Para diretores de Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo, o que é storytelling?
Daniels, a dupla responsável pelo longa mais premiado dos últimos tempos, exalta o poder de contar histórias em um mundo caótico e polarizado
Daniels, a dupla responsável pelo longa mais premiado dos últimos tempos, exalta o poder de contar histórias em um mundo caótico e polarizado
Isabella Lessa
12 de março de 2024 - 22h30
No SXSW 2022 acontecia a estreia de Tudo em todo lugar ao mesmo tempo, que, no ano seguinte, viria a se tornar o filme mais premiado do ano – e, segundo a IGN, o longa-metragem mais premiado da história.
Antes disso, mais precisamente há uma década, os diretores do filme Daniel Kwan e Daniel Scheinert, mais conhecidos como Daniels, faziam sua estreia no festival de Austin. Naquela edição de 2012, venceram o prêmio Grand Jury of Music Award pelo clipe Battles, da banda My Machines.
E, neste ano, a dupla lotou o principal auditório do Austin Convention Center e foi ovacionada pela plateia em diversos momentos.
Descontraídos e autoirônicos, a dupla logo avisou que não seguiria à risca a premissa do painel, que era a de explicar como é que conseguiram fazer Tudo em todo lugar ao mesmo tempo.
“Faz dois anos que estamos respondendo a essa pergunta e estamos meio cansados de falar sobre esse filme”, disse Kwan, sob gargalhadas dos que estavam ali presentes.
Em vez disso, os Daniels decidiram tentar responder a uma pergunta mais subjetiva e profunda: por que eles – e todo mundo – contam as histórias que contam?
Embora sejam muitas as respostas possíveis, em tempos de caos e confusão, argumentaram eles, se faz a necessidade de contar histórias que façam as pessoas se sentirem vivas e entenderem seu propósito no mundo.
“Quando olhamos para o mundo hoje, está tudo muito confuso. Nossas histórias estão se misturando, se cruzando, se atropelando o tempo todo. E no filme tentamos capturar esse sentimento”, disse Kwan.
De fato, o antropólogo James Wheal afirma que há momentos na humanidade em que há muitas histórias e ninguém sabe ao que se agarrar, pois não existe um único mito unificador. Então, a pessoa pode pender para o niilismo ou para o fundamentalismo.
Quando isso acontece, afirmou Kwan, o meio do caminho, que é o equilíbrio de uma sociedade, começa a colapsar. Dito isso, a dupla de diretores se baseia em alguns conceitos para encontrar o significado e o propósito em suas criações.
Anos atrás, descobriram o Ikigai, conceito japonês sobre a busca por realização e que se divide em quatro premissas: o que você ama (suas paixões e vontades), o que você oferece (seu talento, contexto, habilidade), o que você ganha (dinheiro) e o que o mundo precisa.
Fãs de filmes de kung-fu, Débi & Lóide e forjados pela cultura low budget de uma certa época da MTV, os Daniels acreditam que o momento do mundo pedia algo mais calmo e gentil, que fosse possível de fazer rir e chorar ao mesmo tempo.
“Esse paradoxo e essa tensão é onde encontramos nossa voz. Onde os círculos do Ikegai se encontram pode parecer um lugar problemático, mas as histórias podem reconciliar esse paradoxo. A arte faz isso melhor do que qualquer outra coisa”, explicou Kwan.
Na opinião da dupla, Tudo em todo lugar ao mesmo tempo brilha justamente por suas contradições, assim como Barbie, que consegue ser um blockbuster sobre uma grande marca e um manifesto feminista, sem perder as tiradas bobas e divertidas.
O papel de um storyteller seria, portanto, buscar contradições de forma a surpreender ou despertar a curiosidade.
“Esquecemos que temos o poder, como contadores de histórias, de direcionar as pessoas a novas trajetórias. Quero lembrar a todos vocês que isso é possível”, afirmou Kwan. “A Nasa tem um negócio chamado Dart, que identifica o menor e mais fraco objeto que pode desviar o asteroide e fazer com que ele não atinja a Terra. É muito divertido imaginar nossas histórias colidindo com a audiência e tirando-as de suas trajetórias no momento certo”.
O conselho de Kwan sobre IA é: se a pessoa está ansiosa em relação ao tema, deve procurar saber sobre isso, porque, ainda que os trabalhos não deixem de existir, perderão valor. “Estamos em um lugar em que todo mundo é descartável. Estamos fazendo ghosting uns com os outros constantemente. Não há longevidade nas relações entre funcionários, ou mesmo amigos. Agora, estamos neste lugar em que estamos mais solitários do que nunca. E todos entendemos que isso se dá por causa da tecnologia, da social media”. Diante disso, ele acredita que seu papel como storyteller é o de oferecer humanidade e conexão entre pessoas e comunidades.
A dupla está longe de condenar o uso de GenAI, porém. Eles consideram importante que as pessoas se perguntem por quê utilizam tais ferramentas.
“Está usando para criar o mundo no qual você quer viver ou está tentando enriquecer os bilionários? E se alguém está te dizendo que não há efeito colateral, o que pode soar muito bem no board, quero dizer on the record que essa é uma tremenda mentira. Não é verdade. Devemos ter cuidado e provar para seu amigo que está viciado em IA que os humanos são divertidos”, declarou Scheinert.
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