Qual é o futuro das redes sociais, segundo o SXSW?
Frank McCourt (The People's Bid), Ev Williams (ex-Twitter), Jay Graber (Bluesky) e Meredith Whittaker (Signal) propõem plataformas descentralizadas, privacidade e conexão humana
Frank McCourt (The People's Bid), Ev Williams (ex-Twitter), Jay Graber (Bluesky) e Meredith Whittaker (Signal) propõem plataformas descentralizadas, privacidade e conexão humana
Thaís Monteiro
17 de março de 2025 - 12h05
Sentada em um painel sobre o impacto de dados sintéticos no desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial, a americana Suzanne Brennan Firstenberg usava um moletom onde constava o recado: “Você sofre de extremismo político? Busque ajuda”. Artista, Suzanne trabalha junto a uma terapeuta especialista em adições na criação de um grupo terapêutico que ajuda pessoas que perderam seus amados para o extremismo político para ambos os lados da esfera política.
Frank McCourt, Ev Williams, Jay Graber e Meredith Whittaker divulgam plataformas que oferecem mais controle ao usuário e maior conexão social (Crédito: Thaís Monteiro)
O moletom divulga a iniciativa. Perder, nesse caso, não é o mesmo “perder” usado comumente para falar de parentes que sucumbiram às drogas, à criminalidade ou à depressão. No contexto do moletom, a perda é parte do sintoma social prevalente nos debates do evento desde o ano anterior: isolamento.
Para a artista, nos últimos cinco anos, se tornou mais comum que pessoas que eram próximas parassem de se falar por divergências políticas, tornando o círculo social de alguns membros da sociedade diminuto. Na sua visão, o digital e algoritmos de recomendação em redes sociais alimentaram opiniões extremas para lados opostos para manter um modelo de negócio, o que rompeu com uma tolerância e respeito pré-existentes na troca de opiniões contrárias.
A crítica na forma como as redes sociais contribuíram para uma sociedade dividida, polarizada e para a criação de vetores de notícias falsas foi prevalente no evento, que até hoje é um átrio para startups e big techs divulgarem suas estratégias e inovações. Parte da discussão culpou o modelo de negócio baseado em algoritmos de recomendação como o início do fim do social.
Um dos precursores desse mercado, Ev Williams, que é cofundador do Twitter, Blogger e Medium, esclareceu que o início das plataformas foi pautado em criar espaços de trocas de informação, não necessariamente para trocas sociais. A pretensa sociabilidade das redes foi consequência da necessidade de criar um modelo de negócios que mantivesse tais espaços gratuitos, como a venda de espaços publicitários.
Ev Williams voltou ao SXSW para lançar o aplicativo Mozi (Crédito: Thaís Monteiro)
Quando as plataformas – sobretudo o Facebook – começaram a perceber que publicações de amigos e parentes não engajaram mais tanto o usuário, o algoritmo de recomendação foi lançado. A partir de dados sobre interesses do consumidor, as redes passaram a oferecer conteúdo engajante de desconhecidos para aumentar o tempo gasto no aplicativo, e assim comercializar mais espaços publicitários. Muitas vezes, o conteúdo que engaja é o que mobiliza uma intensidade de afetos, sejam eles bons ou ruins. “Monetização por publicidade é fonte de comportamentos muito disfuncionais, mas é o que torna as redes sociais gratuitas”, disse.
A presença de Williams no evento foi nostálgica. O Twitter (agora X) começou a ganhar destaque quando o uso da plataforma explodiu no SXSW de 2007. A plataforma foi lançada no ano anterior. Em 2025, o investidor voltou ao festival para apresentar seu novo empreendimento, a plataforma Mozi, que almeja o oposto do Twitter: promover conexões no mundo real entre colegas que já se conhecem pessoalmente.
A popularização do Twitter no evento deu início a um novo capítulo na história do South by Southwest. Startups de tecnologia passaram a vir ao festival em busca de repetir o “efeito Twitter” e empresários começaram a frequentar o festival pesquisando startups nas quais investir na busca pelo mesmo sucesso que a rede do passarinho teve, relatou o autor e teórico da mídia Douglas Rushkoff.
Para Rushkoff, ao nos tornarmos mais humanos uns com os outros, tornaremos a tecnologia menos problemática
(Crédito: Thaís Monteiro)
O efeito Twitter voltou a se repetir e beneficiar algumas empresas relevantes, como Foursquare, Uber e Airbnb. Para Rushkoff, ao se tornar um legitimador de startups, o South by Southwest passou a contribuir para a derrocada do digital. O que antes era uma “festa estranha com gente esquisita”, povoada por programadores, hippies e nerds encontrando um espaço de troca e novas possibilidades de interação, o digital virou um mercado a ser investido e explorado enquanto fonte de receitas por “tech bros”, que atualmente se encontram em uma escalada política.
Austin refletiu essa mudança. “O Zuckerberg anunciou que vai trazer seu time de moderação de conteúdo para Austin. É como dizer ‘vamos mudar a nossa divisão de feminismo para o Afeganistão’. Não é tanto sobre mudar, mas anunciar a mudança, que trás um significado. Mudar algo para Austin se tornou virar parte do anti-reacionário”, colocou. O autor defende o resgate à estranheza que pautou o digital em seu início e às trocas e conexões humanas.
Sem fugir à provocação de Rushkoff, o presidente e chief programming officer do SXSW, Hugh Forest, fez um mea-culpa público no dia seguinte no palco do Ballroom D. Antes de introduzir a keynote Jay Graber, CEO do Bluesky, Forrest contou que a programação de tecnologia do SXSW teve início em 1994, mas enfrentou dificuldades em encontrar seu tom de voz até a chegada do Twitter ao festival, em 2007, momento que foi catalisador para que mais startups e venture capitals viessem ao evento. “Na época, a maioria de nós acreditava que as redes sociais mudariam o mundo para melhor. Mesmo que elas tenham feito várias coisas incríveis, também contribuíram significantemente para muitos dos nossos problemas: divisão extrema, desinformação, isolamento, solidão, suicídio”, declarou.
