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De 7 a 15 de março de 2025 I Austin - EUA
SXSW

Marcelo D2: cocriação, tecnologia e a metáfora do arco e flecha

Pela primeira vez no SXSW, Marcelo D2 vai ao evento apresentar o novo samba tradicional, fazer networking e consumir conteúdo novo


4 de março de 2024 - 6h00

A convite do South by Southwest, Marcelo D2 vai pela primeira vez à Austin para apresentar seu “novo samba tradicional”, trocar conhecimento com artistas e executivos de diversas áreas e, quem sabe, fazer negócios no mercado de cannabis, no qual é empreendedor. O artista se apresenta no line-up do festival Music na terça, 12, no espaço Speakeasy, e na quarta, 13, no Radio Day Stage, localizado no Ballroom A do Convention Center.

Marcelo D2 (Crédito: Rodrigo Ladeira)

Para Marcelo D2, a música deve travar um diálogo com a tecnologia (Crédito: Rodrigo Ladeira)

Em seu último trabalho, o álbum IBORU, D2 começou a divulgar o conceito do que ele denomina “novo samba tradicional”. Nele, ele busca criar uma nova estética musical onde o rap encontra o samba. Esse é o trabalho que o músico irá apresentar no SXSW. A mistura e interferência de gêneros, estilos e ideias é também o que ele busca no festival.

“O projeto IBORU é baseado muito nessa coisa do novo e do tradicional. Acho que o South by Southwest tem muito isso: tem muita novidade, tecnologia e novos negócios. Quero muito trocar experiências e fazer esse networking: conhecer gente nova, mostrar um pouco do que eu estou fazendo aqui e ouvir o que estão fazendo em outros lugares, achar novos parceiros”, conta.

Para D2, é necessário olhar para o passado para pensar o futuro. “O novo e o tradicional, para mim, andam juntos. É isso que faz o contemporâneo”, divide. Ainda assim, o músico se descreve fascinado pelo universo da tecnologia e quer inserir a IA nos seus próximos projetos. “O artista tem que ser o retrato da sua época. É sobre isso que eu quero falar. É nesse lugar que eu quero botar o samba. Quero que o samba de 2024 esteja falando com inteligência artificial, com todas essas tecnologias”, afirma.

Parte dessa renovação vem da troca. Durante a pandemia, D2 compôs o disco solo “Assim Tocam os Meus Tambores” em conjunto com telespectadores em live. O valor dessa troca deu origem ao Centro de Pesquisa Avançada do Novo Samba Tradicional Onde o Coro Come – IBORU, um espaço cultural que visa reunir exposições, eventos e ensaios abertos, nos quais o público acaba interferindo e cocriando os projetos. “Eu venho da cultura hip hop. O hip hop é uma cultura de apropriação. Você vê um cara dançando e você dança igual, mas com algo diferente. O rap faz sample pra caramba. A minha ideia do novo samba tradicional é ser um samba urbano, com interferência de todo mundo metendo a mão”, afirma.

Marcelo D2 (Crédito: Rodrigo Ladeira)

Marcelo D2 (Crédito: Rodrigo Ladeira)

Ao Meio & Mensagem, Marcelo D2 compartilhou planos para o SXSW, opiniões sobre a interferência da tecnologia na música, planos para empreendimentos futuros e o atual momento de seu negócio no mercado de cannabis.

Meio & Mensagem – Você já conhecia o festival? Qual é a relevância do SXSW para um artista?
Marcelo D2 – Eu conheço o evento há muitos anos, desde o começo. Eu já queria há muito tempo estar lá. Esse momento é o momento certo. A ideia de participar de um evento como esse, de uma feita como essa e de tudo o que rola lá, é algo que há muito tempo quero fazer. Eu gosto muito das novidades, estar por dentro, participando das novidades, estar trocando com outras pessoas, não só músicos. O SXSW é um sonho. Faz muitos anos que quero ir e fazer algo lá. Veio na hora certa.

M&M – O que você prepara para sua ida a Austin, desde o show até conteúdos que vai acompanhar?
D2 – Lógico que eu estou louco para tocar lá, mas isso eu faço bastante em tudo quanto é lugar do mundo. O projeto IBORU é baseado muito nessa coisa do novo e do tradicional. Acho que o South by Southwest tem muito isso: tem muita novidade, tecnologia e novos negócios. A ideia de fazer um samba urbano contemporâneo passa por essa visão que tem lá. Estou feliz de tocar, mas quero muito trocar experiências e fazer esse networking: conhecer gente nova, mostrar um pouco do que eu estou fazendo aqui e ouvir o que estão fazendo em outros lugares, achar novos parceiros. Lá, eu vou aprender muito e minha expectativa é essa troca, de estar lá e encontrar o máximo de gente que está afim de fazer coisa nova, de abrir novos horizontes.

