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De 7 a 15 de março de 2025 I Austin - EUA
SXSW

Entre o hype e a soberania cognitiva, onde estamos nos perdendo?

A necessidade constante de correr atrás do novo tem gerado uma inteligência coletiva mais superficial — e o SXSW estava nesse mesmo lugar


18 de março de 2025 - 15h28

“A qualidade das nossas relações é o que determina a qualidade das nossas vidas.” – Esther Perel

“Nós, com muita frequência, nos curvamos para as calorias vazias das conexões nas redes sociais.” – Kasley Killam

 

Escrevo este artigo saindo do SXSW e ainda digerindo tudo o que vivenciei. A sedimentação interna dos conteúdos acontece aos poucos, trazendo à superfície o que mais me impactou. Este ano, o evento foi diferente: mais morno, menos provocativo, talvez até mais raso. Essa necessidade constante de correr atrás do novo, do próximo hype, tem gerado uma inteligência coletiva mais superficial — e senti o evento nesse mesmo lugar. Nem sequer começamos a compreender o impacto da IA generativa em nossas vidas e já queremos desvendar a computação quântica. Mesmo sem um entendimento sólido sobre essa realidade, que já tem impactos enormes no presente, buscamos ansiosamente o próximo horizonte.

Mas o futuro se constrói no presente. Trabalho com isso há mais de 20 anos e, muitas vezes, me surpreendo com a pouca consciência que temos desse fato. O futuro não é uma entidade abstrata, nem um destino de férias que visitaremos em algum momento.

Mais do que isso, ele nos inclui: nós, nossos filhos, nossos amigos — somos parte dele, para melhor ou para pior. Percebo uma apatia social, uma vida em piloto automático que não nos levará, necessariamente, ao destino que desejamos. A necessidade de mergulharmos no presente, explorarmos cenários possíveis e imaginarmos futuros preferíveis, enraizados na nossa realidade, é urgente.

Nossa capacidade de tomar decisões em benefício coletivo está limitada pelos modelos de incentivos atuais, refletindo uma falha estrutural nas escolhas que moldam nossa sociedade. Não haverá mudança efetiva sem uma revisão desses incentivos, de forma a criar um ecossistema no qual a escolha individual esteja alinhada ao que é melhor para todos. Precisamos amadurecer nosso pensamento crítico com urgência.

A internet desempenha um papel ambivalente na nossa saúde social e emocional. Se, por um lado, as redes sociais podem nos alimentar com interações vazias e efêmeras, por outro, têm o poder de criar comunidades de apoio genuínas — como grupos de pessoas com condições crônicas, que compartilham experiências e conhecimentos. O futuro das interações digitais e da nossa saúde depende da nossa capacidade de desenvolver soberania cognitiva e emocional, ou seja, de filtrar e escolher as informações e interações que realmente promovem o bem-estar.

Saio do SXSW em busca de calor, de inteligência relacional, de profundidade, de troca, de mergulhar sempre — e para sempre — no entendimento de nós mesmos. Somente ao nos conhecermos verdadeiramente seremos capazes de compreender nossa comunidade, nossos parceiros de trabalho, nossa cultura e nossa sociedade.

As calorias vazias das redes sociais estão atrofiando musculaturas preciosas — aquelas que nos levam ao caminho da saúde social que tanto desejamos, como nos inspirou a palestra de abertura de Kasley Killam. São elas que nos permitem sustentar o atrito que gera o novo, as conversas difíceis que abrem espaço para novas possibilidades, as trocas profundas que podem levar semanas até que soluções apareçam.

Neste mundo polarizado, precisamos reencontrar os múltiplos caminhos do meio — é ali que todos cabemos, onde diferentes crenças coabitam, onde existem conexões genuínas e onde podemos construir um futuro mais saudável e menos solitário. Porque, atualmente, mesmo quando estamos juntos, ainda estamos sós.

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