15 de março de 2024 - 17h00
Inteligência Artificial para tudo. A previsão que dominou os principais debates do SXSW inicialmente não gera estranhamento nos ouvidos da plateia. Estamos dispostos a incorporar a IA em nossas vidas de maneira menos intencional, mais fluída e imperceptível.
Vai acontecer. Já vimos outras previsões sendo amplamente adotadas antes. Entre 2010 e 2020, assistimos à presença da Internet das Coisas crescer rapidamente e hoje podemos fechar nossas cortinas com um comando de voz. As cortinas agora saberão a hora de fechar, sem a necessidade de programação.
Estamos falando de IA se tornando uma tecnologia do dia a dia ou “Tecnologia de Propósito Geral” (General Purpose Technology, o famoso GPT), como a eletricidade e a internet. Veja, acabei de comparar IA à eletricidade.
Sempre fui muito orgulhoso de ser um profissional jovem e, de certa forma, não contar com concepções do passado para escrever próximos passos. Mas não tem preço ver a evolução do mercado. Como discussões antes tratadas com ceticismo entram em palco central alguns anos depois. Pela minha experiência, a diferença de IA versus todas as outras mudanças que vimos até agora no mercado digital é que ela tem um forte componente de medo e incerteza.
Bluetooth nunca passou por isso, assistentes de voz desviaram da discussão de estarem nos ouvindo o tempo todo, regulação de redes sociais é assunto apenas da última década (tarde) e a internet das coisas sempre foi vista como comodidade. A IA fica no meio disso tudo, pois já nos mostrou potencial destrutivo com deep fakes e a capacidade plena de nos enganar. Talvez a privacidade de dados seja uma discussão de tamanho semelhante.
“Sinto que há algo diferente neste ponto do tempo. E sei que todos vocês estão sentindo isso”, disse Amy Webb em sua famosa palestra de tendências. Segundo ela, passaremos por um superciclo tecnológico que irá mudar nossa experiência humana. Somos a geração da transição e parte de uma grande mudança. A sociedade será diferente depois deste ciclo completo.
A sensação que tive a partir de conversas e bisbilhotamentos de canto (curioso com orgulho) é que as discussões de IA no SXSW geraram um certo alívio entre os participantes. O problema não está sendo varrido do tapete e o tom alarmante das palestras foi direto ao encontro das expectativas de quem estava lá. IA causando o fim do mundo? Distração. Temos problemas maiores.
A discussão de viés apareceu muito, mas são conversas. Reforçando como este problema, que já era discutido, está longe de ter uma solução em vista. Com a velocidade de escala da tecnologia, a expectativa é que vieses em ferramentas aumentem ainda mais à medida que IA aprende conosco, seres enviesados.
Regulação também apareceu. A preocupação fica em torno de modelos abertos de inteligência artificial que podem ser replicados para a construção de novos modelos que podem ir para todos os lados, inclusive com a capacidade de cometer crimes. E quando o computador comete um crime, quem é o responsável?
Outro problema atual é a questão de direitos autorais. Espera-se um aumento da judicialização destas questões nos próximos anos – casos célebres como o da Taylor Swift em um deep fake de vídeo adulto, o processo do NY Times sobre OpenAI e outros tantos como o da comediante Sarah Silverman.
Além destas, outra que me pareceu interessante: estaremos cercados por sensores. Os dados que a IA irá absorver para fazer tanto a mais irão mudar: veremos produtos que geram dados apenas por serem usados, sem a necessidade de um comando de voz. O Apple Vision Pro conta com 14 câmeras e mais dezenas de sensores, é um aparelho desenhado para ler as suas intenções. Seus olhos podem dilatar antes mesmo de um pensamento ou vontade surgir e o computador saberá da sua intenção antes mesmo de você tê-la. Afinal, a cortina precisa aprender a hora de fechar e como ela faria isso se não fosse através de mais sensores?
Seja para o lado que caminharmos, estaremos aqui observando criticamente tudo que acontecer. Aguardamos cenas dos próximos capítulos.