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De 7 a 15 de março de 2025 I Austin - EUA
SXSW

Amy Gallo: “A promessa do emprego nos EUA está quebrada”

Autora especialista em relações de trabalho acredita que polarização, desalinhamento de expectativas e tecnologia levam a problemas no trabalho


6 de março de 2025 - 6h00

Em determinado momento, durante um South by Southwest, a especialista em relações de trabalho, Amy Gallo, se encontrou segurando uma cabra bebê enquanto conversava sobre um documentário sobre educação de presidiários com uma pessoa que pedia uma kombucha de um food truck. Esse tipo de situação típica do espírito inusitado de Austin é uma de suas memórias mais divertidas de SXSW.

Amy Gallo

Amy Gallo acredita que há uma divergência entre o que as empresas esperam do funcionário e o que o funcionário espera da empresa (Crédito: Stephanie Alvarez Ewens)

Amy começou a frequentar o SXSW em 2017, quando foi convidada a conversar sobre seu livro recém-lançado “HBR Guide to Dealing with Conflict” (“Guia da Harvard Business Review para lidar com conflitos”, em português). Fisgada pelo grande público interessado em suas ideias, voltou ao evento quase todos os anos desde então – com exceção de 2021 e 2022.

As situações inusitadas tornam o local único, mas, para Amy, o real valor do SXSW são as pequenas interações com o público. “Lembro de uma família que veio à minha sessão de autógrafos. Era um adolescente e seus pais. Eles disseram: ‘Estamos comprando este livro para nosso filho. Ele tem tanto medo de conflito que nem consegue falar com você’. Ele acabou vendo minha palestra naquele ano e no seguinte. Observar a evolução desse jovem, que realmente levou a sério os conselhos que eu dava, foi um grande incentivo para que eu continuasse o meu trabalho”, lembra.

Ao Meio & Mensagem, Amy Gallo dividiu suas reflexões sobre o avanço da tecnologia no mercado de trabalho, o encerramento de políticas de diversidade e inclusão e sobre crise na retenção de talentos.

Meio & Mensagem – Quais são as discussões atuais que estão moldando as relações no ambiente de trabalho?

Amy Gallo – O nível real de conflito que está acontecendo no mundo – no nível social, político e global. Isso está realmente definindo o tom de como interagimos no ambiente de trabalho. Está tornando as coisas muito tensas para muitas organizações. Surgem questões como: até que ponto falamos sobre política no trabalho? Sentimo-nos confortáveis com o conflito? Porque a forma como o conflito é retratado na sociedade é muito intensa e, muitas vezes, prejudicial. Então, como podemos ter conexões humanas que sejam autênticas, francas e reais, sem trazer parte dessa negatividade de fora? Podemos realmente nos isolar disso? Obviamente, a IA está desempenhando um grande papel nesse cenário. Será que meu colega de trabalho será um bot? Como posso continuar operando como um humano se estou interagindo com menos humanos no meu trabalho? O terceiro ponto é o debate sobre o trabalho remoto. Muitas pessoas me dizem que voltaram para o escritório, mas só se comunicam com seus colegas pelo Slack ou Teams. Basicamente, é um ambiente virtual com você sentado no mesmo escritório. Isso tem gerado muitos mal-entendidos e falhas de comunicação, o que pode ser um gatilho para conflitos. Essas ferramentas nos proporcionam eficiência e transparência sobre como as coisas funcionam, mas, às vezes, eliminam interações humanas importantes. Então, como podemos compensar essa falta de humanidade na forma como nos comunicamos e colaboramos uns com os outros?

M&M – Falando em tecnologia, muitas discussões no South by Southwest este ano abordam o impacto da IA e do mundo digital nas relações humanas. Que tendências você enxerga nesse sentido?

Amy – O que mais estou observando são as pessoas usando IA para ajudá-las a se comunicar melhor. Dizendo, por exemplo: “Ah, preciso escrever um e-mail difícil. Vou colocá-lo no ChatGPT para garantir que eu diga da maneira correta.” Esse caso de uso é realmente interessante, porque muito do que eu incentivo as pessoas a fazerem é serem mais reflexivas e intencionais na forma como se comunicam. Talvez você não esteja usando seus próprios recursos cognitivos, mas pelo menos está dedicando um tempo para se perguntar qual é a melhor forma de dizer algo. Isso ajuda muito na clareza da comunicação e na conexão interpessoal. Mas eu também tenho algumas reservas quanto a isso, porque há um certo grau de “bagunça” necessário na interação humana. Muitas vezes, aprendemos ao dizer algo errado, observando a reação das pessoas, aprendendo a pedir desculpas e tentando reformular nossa fala. Estamos perdendo um pouco desse processo de tentativa e erro, o que pode prejudicar o desenvolvimento de nossas próprias habilidades. Minha esperança é que possamos encontrar um equilíbrio entre o uso dessas ferramentas e o fortalecimento de nossas próprias competências de comunicação.

M&M – Muitas empresas estão encerrando suas políticas de diversidade e inclusão neste momento. Por que você acha que isso está acontecendo? Como será o futuro das relações de trabalho se isso se tornar um grande movimento?

Amy – Acho muito desanimador ver empresas recuando ou se afastando de seus compromissos com diversidade, equidade e inclusão (DEI). Há muitas críticas em relação a esse trabalho, algumas das quais não considero bem fundamentadas ou bem-intencionadas, mas algumas contêm um fundo de verdade. Este é um momento importante para aqueles que se preocupam com DEI se perguntarem: o que estamos realmente tentando alcançar? Se o termo “DEI” se tornou um tabu ou foi associado a ideias equivocadas – como baixar padrões ou promover apenas certos grupos, o que não é o propósito do DEI –, então, por que não reformular? Não precisamos usar o termo, mas ainda podemos nos comprometer com os princípios por trás dele. Lily Zhang escreveu um artigo excelente na Harvard Business Review que propõe um novo modelo baseado na ideia de justiça. Os princípios fundamentais continuam os mesmos. A grande questão é: como medimos se estamos realmente cumprindo o que nos propusemos a fazer? Fico muito preocupada com o recuo dessas iniciativas, mas também entendo que este pode ser um momento de reflexão para definir como podemos continuar promovendo essas mudanças de maneira eficaz.

M&M – Quais são os principais desafios que as empresas enfrentam hoje para reter talentos e criar uma cultura que tenha propósito e engaje os colaboradores?

Amy – A promessa do emprego, pelo menos nos EUA, está quebrada. Há muita tensão dos dois lados. As empresas não têm certeza se estão obtendo o que precisam dos funcionários. Elas sentem que as novas gerações que entram no mercado de trabalho não estão preparadas, não possuem as habilidades, a mentalidade ou o pensamento crítico necessários para desempenhar suas funções. Por outro lado, os funcionários sentem que estão sendo explorados, que as empresas apenas querem extrair sua força de trabalho sem oferecer algo em troca. Ambos os lados têm queixas legítimas, e isso ameaça a retenção de talentos porque não está claro qual é o real benefício de trabalhar para determinada empresa. As empresas precisam comunicar claramente por que alguém deveria querer trabalhar ali e garantir que a experiência do funcionário seja consistente com essa proposta. É essencial treinar os gestores para desempenharem um papel fundamental na criação de segurança psicológica, promovendo um ambiente onde as pessoas se sintam à vontade para se expressar, ao mesmo tempo em que estabelecem padrões reais de desempenho e responsabilidade. Acredito que ninguém reclamaria de ser cobrado por um padrão, desde que ele seja percebido como justo e razoável.

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