Depois da saúde mental, é chegada a era da saúde social
Autora e cientista social Kasley Killam apresenta antídoto proativo à epidemia da solidão: o cultivo intencional das relações interpessoais
Autora e cientista social Kasley Killam apresenta antídoto proativo à epidemia da solidão: o cultivo intencional das relações interpessoais
Isabella Lessa
7 de março de 2025 - 23h01
Amy Gallo e Kasley Killam falam sobre a crescente importância do cultivo das relações para a saúde humana (Crédito: Isabella Lessa)
Se a edição passada do South by Southwest (SXSW) fez diversos alertas sobre a da epidemia da solidão no mundo, este ano, ao menos nesse início de evento, o público foi agraciado com um antídoto à escalada global do sentimento de se estar só.
Isso porque o painel de abertura do festival nesta sexta-feira, 7, apontou a saúde social como algo que terá, daqui uma década ou pouco mais, importância similar a que a saúde mental tem hoje.
A previsão é da cientista social Kasley Killam, dedicada a entender os benefícios das conexões humanas para o bem-estar e a saúde de indivíduos há 15 anos. Autora do livro The Art and Science of Connection, a norte-americana é entusiasta do que chama de “exercitar os músculos sociais”.
Tanto é que, antes de prosseguir com a apresentação, pediu que cada pessoa do auditório descobrisse três coisas em comum com a pessoa sentada ao lado. A intenção do experimento, segundo ela, era a de demonstrar que mesmo uma breve interação é capaz de gerar um sentimento de conexão em relação ao outro – o que exerce influência direta sobre o tempo de vida de uma pessoa.
Para se aprofundar na ideia de saúde social, Kasley primeiro relembrou à plateia o fato de que o entendimento sobre saúde mudou drasticamente com o passar dos anos, com base em descobertas científicas e mudanças culturais.
Houve um tempo em que as pessoas acreditavam que dores de cabeça eram provocadas por demônios e faziam sacrifícios aos deuses na tentativa de curar doenças. E, em uma época não tão distante, fumava-se sem saber que o cigarro provoca câncer de pulmão.
De 1800 para cá, a mortalidade infantil caiu de 40% para menos de 5% e a expectativa de vida global expandiu para mais de 40 anos. Hoje, a narrativa dominante, sobretudo na sociedade ocidental, é a de que a saúde foca em dois aspectos principais: corpo e mente.
Enquanto a prática de exercícios físicos e melhores hábitos de alimentação e sono são práticas bastante difundidas há décadas, a saúde mental ganhou mais relevância há relativamente pouco tempo. “Há 15 anos não se falava tão abertamente sobre fazer terapia. O assunto foi de tópico tabu a prioridade massiva do governo. A economia da saúde mental ultrapassou o PIB da Alemanha”, pontuou Kasley.
Existe, no entanto, uma lacuna na compreensão do que significa ser saudável: para além da saúde mental e física, a sociabilidade entra como componente que completa a narrativa e está, de acordo com a autora, interconectada às outras duas.
Social health, ou saúde social, se manifesta na apreensão que uma pessoa sente quando está prestes se mudar para uma nova escola (ou bairro, cidade, trabalho), ciente de que vai ter de conhecer pessoas novas. Ou ter tido que fazer ajustes para permanecer conectada aos colegas de trabalho durante a pandemia. Ou, ainda, em um exemplo mais próximo da realidade atual: sentir-se sobrecarregada com o dia a dia e sentir que não sobra tempo para os amigos e familiares.
De acordo com a cientista, as situações descritas acima não têm a ver somente com a questão mental. Claro que pessoas que possuem relações interpessoais sólidas têm menos sintomas depressivos, mas não só: se beneficiam de melhores respostas imunológicas, como funções cognitivas mais apuradas e menor risco de contraírem doenças cardiovasculares.