M&M – Embora o SXSW tenha sido fundado originalmente como um festival de música, hoje ele também é reconhecido pelas pré-estreias de cinema. Você dirigiu dois filmes e criou uma série. Quais são seus planos na área de produção audiovisual?
D2 – Eu até brinco que eu faço música agora para pagar meus filmes. Escrever, dirigir é uma onda. É o que tem mais me fascinado. Eu sempre fui um amante do cinema. Hoje, temos a facilidade de fazer um filme com celular. Tá tudo na nossa mão, é mais acessível do que era antigamente. Contar a história é o que eu faço da minha vida. Eu comecei a fazer rap porque eu queria contar história Fui contar história timbre de caixa e timbre de bumbo na música, com palavras, cinema. Agora, eu tenho a parte 2 do Iburu, que é a visão do Pixinguinha. A primeira parte foi sobre a visão da Clementina. Eu tenho uma ideia de longa-metragem. É o lugar que estou engatinhando ainda, mas tenho vontade de entrar nesse lugar. Em 2016, eu estava cansado da música e o audiovisual me fez retomar o amor pelo processo criativo e de poder fazer coisas novas. Isso acendeu uma chama e esse caminho não tem volta para mim.

M&M – Além disso, o SXSW é uma conferência sobre temas diversos, como tecnologia, influência, criatividade, sustentabilidade e outros. Quais são seus interesses?
D2 – Tudo. Tenho interesse em tecnologia, porque o novo samba tradicional passa pela tecnologia: a nova maneira de fazer samba e sambar. É um grande desafio meu e das marcas que estão comigo. Eu vi que a molecada quer samba e nem sabia que queria. Então, a tecnologia me fascina muito e o mercado de música também. Nós estamos engatinhando no lugar de distribuir música. Essa coisa da música estar na palma da mão ainda é uma coisa muito nova e tem muita coisa a se explorar. Um dia vamos falar que nossos antepassados usavam telefone e achamos engraçado. Mas eu quero fazer parte dessa mudança toda. Isso me fascina demais, além das próprias pessoas. Quero conhecer gente diferente. Acho interessante ser em Austin, porque Austin é uma cidade super musical, um lugar diferente. Vamos nos divertir muito lá.

M&M – Algumas das palestras sobre música discutem sobre os usos e monetização da IA na música, monetização dos streamings, a interlocução entre música e games, entre outros. Esses temas têm afetado a indústria musical brasileira? Como?
D2 – Sim, afeta bastante. Temos um certo desconhecimento aí. A falta de conhecimento e de troca geram um lugar muito desconfortável para os artistas. É importante que os artistas estejam a par de tudo isso, porque afeta nossa forma de monetizar. A inteligência artificial está aí e não tem como fugir. O artista sempre é o último a aproveitar de tudo isso. Quando a mudança do CD chega, a porcentagem é sempre menor. Quando o streaming vem, a porcentagem do músico é sempre menor. Temos que repartir e compartilhar o que vem por aí. Essas conversas são super importantes, porque é um caminho que está na nossa porta. Não é o futuro não, é o presente.

M&M – Você tem experimentado com IA, games e outras tecnologias nos seus processos criativos?
D2 – Uma coisa que aprendi fazendo cinema, enquanto diretor de filmes, é que não dá para fazer tudo. Não dá para eu parar agora e falar “agora eu vou meter as caras”. Eu tenho tentado me juntar a quem está fazendo isso, terceirizar esse processo. Eu queria muito fazer a segunda parte de IBORU todo com IA. Acho que nós datamos isso como uma linguagem, como Super 8 e 16mm. Tem uma frase da Nina Simone que eu amo em que ela fala que o artista tem que ser o retrato da sua época. É sobre isso que eu quero falar. É nesse lugar que eu quero botar o samba. Quero que o samba de 2024 esteja aí, falando com inteligência artificial, com todas essas tecnologias.

M&M – Quais são os benefícios e malefícios que você enxerga nesse diálogo entre IA e música?
D2 – Talvez seja nós, os seres humanos. Pode ser remédio ou pode ser veneno dependendo da forma que você usa. Tá na mão do ser humano. A gente pode fazer um baita de um bem pra sociedade ou mal usando deep fake. Toda essa tecnologia tá na nossa mão e depende muito da gente.

M&M – Quais movimentos você observa de interessantes nesse universo de união entre marcas e música? O que músicos podem agregar para as marcas e vice e versa?
D2 – Temos visto essas colaborações acontecer um pouco mais, principalmente no mundo da moda. O Pharrell Williams e o Tyler estão fazendo coisas com a Louis Vuitton. A criatividade e os artistas desse começo de século tem a visão de que arte é muito mais do que música. Quando nos juntamos a uma marca, trazemos esse processo criativo. O melhor que a marca pode usar é minha criatividade, mais do que meus seguidores, meu nome, meus números. Faço isso há 30 anos. Há 30 anos eu trabalho criando coisas. Além de ter esse momento de agora, tenho bagagem de Brasil, do hip hop, de rua, de samba, do Rio de Janeiro. Muito mais do que só números, trazer impacto cultural.

