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De 7 a 15 de março de 2025 I Austin - EUA
SXSW

É o fim dos bilionários como os conhecemos. E Douglas Rushkoff sente-se bem

Novo lar dos super ricos, Austin recebe o ícone anticapitalista em dia especialmente inspirado, após a quebra do Silicon Valley Bank


13 de março de 2023 - 9h15

douglas rushkoff no SXSW 2023

Rushkoff: “Sou uma versão intelectual da dominatrix para esses ricos”

Douglas Rushkoff subiu ao palco do salão H do Hilton Hotel com o passo apertado e um sorriso maroto. E logo no primeiro minuto mencionou a quebra do Silicon Valley Bank, deflagrada na sexta-feira 10, dia anterior à sua apresentação no SXSW. “Faz tempo que não vinha a Austin, desde a última quebra das empresas da internet (em 2000)”, registrou, fazendo uma referência à similaridade entre as ocasiões.

Há uma grande diferença da Austin de duas décadas atrás. A cidade tem hoje o maior índice de crescimento de milionários nos Estados Unidos – o número de pessoas dentro desta classificação dobrou nos últimos dez anos, de acordo com o Wealth Report 2023.

Reconhecido por defender a valorização do trabalho e estudar as relações humanas frente ao avanço do capitalismo selvagem e do digital como meio de controle e fonte de desigualdade, o autor de Team Human manteve uma tradição singular do evento: ser um palco independente para debater grandes questões da indústria da tecnologia – ainda que parte significativa do público do evento (e até o próprio SXSW), de alguma maneira, também se beneficiem dessa engrenagem, em algum momento ao longo da cadeia.

O índice de criticismo aplicado por Rushkoff foi tamanho que aplacou parte da frustração daqueles que sentiram falta na programação deste ano do cyberpunk Bruce Sterling e sua tradicional sátira autocrítica ao festival, tão sarcástica quanto necessária em ambientes propícios ao deslumbramento.

Ao fazer piada sobre o fato de ser contratado para apresentações em reuniões de ricos investidores e empresários, o protagonista abusou do cinismo. “Não me convidam como um deles, obviamente, mas como fonte de entretenimento. Sou uma versão intelectual da dominatrix para esses ricos, que convidam um anarco-marxista para destratá-los, chamando-os de ‘capitalistas do mal’, comparou.

Confira abaixo alguns dos principais trechos da palestra.

O mindset dos bilionários

“Há pouco tempo, fui convidado para falar em um evento para gente abastada. Acontece que era uma reunião para apenas cinco pessoas, quatro bilionários e um quase bilionário. Achei que seria para falar sobre a economia digital, mas logo começaram a fazer aquelas perguntas binárias, que não se fazem a alguém como eu. Perguntavam em que deveriam fazer suas apostas, coisas como ‘bitcoin ou ethereum?’, “realidade virtual ou realidade aumentada?”. Até que perguntaram: “Alasca ou Nova Zelândia”, querendo saber onde deveriam construir seus bunkers, para se refugiarem, caso aconteça uma catástrofe climática ou uma revolução que acabe com o mundo. Minha resposta foi: e o que será do resto de nós?”

A fantasia dos bunkers

“Não acredito que os bilionários estão construindo seus bunkers, ao menos fantasiando com isso, porque temem que algo ruim realmente aconteça. Isso é somente uma desculpa para investirem nessa fantasia maluca e bizarra de uma vida isolada, apartados e acima de todo o resto. (…) O apocalipse é somente um pretexto. Porque esses caras querem ser meta sobre a realidade, esse é o trabalho deles. O bunker é a estratégia perfeita: você não deixa somente a sua empresa, você se livra das pessoas, de tudo.”

Sensações reais vs. metáforas digitais

“Digital é um sistema simbólico, não é algo real. O que é o MP3? É um monte de números e códigos que quanto acionados podem imitar o som da música. É mais uma metáfora para música do que música. Um MP 3 estimula o seu ouvido, soa como música. Mas não é. Levante seus braços para o som do baixo saindo do amplificador, em um show ao vivo, para sentir: música é o que move todo o ar ao redor, de encontro ao seu corpo. É outra coisa.”

Um caso de amor

“Digital e finanças foram feitas uma para a outra. Se duas pessoas negociam, isso é uma transação. Finanças é quando uma terceira pessoa vê essa negociação e arruma uma maneira de lucrar em cima. São as ações e a dinâmica dos derivativos. E o digital ama essas abstrações. O digital tem vida própria e permite que sejam projetados uma série de derivativos acima da economia real. Por conta de o comércio de derivativos ser tão amplificado na economia digital, em 2013, a Bolsa de Valores de Nova York, que por si só já é uma abstração do mercado real, foi comprada pela bolsa de derivativos. A abstração foi absorvida por sua própria abstração. É isso acontece com o digital: a economia está cada vez mais acima da terra firme, da realidade, das pessoas”.

A previsibilidade como negócio

“Os ricos precisam se separar dos humanos. Na era digital, você sabe que tem um plano de negócios bem-sucedido quando não precisa de pessoas trabalhando e a entrega pode ser escalada por algoritmos. Nós invertemos a polaridade da tecnologia. Era para ser um modo de empoderamento do ser humano, que usaria a tecnologia para construir coisas impensáveis e maravilhosas. Mas quem está apostando dinheiro no digital não quer imprevisibilidade. Quer que tudo seja previsível e que sua aposta seja certeira. E passamos, então, a usar a tecnologia nas pessoas, para torná-las mais previsíveis, para controlá-las. Humanos agora são o problema, a tecnologia é a solução.”

Inteligência Artificial

“(Os bilionários) tentaram nos controlar usando as mídias sociais. Estudaram a dinâmica das máquinas de jogos de Las Vegas e inseriram em seus algoritmos. E o que farão agora? Nos substituirão. É para isso que serve a Inteligência Artificial. A mídia social eram os missionários, que convertiam religiosamente os povos originários, mas também estudavam seus comportamentos e o território. Depois vinham os conquistadores, de posse de toda essa inteligência, e conquistavam a nova terra com muito mais facilidade. A inteligência artificial são os conquistadores, que sabem como ninguém usar toda a informação que fornecemos às redes sociais.”

Como retomar a naturalidade humana

“Como podemos sair desse mindset de pânico dos bilionários, que acredito que finamente está morrendo de modo apropriado? É preciso criar condições para que os seres humanos façam o que estão a fim de fazer. Desenvolvi, então, quatro intervenções para essa transformação:

1 – Desnaturalizar o poder, para que as pessoas parem de aceitar como condições naturais certas construções sociais, leis que forem feitas por pessoas em determinado momento para promover certas agendas e proteger o poder.

2 – Despertar o agente, para fazer as pessoas perceberem que estão no controle, que podemos programar a realidade de acordo com as nossas próprias especificações.

3– Ressocializar as pessoas, para estimulá-las a voltarem a ser agentes (do próprio destino). E isso significa ir contra toda a religião do Vale do Silício e a banalização de Darwin, Adam Smith e todos os outros. Darwin só fala da sobrevivência do mais adaptado em um único parágrafo, leiam “A Origem das Espécies”. Por páginas e mais páginas Darwin se mostra maravilhado em como as espécies colaboram e cooperam em ordem para garantir a sobrevivência mútua. Essa é a dança da natureza.

4 – Cultivar os momentos de admiração e respeito, para substituir a descarga de dopamina provocada pelo barato da tecnologia pela ocitocina deflagrada pela experiência de socialização, de se conectar com quem está ao seu redor.”

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