Ela citou dois experimentos que corroboram a tese. No primeiro, cientistas acompanharam dois grupos de pessoas por duas semanas, observando quantos abraços davam a cada dia. Depois, infectaram os participantes (de maneira voluntária, claro) com o vírus da gripe. A descoberta foi que aqueles que tinham mais suporte social e abraçavam com frequência, eram menos propensos a ficar doentes. Se ficavam doentes, tinham menos sintomas.
Já o segundo estudo acompanhou sete mil adultos por nove anos. Após esse período, pesquisadores constataram que homens com menos laços sociais são duas vezes mais propensos a morrer. Entre mulheres, as chances são três vezes maiores.
Essas conclusões se mostraram verdadeiras mesmo quando os indivíduos em questão gozavam de boa saúde física e econômica. Ou seja, diante da ascensão da epidemia da solidão, parte considerável da humanidade está mais propensa a morrer, a despeito de cuidados com corpo e mente.
“Podemos concluir que conexão é tão importante quanto exercício e nutrição. Vinte por cento dos adultos no mundo dizem que não têm com quem contar quando precisam de ajuda. Como vocês se sentem com o fato de que centenas de milhões de adultos passam mais de duas semanas sem falar com um único amigo ou membro da família?”, questionou Kasley.
Na visão da autora, as pessoas estão começando a assimilar a diferença entre os tipos de saúde e o termo social health vem aparecendo cada vez mais, seja nas trends do Google, seja nas obras de acadêmicos. Diante disso, ela prevê que, num futuro próximo, a priorização da saúde social será um fator competitivo entre as empresas.
“O futuro do trabalho está criando rituais e culturas que dão suporte à saúde social dos funcionários. Pesquisas apontam que uma organização que não prioriza relacionamentos perde em retenção, inovação e produtividade”.
Isso mobilizará uma economia emergente, com o surgimento de academias e personal trainers dedicados ao desenvolvimento da saúde social das pessoas. Na indústria da saúde, haverá “prescrições sociais”, ampliando o conceito de saúde holística atual.
No setor da tecnologia, será central o questionamento sobre se as ferramentas criadas ajudam os usuários a terem conexões significativas. “Ingerimos calorias vazias na conexão por meio das redes sociais. E, enquanto isso, milhares de pessoas ao redor do mundo recorrem à inteligência artificial (IA) para ter companhia e amor”, pontuou.
Depois de sua apresentação, Kasley conversou com a também autora Amy Gallo, que, logo no início da troca, perguntou sobre como é possível equilibrar a vida social aos momentos de solidão – que revigoram e alimentam muitos tipos de personalidades, sobretudo as introvertidas.
Para Kasley, a resposta está em se conectar primeiramente consigo, para depois investir tempo em conexões que façam sentido. Além disso, ela acredita que a questão da saúde social deve ser abordada por lentes mais positivas e proativas.
“Precisamos investir em saúde social de forma proativa e prevenir a solidão. Também precisamos reconhecer a solidão como uma única peça de um espectro mais amplo da saúde social. Há muitas nuances nisso. A pessoa pode ter ótimas relações com família e amigos, mas sentir-se desconectada dos colegas de trabalho ou do lugar onde mora”, observou.
A primeira sugestão de Kasley para quem deseja cuidar da saúde social é fazer uma lista com nomes de pessoas que são importantes na vida daquela pessoa.
Na sequência, é preciso estabelecer metas parecidas com aquela de dar dez mil passos diários: interagir com ao menos cinco pessoas toda semana para manter pelo menos três delas próximas. Além disso, dedicar uma hora do dia às conexões.
Para que isso seja possível em uma rotina na qual a falta de tempo é principal queixa de muitos, Kasley reconhece que se faz necessário um redesenho geral da cultura, para que as pessoas não se sintam tão ocupadas a ponto de não conseguirem compartilhar uma refeição à mesa.
Outra sugestão prática que cabe em meio à correria é: em vez de rolar o feed das redes sociais, ouvir podcasts ou ler e-mails quando se está à espera do café ou do transporte, preferir usar esse tempo para mandar uma mensagem a um amigo.
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