original, de aprendizado, de romper com o cotidiano, de voar livremente por aquilo que o festival me proporciona, por me divertir.

Em suma, feitas estas análises nem tão objetivas como eu pretendia, tenha a convicção de que o SXSW evoluiu sim nestes dez anos, que os conteúdos foram se moldando às novas realidades, que possivelmente o público seja diferente, mas que esta continua sendo, pra mim, uma experiência transformadora a cada ano, um momento no qual centro minhas atenções em aprender, em evoluir, em compartilhar, em estar atento ao que é importante no mundo e ao que pode afetar nossas vidas num futuro próximo. Depois que vou embora de Austin, sigo vivendo o evento e sigo sentindo o evento vivo em mim ao longo de todo o ano. Me abasteço de energias com ele, me alimento de sua inspiração. E penso sempre com expectativa no ano seguinte, quando retornarei a Austin para viver essa experiência mais uma vez.

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