Na programação, apenas YouTube – patrocinador da track Creator Economy – e Twitch participaram de painéis sobre influência e redes sociais. A Meta esteve presente no evento, mas apenas em discussões sobre IA e realidade virtual. O X e o TikTok não apareceram. No sentido contrário, foi notável um esforço da organização em impulsionar plataformas alternativas, como o Mozi, de Ev Williams, e o Partiful, ambos com a proposta de converter URLs em IRLs (sigla para “in real life”, ou “na vida real”, em português).
O evento também deu espaço para empresários dedicados a transformar redes sociais existentes e consolidadas, como o TikTok, com propostas descentralizadas em benefício do usuário. Diante da imposição feita pelo governo de Joe Biden para a venda do TikTok nos Estados Unidos, o bilionário Frank McCourt, atual presidente executivo da McCourt Global e proprietário do clube de futebol francês Olympique de Marseille, anunciou a criação de um consórcio para adquirir a operação da Bytedance. Denominado The People’s Bid, o consórcio é apoiado por membros da sociedade e nomes relevantes dessa indústria, como o cofundador do Reddit, Alexis Ohanian, o inventor da World Wide Web, Sir Tim Berners-Lee, e o investidor Kevin O’Leary, que já participou no Shark Tank.
The People’s Bid, do Project Liberty, visa adquirir o TikTok (Crédito: Thaís Monteiro)
McCourt quer unir tecnólogos, acadêmicos, formuladores de políticas e cidadãos para criar um ambiente mais seguro, responsável, onde não haja bots sem identidade e no qual os usuários possam gerenciar como as empresas usam seus dados e até se beneficiar financeiramente desse uso. Nesse novo ambiente, não haverá conteúdo extremista ou prejudicial à saúde mental ou corporal dos usuários, afirmou. “Somos sujeitados a isso hoje porque não temos escolhas. Os algoritmos nos fazem estar online e promove sentimentos como a raiva, que nos mantém engajados e online”, disse.
Outro exemplo significativo do esforço da organização em destacar propostas alternativas e com uma abordagem descentralizada do poder foi apresentar a CEO do Bluesky como keynote speaker mesmo que a rede tenha completado dois anos de lançamento um mês atrás. Hugh Forrest descreveu o Bluesky como uma brisa de ar fresco diante de uma neblina de toxicidade. “Parece com o que amávamos sobre todas as possibilidades das redes sociais em 2007”, descreveu. Ev Williams é investidor da plataforma.
Tanto o Bluesky quanto o Signal, plataforma de mensageria cuja presidente, Meredith Whittaker, também foi keynote, têm fontes alternativas de monetização e talvez por isso não se renderam às práticas que criticam nas demais redes sociais. O Bluesky vive de investimentos e o Signal de doações, pois é produto de uma organização sem fins lucrativos.
Presidente do Signal, Meredith Whittaker quer oferecer uma plataforma mais privativa e sem interesses comerciais (Crédito: Thaís Monteiro)
Para Meredith, o mundo digital vive uma economia da vigilância, pois dados são comercializados para que empresas lucrem. A perda da privacidade prejudica garantias como democracia, liberdade de pensamento, liberdade de expressão e intimidade, disse. “É um modelo econômico distorcido que depende de certas práticas que se tornaram normativas. O foco está em superar os concorrentes em receita e crescimento, não necessariamente em transparência, verificabilidade, benefícios sociais, em avançar com cautela e corrigir problemas”, argumentou.
Assim como Suzanne, em seu keynote, Jay Graber usou a vestimenta como mediadora de uma manifestação contra lideranças e práticas vigentes nas redes sociais. A executiva subiu ao Ballroom D ostentando um look clássico dos líderes de big techs: camiseta preta e calça jeans. A escolha, aparentemente básica, continha um recado que resumia, em uma frase, o tom do SXSW deste ano em relação às plataformas. Uma frase em latim estampada em sua camiseta zombava de uma peça utilizada pelo fundador e CEO da Meta, Mark Zuckerberg, no ano passado, que dizia, também em latim, “ou um Zuck ou nada”, uma adaptação do ditado “ou um César ou nada”, entoado pelo príncipe italiano César Bórgia no século XV e XVI para expressar ambição por poder e glória, como o que o ditador Júlio César impôs sob Roma entre 49 e 44 antes de Cristo.
Camiseta usada por Jay Graber zombava de Mark Zuckerberg (Crédito: Thaís Monteiro)
Ao contrário da peça usada por Zuckerberg, a camiseta da CEO do Bluesky dizia “um mundo sem Césars”, uma clara indicação de como a executiva encara demais líderes de um mercado já saturado e centralizado no qual o Bluesky disputa espaço. A descentralização desse poder é uma das propostas da plataforma, que tem código aberto e possibilita o usuário adaptar o aplicativo conforme sua vontade. No caso do Bluesky, o poder está na mão do público. Essa oferta busca endereçar uma necessidade crescente do público por outras redes que ofereçam flexibilidade e não submetam o usuário a algoritmos e modelos de negócios que não atendam seus desejos.
“A sociedade começa a refletir a estrutura de sua forma dominante de comunicação. Por isso, é essencial que a infraestrutura seja democrática, oferecendo às pessoas escolha e permitindo que elas a modifiquem de acordo com suas próprias necessidades e preferências. Construir redes abertas é fundamental para enfrentar os problemas que enfrentamos no mundo”, argumentou.
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