23 de março de 2023 - 17h36
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Eu estaria mentindo se dissesse que não me surpreendi com a discussão sobre inteligência artificial, em especial, sobre as novas plataformas generativas, a exemplo do ChatGPT, Midjourney, DALL-E e relacionados nesta edição do SXSW. Mesmo acompanhando esse tema com bastante interesse nos últimos meses, volto do evento com um senso de urgência muito diferente do que eu tinha quando embarquei para Austin. A razão é que essas tecnologias, já no seu atual estágio, têm potencial de impactar, de maneira radical, a forma como qualquer atividade intelectual é feita. Como profetizou Ian Beacraft, CEO da Signal and Cipher, um dos maiores especialistas em Web3 do Vale do Silício, num dos painéis do evento, estamos começando a viver “a maior revolução do conhecimento da história da humanidade”.
O debate sobre o tema é amplo, controverso e cruza diversas dimensões, como tecnologia, cultura, ética e social, para citar as que mais me envolvi na semana passada. Há projeções de cenários futuros distópicos, enquanto outros apostam numa nova renascença da humanidade. De acordo com Amy Webb, uma das mais famosas futuristas da atualidade, autora, fundadora e CEO do The Future Today Institute, em dez anos, “há 50% de probabilidade para cada lado”. Animador? Não muito, confesso.
Mas, embora esse debate filosófico e mais alongado muito me interesse, passei os últimos dias refletindo mais sobre o que as grandes empresas deveriam fazer, de maneira pragmática, sobre esse tema. O que precisa estar na “agenda da segunda-feira”, como gostamos de falar. Afinal, todos os desafios de negócio e tecnologia que já existiam, 10 dias atrás, continuam tão reais e válidos quanto antes. E, infelizmente, não serão resolvidos — ainda — com um prompt no ChatGPT.
Voltando à Amy Webb, gostei de um framework simplificado, de três horizontes, que ela apresentou, para ajudar nessa reflexão de desdobramento estratégico. No que as empresas deveriam agir, imediatamente? O que deveriam decidir já, mas pensando no médio prazo? E o que precisam acompanhar, de maneira intencional e disciplinada, pensando num futuro um pouco mais distante (mas nem tanto)?
Para já, minha visão é que as empresas precisam incentivar, viabilizar e ampliar a experimentação interna dessas plataformas generativas, na maior quantidade possível de funções, atividades e fluxos de geração de valor, independente de área de negócio, departamento ou papel. Os ganhos de produtividade, qualidade e eficiência podem ser impressionantes. Inclusive, nas atividades rotineiras do escritório, como assistimos nos anúncios, semana passada, das novas versões das suites de produtividade de empresas como Microsoft e Google.
A forma como escrevemos ou elaboramos e-mails, documentos, apresentações e planilhas vai mudar radicalmente. Mas podemos estender esse raciocínio para atividades mais complexas, como a elaboração de planos, a análise de cenários e a geração de ideias inovadoras. Mesmo na criação de soluções digitais, um campo no qual sempre houve certo ceticismo sobre o potencial de eficiência, usando IA, os experimentos preliminares já mostram ganhos concretos, de duas a três vezes, na produtividade do desenvolvimento de alguns tipos de sites e aplicativos. Como disse Kevin Kelly, também durante o SXSW, “todos nós temos à nossa disposição, a partir de agora, um estagiário inteligente e global”.
Há um debate sobre o nível de qualidade dessas respostas, uma vez que a IA é limitada, naturalmente, pela diversidade e precisão dos dados que ela ingeriu. E isso me leva ao segundo ponto, onde acho que as empresas precisam tomar, impediatamente, algumas decisões importantes e, a partir delas, elaborar planos táticos mais alongados: dados. É fácil prever que o nível de impacto dessas tecnologias para as empresas aumenta exponencialmente se os dados internos (mercados, negócios, clientes, produtos, colaboradores, etc.) forem parte da base de conhecimento existente. Isso levanta muitas preocupações (acertadas) sobre os riscos de segurança, privacidade e confidencialidade dessas informações, sendo ingeridas em plataformas e ferramentas de terceiros, cujos interesses e modelos de negócio ainda não estão totalmente claros. E, apesar do debate sobre regulamentação estar avançando ele não chegará, como de costume, a tempo de regular essas relações.
Além disso, o desafio de integração e disponibilização de dados, dentro das grandes empresas, continua sendo uma das principais prioridades das áreas de tecnologia e, em muitos casos, é um caminho ainda nos seus estágios iniciais. Logo, nesse novo cenário descortinado dos “negócios impulsionados por IA” é fundamental que essas estratégias de dados sejam, imediatamente, revisitadas e que os executivos de negócio e de tecnologia decidam em quais frentes, com qual foco e com que velocidade querem buscar essa integração mais sofisticada com as IAs generativas. E, a partir daí, mobilizem os recursos necessários para avançar. A alternativa de não fazer nada dado o potencial exponencial de disrupção não parece, cada vez mais, um risco tolerável.
Por fim, que reflexão de prováveis desdobramentos mais alongados as empresas deveriam começar a fazer desde já? Acredito que é como elas pretendem fazer a transição dos negócios “feitos por humanos, impulsionados por IA” para um cenário onde teremos alguns “negócios inteiramente tocados por IA, gerenciados por humanos”. Imagine um produto ou serviço da sua empresa que, em tempo real e de maneira contínua, vai se adaptando, desde a experiência que entrega aos clientes até o modelo operacional interno de execução precisando apenas de alguns parâmetros e decisões humanas para isso. Muito longe da realidade? Talvez. Mas não tanto, acredito. O nível de disrupção possível é até difícil de enxergar atualmente. Executivos e conselhos precisam trilhar, de maneira acelerada, uma jornada contínua de aprendizado e reflexão sobre essas possibilidades.
O pior erro que uma empresa pode cometer agora sobre Inteligência Artificial, em especial sobre essas tecnologias generativas, é colocá-las no “pipeline de inovação” junto com outros temas, como Metaverso, Web3, IoT, crypto etc. Esses temas, definitivamente, não estão na mesma categoria. Tanto na ótica do nível de impacto que podem trazer quanto no horizonte da mudança. Vi isso acontecer em 2010, quando começávamos a ter acesso aos, então, recém-lançados iPhone e Android. Há quem visse ali naquele momento dispositivos inovadores, mas que não entregavam o mesmo nível de produtividade de um Blackberry ou que, muito dificilmente, teriam alcance massivo na população.
Porém, houve aqueles que enxergaram naqueles primeiros aparelhos e nos seus prematuros ecossistemas um novo paradigma de tecnologia, comportamento, consumo e cultura. Pouco mais de uma década depois é fácil enxergar quem desses dois grupos prosperou. Falando de Inteligência Artificial, o alcance de disrupção promete ser muito mais amplo e rápido, assim como os impactos nos negócios, para quem não estiver no batalhão de frente.