Douglas Rushkoff faz apelo pela volta do “weird” no digital
Para teórico da mídia, SXSW contribuiu para tornar o ambiente digital alvo de empresários de tecnologia interessados em exploração
Para teórico da mídia, SXSW contribuiu para tornar o ambiente digital alvo de empresários de tecnologia interessados em exploração
Thaís Monteiro
9 de março de 2025 - 22h14
Um retorno ao South by Southwest original. Essa foi a proposta do teórico da mídia, Douglas Rushkoff, ao iniciar sua apresentação no sábado, 9. Rushkoff começou seu discurso afirmando que muitas coisas estão estranhas no mundo, como Elon Musk na Casa Branca e a IA liderando a sociedade. Ele atribuiu parte da responsabilidade ao público e ao próprio SXSW.
Para Rushkoff, ao nos tornarmos mais humanos uns com os outros, tornaremos a tecnologia menos problemática (Crédito: Thaís Monteiro)
Enquanto o interactive era uma conferência de nerds, programadores e esquisitos, o intuito do digital era promover conexão entre pessoas isoladas socialmente, descentralizar o poder de comunicação e compartilhar esquisitices e fantasia. Rushkoff comparou a experiência ao uso de psicodélicos.
“Computação e o digital era sobre humanos coletivamente abrindo-se para tornar coisas diferentes possíveis, ampliando as possibilidades humanas. Era sexy. Não tinha dinheiro envolvido. Se você falasse para seus pais que ia estudar computação, eles achavam que você ia morrer de fome”, brincou.
Quando a revista Wired decidiu apostar na internet como uma ferramenta que iria exponencializar negócios, o interesse pelo digital mudou. Empresários começaram a investir dinheiro na internet e coibir práticas esquisitas e novas. Hoje, Rushkoff acredita que a humanidade está sob uma economia da vigilância e do controle. “Não me impressiona que estamos em uma bad trip [quando acessamos o digital]”, afirmou.
O autor culpa o SXSW de abrir portas para empresários da tecnologia, que ao invés de fomentar o weird, iniciou o weird-washing. E o SXSW se tornou legitimador de startups: se uma startup se lançava no evento, era necessário investir nela. O festival influenciou mudanças na cidade de Austin, e vice-versa. A capital do Texas se tornou um epicentro de inovação e tecnologia, mas também símbolo do anti-reacionário.
“O Zuckerberg anunciou que vai mudar seu time de moderação de conteúdo para Austin. É como dizer que vamos mudar a nossa divisão de feminismo para o Afeganistão. Não é tanto sobre mudar, mas anunciar a mudança, que trás um significado. Mudar algo para Austin se tornou virar parte do anti-reacionário”, colocou.
O evento tenta trazer pautas importantes para a programação, como mudanças climáticas e uso de psicodélicos na saúde, na esperança de que essas pautas também ganhem importância, da mesma forma que startups e tecnologia ganharam.
Diante de todas essas transformações, Rushkoff propôs que o público presente na sua apresentação iniciasse um movimento de retomada do esquisito e trazer de volta as conexões sagradas entre pessoas. Ao invés de usar a tecnologia para “melhorar” seres humanos, e fazer uso das capacidades humanas para empatizar com os demais. “A inteligência artificial não é capaz de metabolizar o que o outro está sentindo e empatizar com ele. Nós deixamos isso de lado quando pensamos na função utilitária do digital”, disse.
Para o teórico, as opções são duas: mudar o roteiro do digital ou aceitar cuidados paliativos. Para mudar o roteiro, será necessário invocar as esquisitices da Austin de antigamente, reprogramar a tecnologia, resgatar o contato humano, a empatia, a ajuda ao próximo, voltar a confiar na intuição, sexualidade, espiritualidade e psicodélicos. Ser um agente de mudança a partir do cuidado.
Para isso, é necessário calar o medo de criar conexões, o que ele chamou de um medo do “oceano de lágrimas”. “As pessoas ficam com medo de tocar nessa coisa que chamo de oceano de lágrimas. Há uma consciência de que vivemos um oceano de trauma e tristeza transgeracional e individual. Nós tentamos de toda forma evitar”, explicou.
Segundo ele, questões políticas e figuras como Donald Trum e Elon Musk são distrações que impedem o entrar em contato com esse oceano de sentimentos. “Pessoas com posições políticas diferentes não são o inimigo. O inimigo é a máquina que nos aliena de demais pessoas. E Austin é a encruzilhada que une os dos lados: os fãs de Joe Rogan e os de psicodélicos. Se apoiando em compaixão, amor e intimidade, podemos rejeitar a alienação”, argumentou.
Rushkoff também teceu críticas ao modelo econômico que preza pelo crescimento exponencial. “Nada na natureza cresce exponencialmente para sempre a não ser o câncer e ele mata seu hospedeiro”, afirmou. Para ele, os empresários da tecnologia querem manter a ordem estabelecida e fazer disrupções em algumas verticais, mas não na fundação do problema, que é o capitalismo colonial.
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