19 de março de 2024 - 18h14
Creio que como boa parte dos frequentadores do SXSW, eu gostaria de ter o dom da ubiquidade para estar em várias sessões ao mesmo tempo. Mesmo não o tendo, estar ali, assistir às sessões possíveis, fazer network e interagir com pessoas que provavelmente não conheceríamos de outra forma é como estar a bordo de uma Enterprise (a nave da série Star Treck) que, em vez de explorar novos mundos e civilizações, explora as novas fronteiras do nosso próprio mundo e civilização.
Como um apaixonado por tecnologia e um otimista em tempo integral, meu radar captou sobretudo os caminhos que já estão ou poderão ser trilhados com o uso da inteligência artificial (IA) e o compartilhamento de dados para lidar com os grandes desafios da atualidade, buscando soluções inovadoras e promotoras da equidade não apenas na saúde (foco do painel que o Einstein levou ao evento junto com Mayo Clinic, City of Hope e Sheba), mas nas mais diversas áreas.
Como não tinha nave, usei o patinete elétrico para ir de um lugar a outro, me deixando ‘contaminar’ por aquele universo de pessoas querendo fazer alguma coisa diferente, pensando inovação, com uma infinidade de diferentes ideias e interesses. Por isso, não ‘viajei’ apenas pelas sessões da trilha de Saúde. Marcaram-me particularmente palestrantes que refletiram sobre os reflexos e possibilidades trazidas pelos avanços da tecnologia, lançando um olhar diverso daqueles que a temem porque enxergam um cenário onde empregos serão perdidos com o avanço da Inteligência Artificiais.
Como mostrou Ian Beacraft, fundador da Signal and Cipher, o mundo do trabalho vai mudar, sim, com inúmeras tarefas e processos executados por máquinas. Mas caberá a seres humanos fazer as perguntas certas e colocar a tecnologia para trabalhar. Grandes respostas podem ser obtidas do cruzamento de grandes volumes de dados. E novas e melhores respostas podem surgir para coisas já consolidadas. Segundo Ian, a maior ameaça aos empregos não é a I.A., mas uma liderança fraca, apegada a modelos antigos e com uma mentalidade de resistência. A respeito de médicos, creio que ele concordaria comigo que vivo repetindo que os profissionais que não usarem a tecnologia serão substituídos, sim – não por ela, mas pelos colegas que o fazem.
Mike Bechtel, diretor e chefe de futurismo da Deloitte, destacou três elementos que só os humanos têm e que mostram porque não serão substituídos pela tecnologia: engenhosidade, para imaginar e criar novos caminhos; empatia, que leva à atitude de ajudar um ao outro; e iniciativa, sem que precise que alguém peça para agir. São esses fatores que fazem dos humanos os condutores das mudanças.
Um acelerador desse processo apontado por Willian Hurley, referência em computação quântica e fundador da Strangeworks, é a curiosidade científica. Segundo ele, em um mundo com mais de 8 bilhões de habitantes, apenas 1 em cada mil é cientista (formado em alguma área das Ciências). Além disso, parte dos experts ficam preocupados com a tecnologia ou a temem (principalmente as mais disruptivas), travando suas aplicações ou seu desenvolvimento. E são alguns desses experts que fazem as leis e regulamentações com vieses da tecnofobia. Para Hurley, precisamos de mais Sci-Curious – termo que o Chat GPT lhe sugeriu quando pediu uma frase de efeito que exprimisse a ideia de ter uma população mais engajada com ciência, curiosa, capaz de aprender e compartilhar. Quanto mais cientistas, mais soluções serão geradas; quanto mais ciência humana somada com tecnologia, melhor o mundo em que vivemos.
Em síntese, o que esses e outros estudiosos do presente e futuro nos dizem é que tecnologias são ferramentas para serem usadas pelos humanos para um determinado propósito, com inovação e processos mais rápidos e eficazes, liberando nosso tempo para aquilo que só nós podemos fazer ou para imaginarmos soluções para velhos e novos problemas e desafios.
O fato é: as tecnologias estão aí e os problemas também. Resistir a elas é retardar soluções ou jamais encontrá-las. Por exemplo, a região amazônica apresenta uma das maiores taxas de mortalidade materna do Brasil e muitas áreas onde não há médicos especializados para o acompanhamento pré-natal ou, às vezes, com pouco tempo disponível para o atendimento. Pois bem, um projeto desenvolvido pelo Einstein usa um sistema de I.A. generativa que transcreve o áudio da consulta e sugere ao médico perguntas a serem feitas sobre aspectos que podem afetar a saúde da gestante e do bebê. Será que alguém vai achar melhor esperar a implantação de um amplo programa de treinamento e capacitação desses profissionais generalistas ou então aguardar que o sistema público de saúde tenha recursos para recrutar e manter médicos especializados em todas essas áreas da Amazônia?
É evidente que existem ameaças e mau uso da tecnologia. Mas assim como o homem da caverna aprendeu a se proteger para usar a pedra lascada sem se ferir com ela, temos de encontrar caminhos para criar barreiras e usar a tecnologia a nosso favor. E no mundo da saúde e da ciência, de maneira ética e com bons propósitos.
No entanto, nas mais diversas áreas, temos visto faces negativas da tecnologia – de golpes financeiros à invasão de privacidade, de usos comerciais não autorizados a bullying e outras violações –, deixando claro que o mundo todo carece de regulações bem-feitas. Alguns países, principalmente da Europa, estão mais adiantados, mas o nosso também está dando passos nessa jornada.
Como otimista em tempo integral, volto da SXSW certo de que podemos e devemos todos embarcar na gigantesca nave de possibilidades que a tecnologia nos oferece para explorar as novas fronteiras do nosso próprio mundo e civilização. Em vez de Star Treck ficcional é a Humanity Treck real. É o futuro a ser criado com o uso das máquinas por seres humanos curiosos, criativos, empáticos e cheios de iniciativa.