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SXSW

Epidemia da solidão: desafios tecnológicos e sociais

Painelistas atribuem o crescente isolamento social às instituições, competitividade, economia e tecnologia


14 de março de 2024 - 6h00

A conjectura do mundo contemporâneo leva à solidão, que se tornou um dos fatores que influenciam transtornos mentais e físicos. O inverso também vale. Para muitos dos painelistas presentes no SXSW 2024, os Estados Unidos, e o mundo, vivem uma epidemia de solidão.

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CEO da Daybreaker, Radha Agrawal, fez exercícios para incentivar conexão (Crédito: Thaís Monteiro)

Segundo a pesquisa a pesquisa Estado das Conexões Sociais, feita pela Gallup e pela Meta em novembro de 2023, globalmente, 72% das pessoas se sentem muito ou bastante conectados. No entanto, 24% se sente muito ou bastante solitário.

Em maio de 2023, o cirurgião geral dos Estados Unidos, Vivek Murthy, publicou um alerta para os impactos da crise de saúde pública da solidão, isolamento e falta de conexão no País. O arquivo tem 82 páginas que contextualizam a crise, traz seus impactos e como resolver a questão.

Origem da epidemia da solidão

Para Radha Agrawal, co-fundadora e CEO do Daybreaker, a “endemia” da solidão é decorrente da sociedade contemporânea e das instituições que fomentam a competividade, violência, extremismo e individualismo.

Faz parte do grupo as escolas, que estimulam a competitividade, o sistema de saúde, que não acolhe a todos, a mídia, que favorece a polarização, governo, políticas e tantas outras. Tais fatores resultaram no que ela classifica “individualismo tóxico”. Radha apresentou painel “The Power of Belonging: How Ending Loneliness Will Save Our Planet”.

O impacto da tecnologia não foi negado. No painel “The Paradox of Loneliness and Technology”, os entrevistados, todos parte de empresas de tecnologia que querem promover a conexão social, pontuaram como a tecnologia prometia ser grandiosa em conectar o público, mas acabou reforçando a polarização, bulying e outros aspectos negativos.

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CEO do Rendever, Kyle Rand; Chief Product e Design Officer do Headspace, Leslie Witt; fundador da Tenor, Erick Hachenburg; e CEO do The Next Great Thing Podcast e do SF AppWorks, Andrew Greenstein, participaram de uma conversa sobre o paradoxo entre tecnologia e solidão (Crédito: Thaís Monteiro)

Segundo o fundador da empresa de GIFs Tenor, Erick Hachenburg, a tecnologia tornou mais conveniente fazer coisas que antes era comum de serem feitas online. Para o CEO da Rendever, Kyle Rand, há uma diferença entre solidão e isolamento social. Segundo ele, o isolamento é estrutural, e atinge pessoas que não tem acesso a tecnologia, deficiência, entre outros. A Rendever faz experiências imersivas para o público mais velho.

Modelo de negócio

Uma das raízes do problema relacionado a tecnologia é o modelo de negócio das empresas, que é baseado em engajamento, afirma Chief Product e Design Officer do Headspace, Leslie Witt. Para ela, esse modelo cria vício. A saída seria fomentar uma mudança significativa nos KPIs. Atualmente, o Headspace tenta trabalhar com métricas em prol da saúde mental, como se o usuário está dormindo melhor, se seu estresse diminuiu, entre outros.

Já Rand vê como positivo quando o público-alvo interage com outras pessoas após o experimento, até para falar sobre o experimento. “Um funcionário de uma casa de repouso disse que, depois do uso de VR, os idosos sentaram para conversar sobre a atividade ao invés de seguir para seus quartos, como é o padrão”, contou.

IA como companhia

Nesse cenário, tem se tornado comum pessoas solitárias encontrarem companhia em chatbots, ou seja, na inteligência artificial. Para Rand, esse tipo de relação é como uma câmara de eco, em que a IA valida o que o usuário diz. “Isso leva a mais divisão, principalmente em época de eleição”, disse.

“Um bom amigo é apoiador, mas verdadeiro. A IA que te dá o que você quer ouvir ganha mais engajamento, mas o valor é vazio”, afirmou Hachenburg.

Saídas para a solidão

Para Radha, vergonha, sensação de não pertencer e solidão são sentimentos universais. O cenário moderno resultaram no que ela classifica “individualismo tóxico”, ou seja, pessoas auto-centradas, egoístas e que não contribuem para a comunidade. “Ninguém é imune a esse sentimento”, disse. Como consequência, além de abalos na saúde mental, o indivíduo solitário pode engajar em abuso de substância, afirma a CEO.

A saída é fomentar o pertencimento, o que, potencialmente, vai salvar o planeta. Antes disso, é necessário reconhecer e naturalizar a situação.

Depois, a executiva acredita que é necessário alimentar e se conectar com quatro quadrantes em prol de fomentar o pertencimento: espiritualidade, natureza, linhagem e atos de serviço.

No campo espiritual, o indivíduo deve focar em seu desenvolvimento espiritual através de práticas como dança, meditação e rituais, destacando a importância da conexão com o espírito. Com a natureza, o sujeito deve se dedicar a aprofundar a relação com o planeta, especialmente através da interação com a natureza. Radha sugere uma valorização da linhagem ancestral, reconhecendo a importância de curar traumas passados e encontrar orgulho na herança cultural. Por fim, a executiva destaca o serviço à comunidade como uma fonte de felicidade e pertencimento e incentiva atos de caridade e engajamento em projetos que tragam benefícios para os outros.

Regulamentação e auto-controle

Quanto a tecnologia, em cenário ideal, Hachenburg acredita que, para além da regulamentação, o mercado deveria ter práticas de transparência e dados abertos.

Enquanto isso não é realidade, há saídas com trocas entre as plataformas sociais. Em parceria com o TikTok, o Headspace criou uma campanha que incentivava os usuários do TikTok a pararem de navegar para respirar e sair do app. O TikTok viu 20% de taxa de saída do aplicativo.

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