A especialização no trabalho se tornará superestimada?
Com o avanço da tecnologia e acesso à informação, valor profissional deve migrar do conhecimento para adaptação e capacidade de conectar diferentes disciplinas
Com o avanço da tecnologia e acesso à informação, valor profissional deve migrar do conhecimento para adaptação e capacidade de conectar diferentes disciplinas
Taís Farias
10 de março de 2025 - 20h50
A popularização da inteligência artificial generativa e o avanço dos modelos de linguagem trouxeram com eles a ameaça de um impacto massivo no mercado de trabalho. Os dados são muitos. No ano passado, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou que 40% dos empregos serão impactados pela IA, globalmente. No Brasil, 37% dos postos de trabalho estariam expostos à tecnologia, segundo a Organização Mundial do Trabalho (OIT).
Ian Beacraft no South by Southwest 2025 (Crédito: Reprodução/ SXSW)
Mas os termos dessa transformação ainda são desconhecidos, especialmente, quando a tecnologia e as mudanças avançam de forma acelerada. Ian Beacraft, CEO e futurista-chefe da Signal and Cipher, faz um paralelo entre o momento atual e a invenção das máquinas para a construção civil. Isso porque, para ele, se abraçarmos agora essa tecnologia teremos a oportunidade de redesenhar a realidade.
O problema, no entanto, é que a dimensão dessa mudança exige a construção de novos modelos mentais. Uma vez que as soluções e experiências antigas já não são mais compatíveis com a realidade. “O ponto aqui é que não temos um vocabulário ou um contexto para essas coisas ainda, a menos que tenhamos passado muito tempo com elas. E isso é tradicional para todas as novas mídias”, descreve.
Assim, a mudança de paradigma altera os sistemas em que vivemos e traz incerteza. Isso não inclui apenas uma questão tecnológica, mas econômica e social. “Precisamos nos comprometer e pensar em transformação, não em otimização. Estamos entrando em um mundo onde não buscamos mais retornos incrementais. Se realmente vamos adotar uma tecnologia de propósito geral, uma que de fato remodelará a sociedade, essa será uma mudança de paradigma que exigirá uma transformação completa. Não apenas passos incrementais na direção certa”, defende Beacraft.
Essa composição de mundo levaria a um colapso da vida útil das nossas habilidades. No século XX, ser bom em algo significava moldar sua carreira a partir dessa habilidade e permanecer por, pelo menos, 30 anos até que esse valor se tornasse obsoleto. Hoje, segundo o CEO da Signal and Cipher, o tempo médio para que isso aconteça é de dois anos e deve seguir diminuindo.
Estaríamos caminhando para um mundo em que as skills mudam de valor rapidamente e a única maneira de resolver isso, para Beacraft, é entender o que a inteligência artificial pode fazer por nós. “Precisamos pensar em diferentes formas de valor. Se meu valor não vem do que eu faço, o que muda é a ideia de “eu sou o que eu sei” para “eu sou como me adapto”. A adaptação será fundamental. É a principal coisa em que precisamos pensar quando se trata de como navegar nesse espaço”.
Nesse cenário, ele explica que o sistema de aprendizagem está quebrado e o caminho seria dividido em duas frentes. Primeiro, a rápida aquisição de conhecimento com a ajuda da IA. Depois, o tempo de aplicação e a resiliência necessária para passar por esse processo várias vezes. “Um dos desafios em torno disso é que gastamos muito dinheiro em tecnologia, licenças, infraestrutura. Mas o montante de dinheiro que investimentos em aprendizado, desenvolvimento, educação ou qualquer outro fator que a IA toca não é nem uma sombra disso”.
Para o futurista-chefe da Deloitte, Mike Bechtel, a especialização se tornou superestimada. Isso porque – assim como Beacraft- ele defende que, no passado, ter conhecimento era uma forma de poder. Mas, à medida que as informações podem ser acessadas com facilidade nos celulares e gadgets, esse valor perde força. Isso afeta nossa atenção e capacidade de memorização.
“Tivemos 30 anos para começar a nos acostumar com essa ideia que antes era herética: a de que os computadores são melhores do que nós em saber e lembrar das coisas. Mas tivemos menos de três anos para começar a nos acostumar com a ideia assustadora de que talvez eles também sejam melhores em pensar do que nós”, afirmou citando a inteligência artificial generativa.
Mas, olhando para outras inovações tecnológicas, ele sugere um caminho de valor para aqueles que conseguem não apenas se adaptar, mas conectar disciplinas e pensar criativamente. “O futuro favorece os conectores em vez dos perfeccionistas. Os conectores terão mais vantagem. Sempre tiveram. Porque, na verdade, o domínio profundo de qualquer coisa, para uma IA, é como aperfeiçoar caligrafia”, aponta Bechtel.
Ele continua: “a especialização em equipe tem sido um caminho confiável para atingir as melhores práticas. Mas a polinização cruzada é a chave para criar as próximas práticas”. O caminho para se tornar um conector envolveria estar aberto para viver situações e contextos inesperados, que tragam dados novos, e abraçar a autenticidade.
Beacraft, por sua vez, retoma o seu conceito de generalista criativo para propor uma expansão dessa ideia para os times. Na definição do CEO, o generalista criativo é alguém que tem conhecimento especializado em algumas áreas, mas – mais importante – tem uma grande transversal de interesses em diferentes coisas a que foi exposto, como hobbies e experiências e pode usar a IA para maximizar seus conhecimentos.
“O primeiro passo é definir as funções, entendendo que empregos e cargos não são elementos únicos por si mesmos. Os empregos são um conjunto de tarefas, e essas tarefas podem oscilar entre diferentes funções e posições. E, à medida que uma tarefa é automatizada, isso não significa que o emprego desapareça, pois ele se ajusta e se transforma”, explica.
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