É o fim dos bilionários como os conhecemos. E Douglas Rushkoff sente-se bem
Novo lar dos super ricos, Austin recebe o ícone anticapitalista em dia especialmente inspirado, após a quebra do Silicon Valley Bank
Novo lar dos super ricos, Austin recebe o ícone anticapitalista em dia especialmente inspirado, após a quebra do Silicon Valley Bank
Jonas Furtado
13 de março de 2023 - 9h15
Douglas Rushkoff subiu ao palco do salão H do Hilton Hotel com o passo apertado e um sorriso maroto. E logo no primeiro minuto mencionou a quebra do Silicon Valley Bank, deflagrada na sexta-feira 10, dia anterior à sua apresentação no SXSW. “Faz tempo que não vinha a Austin, desde a última quebra das empresas da internet (em 2000)”, registrou, fazendo uma referência à similaridade entre as ocasiões.
Há uma grande diferença da Austin de duas décadas atrás. A cidade tem hoje o maior índice de crescimento de milionários nos Estados Unidos – o número de pessoas dentro desta classificação dobrou nos últimos dez anos, de acordo com o Wealth Report 2023.
Reconhecido por defender a valorização do trabalho e estudar as relações humanas frente ao avanço do capitalismo selvagem e do digital como meio de controle e fonte de desigualdade, o autor de Team Human manteve uma tradição singular do evento: ser um palco independente para debater grandes questões da indústria da tecnologia – ainda que parte significativa do público do evento (e até o próprio SXSW), de alguma maneira, também se beneficiem dessa engrenagem, em algum momento ao longo da cadeia.
O índice de criticismo aplicado por Rushkoff foi tamanho que aplacou parte da frustração daqueles que sentiram falta na programação deste ano do cyberpunk Bruce Sterling e sua tradicional sátira autocrítica ao festival, tão sarcástica quanto necessária em ambientes propícios ao deslumbramento.
Ao fazer piada sobre o fato de ser contratado para apresentações em reuniões de ricos investidores e empresários, o protagonista abusou do cinismo. “Não me convidam como um deles, obviamente, mas como fonte de entretenimento. Sou uma versão intelectual da dominatrix para esses ricos, que convidam um anarco-marxista para destratá-los, chamando-os de ‘capitalistas do mal’, comparou.
Confira abaixo alguns dos principais trechos da palestra.
“Há pouco tempo, fui convidado para falar em um evento para gente abastada. Acontece que era uma reunião para apenas cinco pessoas, quatro bilionários e um quase bilionário. Achei que seria para falar sobre a economia digital, mas logo começaram a fazer aquelas perguntas binárias, que não se fazem a alguém como eu. Perguntavam em que deveriam fazer suas apostas, coisas como ‘bitcoin ou ethereum?’, “realidade virtual ou realidade aumentada?”. Até que perguntaram: “Alasca ou Nova Zelândia”, querendo saber onde deveriam construir seus bunkers, para se refugiarem, caso aconteça uma catástrofe climática ou uma revolução que acabe com o mundo. Minha resposta foi: e o que será do resto de nós?”
“Não acredito que os bilionários estão construindo seus bunkers, ao menos fantasiando com isso, porque temem que algo ruim realmente aconteça. Isso é somente uma desculpa para investirem nessa fantasia maluca e bizarra de uma vida isolada, apartados e acima de todo o resto. (…) O apocalipse é somente um pretexto. Porque esses caras querem ser meta sobre a realidade, esse é o trabalho deles. O bunker é a estratégia perfeita: você não deixa somente a sua empresa, você se livra das pessoas, de tudo.”
“Digital é um sistema simbólico, não é algo real. O que é o MP3? É um monte de números e códigos que quanto acionados podem imitar o som da música. É mais uma metáfora para música do que música. Um MP 3 estimula o seu ouvido, soa como música. Mas não é. Levante seus braços para o som do baixo saindo do amplificador, em um show ao vivo, para sentir: música é o que move todo o ar ao redor, de encontro ao seu corpo. É outra coisa.”
“Digital e finanças foram feitas uma para a outra. Se duas pessoas negociam, isso é uma transação. Finanças é quando uma terceira pessoa vê essa negociação e arruma uma maneira de lucrar em cima. São as ações e a dinâmica dos derivativos. E o digital ama essas abstrações. O digital tem vida própria e permite que sejam projetados uma série de derivativos acima da economia real. Por conta de o comércio de derivativos ser tão amplificado na economia digital, em 2013, a Bolsa de Valores de Nova York, que por si só já é uma abstração do mercado real, foi comprada pela bolsa de derivativos. A abstração foi absorvida por sua própria abstração. É isso acontece com o digital: a economia está cada vez mais acima da terra firme, da realidade, das pessoas”.
“Os ricos precisam se separar dos humanos. Na era digital, você sabe que tem um plano de negócios bem-sucedido quando não precisa de pessoas trabalhando e a entrega pode ser escalada por algoritmos. Nós invertemos a polaridade da tecnologia. Era para ser um modo de empoderamento do ser humano, que usaria a tecnologia para construir coisas impensáveis e maravilhosas. Mas quem está apostando dinheiro no digital não quer imprevisibilidade. Quer que tudo seja previsível e que sua aposta seja certeira. E passamos, então, a usar a tecnologia nas pessoas, para torná-las mais previsíveis, para controlá-las. Humanos agora são o problema, a tecnologia é a solução.”
“(Os bilionários) tentaram nos controlar usando as mídias sociais. Estudaram a dinâmica das máquinas de jogos de Las Vegas e inseriram em seus algoritmos. E o que farão agora? Nos substituirão. É para isso que serve a Inteligência Artificial. A mídia social eram os missionários, que convertiam religiosamente os povos originários, mas também estudavam seus comportamentos e o território. Depois vinham os conquistadores, de posse de toda essa inteligência, e conquistavam a nova terra com muito mais facilidade. A inteligência artificial são os conquistadores, que sabem como ninguém usar toda a informação que fornecemos às redes sociais.”
“Como podemos sair desse mindset de pânico dos bilionários, que acredito que finamente está morrendo de modo apropriado? É preciso criar condições para que os seres humanos façam o que estão a fim de fazer. Desenvolvi, então, quatro intervenções para essa transformação:
1 – Desnaturalizar o poder, para que as pessoas parem de aceitar como condições naturais certas construções sociais, leis que forem feitas por pessoas em determinado momento para promover certas agendas e proteger o poder.
2 – Despertar o agente, para fazer as pessoas perceberem que estão no controle, que podemos programar a realidade de acordo com as nossas próprias especificações.
3– Ressocializar as pessoas, para estimulá-las a voltarem a ser agentes (do próprio destino). E isso significa ir contra toda a religião do Vale do Silício e a banalização de Darwin, Adam Smith e todos os outros. Darwin só fala da sobrevivência do mais adaptado em um único parágrafo, leiam “A Origem das Espécies”. Por páginas e mais páginas Darwin se mostra maravilhado em como as espécies colaboram e cooperam em ordem para garantir a sobrevivência mútua. Essa é a dança da natureza.
4 – Cultivar os momentos de admiração e respeito, para substituir a descarga de dopamina provocada pelo barato da tecnologia pela ocitocina deflagrada pela experiência de socialização, de se conectar com quem está ao seu redor.”
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