Liberdade reprodutiva e ativismo: qual é o papel das empresas?
Em meio à restrição do acesso ao aborto nos EUA, evento discute a luta por direitos e acesso a saúde para mulheres
Em meio à restrição do acesso ao aborto nos EUA, evento discute a luta por direitos e acesso a saúde para mulheres
Taís Farias
9 de março de 2025 - 20h55
Korry Marchisotto, CMO da E.L.F Beauty entrevista Amanda Nduyen no SXSW 2025 (Crédito: Taís Farias)
Desde o fim de 2024, uma série de companhias, como Walmart, Harley-Davidson, Target e McDonald’s, anunciaram o fim ou uma remodelação dos seus programas de diversidade, equidade e inclusão. O movimento é lido como parte de uma onda conservadora que conta, inclusive, com o presidente norte-americano Donald Trump implementando ordens executivas para barrar programas de DE&I no governo e suas agências. Além disso, logo em seu primeiro mês de mandato, Trump restringiu o acesso ao aborto ao cortar verbas federais.
O South by Southwest (SXSW), em contrapartida, reuniu executivas e especialistas para debater a responsabilidade das companhias com os direitos e a liberdade reprodutiva das suas colaboradoras. Em 2022, uma decisão da Suprema Corte do EUA reverteu o precedente estabelecido por Roe vs. Wade (1973), que garantia o direito constitucional ao aborto em nível federal.
Assim, cada estado ganhou autonomia para criar suas próprias leis sobre o aborto. O Texas, estado onde acontece o evento, tem uma das legislações mais restritivas sobre aborto nos Estados Unidos. Nela, a única exceção permitida é quando a vida da mãe está em risco devido a uma emergência média. A pena para médicos que realizam abortos pode chegar a 99 anos de prisão.
“Para mim, pareceria errado não reconhecer que pelo menos três mulheres morreram aqui no Texas porque lhes foi negado o acesso a cuidados médicos de aborto necessários. Um novo estudo foi publicado recentemente mostrando que as taxas de sepse em mulheres grávidas aumentaram em mais de 50%. A mortalidade materna aqui no Texas, conforme avaliada pelos dados do CDC [Centros de Controle e Prevenção de Doenças], aos quais felizmente ainda temos acesso, aumentou em mais de 50%”, descreveu a vice-presidente da Fundação Clinton, Chelsea Clinton.
No que tange o ambiente corporativo, uma pesquisa do Institute for Women’s Policy Research com 10 mil norte-americanos apontou que 57% dos entrevistados que querem ter filhos buscam empregadores que ofereçam suporte para a saúde reprodutiva. Além disso, 56% dos adultos empregados acreditam que as companhias deveriam atuar ao lado dos legisladores para garantir direitos reprodutivos.
O Bumble, aplicativo de relacionamento que tem sede em Austin, no Texas, introduziu uma plataforma de benefícios para os funcionários que dá acesso a um fundo dedicado a jornada reprodutiva. Isso inclui congelamento de óvulos, fertilização in vitro ou viagens para realização de aborto em estados em que o procedimento é legal.
Segundo Elizabeth Monteleone, chief legal officer do Bumble, o programa teve um grande índice de aprovação entre os colaboradores. “Isso está se tornando uma questão para os funcionários, e eles esperam que nós cuidemos deles. Corremos o risco de perder a confiança, o engajamento e a lealdade dos funcionários se não estivermos atentos às suas necessidades, especialmente estando neste estado, com a sombra do Capitólio bem aqui”.
A CLO do Bumble continuou: “As empresas deveriam olhar internamente para o que estão fazendo e, então, começar a fortalecer essa confiança e dizer: não, isso não é tão controverso quanto pensamos. Pode parecer, você pode sentir um certo nervosismo ao falar sobre isso, mas o risco do silêncio agora será maior, dado o impacto direto que isso está tendo sobre os funcionários”.
Outra expressão da luta por direitos para as mulheres no evento foi a presença da autora, ativista, astronauta e fundadora da Rise, Amanda Nguyen. Filha de pais vietnamitas, Amanda estudava na Universidade de Harvard e estagiava na Nasa quando foi estuprada, em 2013. Durante o processo de denúncia do crime, ela constatou inconsistências nas leis norte-americanas de preservação de evidências.
Isso porque os kits de exames podem ser destruídos após seis meses, caso a vítima não solicite sua preservação repetidamente. Frente a essa experiência, ela ajudou a desenvolver a Lei dos Direitos dos Sobreviventes de Agressões Sexuais, aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos em 2026. Nguyen também levou o projeto para outros países, buscando aprovar projetos semelhantes.
O trabalho deu origem à Rise, organização que luta pelos direitos das vítimas de abuso sexual, e foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz em 2019. Neste ano, ela participará da missão NS-31, da Blue Origin, primeiro voo espacial com uma tripulação totalmente feminina. Durante a missão, ela desenvolverá um estudo sobre saúde feminina e menstruação e outra em parceria com o Centro Espacial Nacional Vietnamita.
“Nos estágios iniciais, a Nasa não escolheu mulheres para se tornarem astronautas, citando, entre outros fatores, a menstruação. No entanto, a Nasa não tinha dados para comprovar essa justificativa. Portanto, coletarei dados para revisar essa questão. E, embora eu vá analisar o conjunto de dados ao meu redor, sei que meu objetivo é exatamente esse. Essa é a minha maneira de usar a ciência como uma forma de justiça”, explicou a astronauta e ativista.
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