15 de março de 2023 - 10h32
Crédito: Raul Santahelena
Se eu fosse antropólogo, psicólogo ou neurocientista seria exatamente isso que eu estaria estudando agora: o quanto a Web3.0 e o multiverso, com seus múltiplos mundos e possibilidades paralelas e cruzadas, estão impactando, e ainda vão impactar, a relação íntima e pessoal que todos temos com a nossa própria imagem. Com a nossa identidade. A nossa personalidade. A projeção do que somos que é objeto de reflexão da humanidade desde a Grécia antiga — ou antes, vai saber. JC Oliver, founder da Movie78, produtora de narrativas e experiências imersivas, falou sobre esse fenômeno que já está sendo mapeado e analisado. De como os usuários das plataformas de multiverso tem desenvolvido diferentes avatares e personalidades com especificidades e nuances que diferem do que seria a real — se é que isso ainda existe. É um comportamento que na Web2.0 é tido como perfis fake mas que na Web3.0 é tratado como um comportamento muito mais natural e fluido do que é estar no multiverso.
Oliver começou a sua fala no painel sobre Web3.0 e Multiverso se levantando e caminhando no corredor, bem no meio da plateia — que a princípio não entendeu nada. Então pediu para que todos da plateia se levantassem também. É curioso como algo relativamente simples já causa um furor na plateia só por ser algo que foge do convencional. E foi demais! Com todos de pé, Oliver pediu para aqueles que nunca tivessem criado um avatar para se sentarem. Alguns se sentaram. Depois pediu para quem nunca tivesse encarnado esse avatar em plataformas de multiverso e outros tantos se sentaram também. E, por fim, perguntou quem já tinha estado em eventos como aquele mas no multiverso. Apenas um cara ficou em pé.
Todo esse papo incrível sobre metaverso que assisti no Southby me lembrou muito do dia em que eu e Ju levamos a Antonia, nossa filha de 5 anos, para visitar a exposição da Adriana Varejão na Pinacoteca em São Paulo. Era a maior mostra já feita da artista brasileira, com o maior número de obras. E depois de mais de duas horas de mostra, paramos para almoçar na própria Pina e perguntamos para a Antonia qual obra ela tinha mais gostado. Ela não precisou de dois segundos pra responder que havia sido um tabuleiro onde ela podia mexer nas peças com grafismos pra montar sua própria versão da obra. E ainda emendou: “porque todas as outras tinha uma linha que não deixava a gente chegar perto”. Lembro que quando escutei isso minha mente girou três vezes no próprio eixo. É tão óbvio! Para as novas gerações, tudo o que não permitir interação ativa numa troca simbiótica imersiva será apenas algo que não tocará elas emocionalmente. E as marcas, sempre tão viciadas em colocarem as pessoas em papeis sempre tão passivos, precisam ficar bem atentas e esse movimento de mudanças nas placas tectônicas do comportamento humano.
Oliver comentou, por exemplo, que o Second Life teve seu papel importante mas não progrediu pois não havia um propósito claro para se estar ali. E disse que o entretenimento, especialmente os games, concertos musicais, salas de cinema e, claro, sexo, são vetores que podem trazer uma razão mais clara do que fazer no multiverso. E isso tende a contribuir para que a penetração e alcance seja cada vez maior.
Outro ponto crucial para o sucesso não somente das plataformas de multiverso como também da presença e aceitação das marcas nesses novos territórios é o quanto esses agentes conseguirão enaltecer e angariar o senso de comunidade entre os usuários. Vale no mundo “real”, vale ainda mais no mundo virtual, pois quando há menos contato físico, os elos emocionais de pertencimento tendem a cumprir um papel ainda mais representativo.
O papo também girou muito em torno de alguns cases de marcas que já estão tateando e explorando as possibilidades no multiverso. Como o Gucci Garden, uma experiência imersiva no Roblox para celebrar os 100 anos da marca. O importante agora é sempre buscar oferecer experiências no multiverso que não sejam reproduzíveis no mundo real para que seja algo realmente único e exclusivo, em vez de apenas levar algo que existe no mundo real pra ser vivido no universo virtual. Como outro caso comentado da revista GQ que conseguiu oferecer uma experiência no multiverso que se passa no fundo do oceano.
E Oliver ainda alertou: além da real interatividade ativa do usuário e do senso de pertencimento e comunidade, a criatividade deve ser a premissa maior, deve vir primeiro. Tudo deve partir de uma ideia poderosa de experiência inesquecível.