M&M – Você inaugurou um Centro de Pesquisa que vai abrigar uma série de eventos culturais. Por que é importante ter um espaço físico para discutir o que você denomina de “novo samba tradicional”?
D2 – Eu tive uma experiência no disco “Assim Tocam os Meus Tambores”, em que eu fiz todo o processo criativo aberto em casa via live. Eu achei interessante e a ideia de levar isso para um lugar físico. Temos um lugar no centro do Rio de Janeiro que foi ficando um pouco abandonado e o samba nasceu ali no que chamamos de Pequena África. Aquele lugar tem muita história. Eu queria estar ali. O encontro cara a cara ainda me fascina muito. É diferente ver um cara criando no vídeo e um cara criando na sua frente. Lá é um espaço para isso. Um espaço sobre tempo e sobre compartilhamento. Tô preparando o show que vamos apresentar no Lollapalooza e todos podem ir e ver o novo show, sentar e ficar olhando nós criando esse novo samba tradicional. Não tem maneira mais legal ainda. O celular e a internet ainda não substituem isso. O corpo a corpo tem uma coisa magnética. É muito diferente eu fazer uma música em casa e com 200 pessoas no estúdio. Tem interferência no processo. Me fascinou demais sair do local solitário da criação. Com pessoas assistindo, você fica inibido, mas também muda a atmosfera e o processo. Isso é legal, faz parte desse processo essa cocriação. O Gilberto Gil, quando foi Ministro da Cultura, falou muito sobre isso de trocar o “todos os direitos reservados”. Eu venho da cultura hip hop. O hip hop é uma cultura de apropriação. Você vê um cara dançando e você dança igual, mas com algo diferente. O rap faz sample pra caramba. A minha ideia do novo samba tradicional é ser um samba urbano, com interferência de todo mundo metendo a mão.

M&M – Você é empreendedor no mercado de cannabis e o SXSW também é um evento que discute bastante esse mercado. O que busca de insights desse setor? Existe a possibilidade de você ir à negócios?
D2 – Eu tomei um baque nesse mercado. É um mercado muito difícil no Brasil, porque tem muita coisa envolta. Existe o racismo estrutural, que as pessoas não querem desestruturar. Temos esse inimigo que são as drogas, que é uma forma de te manipular, assim como a religião, o fantasma do comunismo, o fantasma do diabo, o fantasma das drogas. O Brasil ainda é a vanguarda do atraso. Fomos o último país na América Latina a acabar com a escravidão, implementar ensino público. Está obvio que vamos ser o último país a legalizar a maconha, porque envolta da gente todos legalizaram. É um mercado muito promissor e relevante nos Estados Unidos e na Europa, financeiramente falando. Também me fascina a história em volta da erva. Comprovamos que não só não faz mal, mas também faz muito bem. É uma planta que vai mudar a indústria têxtil, a farmacêutica e do entretenimento. Vou tentar fazer algo lá. Vou ter poucos dias lá e minha agenda está meio apertada, mas vou tentar caminhar por esses lugares todos.

M&M – Quais são seus outros planos para o futuro? Em que áreas você pensa em se aventurar?
D2 – Me fascina demais esse universo criativo. Cada vez mais, vemos que não precisamos viver dentro de uma caixa, como ser músico. O universo da moda me encanta muito. O Pedro Andrade, da Piet, é um parceiro designer que já trabalhou com Nike, Adidas e Ryder. Fizemos uma coleção de “Amar É Para Os Fortes” com a C&A. Para mim, é o cara mais promissor do mercado de moda e de design. É uma parceria forte. Tem muito lugar que eu quero me aventurar, como da tecnologia no samba, de buscar instrumentos e maneiras de tocar com mais alquimia com o eletrônico. Tem algumas conversas com marcas, com empresas de equipamentos de samba e de rap. Tem o Planet Hemp, que é uma marca forte e a todo vapor. Estamos preparando um disco ao vivo.

M&M – É necessário olhar para o passado para pensar o futuro?
D2 – Para mim, isso faz sentido. Minha passagem aqui na Terra e meu processo criativo é como um arco e flecha. Tem que puxar lá atrás para atingir lá na frente. Vários pensadores hoje em dia falam sobre isso, como Krenak, Luiz Antonio Simas, Nina da Hora. Esses três têm me alimentado muito com essa coisa. Não construímos o futuro esquecendo o passado. Temos que olhar para trás. Por isso que eu estou nesse novo samba tradicional, porque o novo e o tradicional, para mim, andam juntos. É isso que faz o contemporâneo.

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