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De 7 a 15 de março de 2025 I Austin - EUA
SXSW

O futuro não é mais como era daqui pra frente

SXSW revelou um sentimento esquisito de estarmos em meio a uma era de um futuro imediato e iminente


19 de março de 2025 - 13h22

Preciso confessar uma coisa pra vocês: este ano eu saí da apresentação da Amy Webb com uma sensação esquisita. E esse sentimento foi se intensificando ao longo dos dias de Southby e demais palestras que fui consumindo. Eu vim ao longo do festival escrevendo esse texto pra colocar um pouco disso pra fora numa busca – tomara bem-sucedida – por conseguir digerir e articular um pouco desse sentimento aqui com vocês.

Todos sabemos como o Southby é um festival com uma quantidade enorme de temas que acontecem em suas mais de 450 sessões espalhadas por uma infinidade de salas e espaços. Mas existe um tema em especial que faz com que o SX vibre com mais intensidade sua essência mais profunda: o futuro.

Acontece que, neste ano em particular, conforme eu fui consumindo as muitas e muitas falas e perspectivas sobre o futuro, algo bateu diferente. E eu me peguei pensando em como a nossa relação com “o que está por vir” vem mudando nos últimos tempos.

Diferente do futuro que muitas vezes vimos pelos palcos do SX do passado, para aquele que olhávamos somente com empolgação e otimismo. Um futuro que se buscava, que se queria acelerar, que a gente queria que chegasse logo. Mas existem tempos em que o futuro se impõe em um cenário difuso e incerto. E, assim como o outro, este futuro também não se adia, não oferece refugo seguro, nem válvula de escape. De um futuro que a gente anseiava, estamos hoje diante um futuro que nos anseia.

Penso que houve um tempo em que não se faziam muitas previsões sobre o futuro. As pessoas viviam o momento – e esse monento não mudava num i ntervalo de gerações e mais gerações, imagine em meses ou anos. Por que diabos alguém se preocuparia com isso?

Depois, mais a frente, imagino que houve um outro tempo em que as “Amy Webbs” do século 18 faziam uma previsão que demorava um bom tempo para se confirmar e acontecer. E essas pessoas seguiam fazendo projeções por mais tempo do que elas levavam para serem confirmadas e acontecerem de fato. A janela de tempo entre a previsão e a confirmação era gigante.

Hoje, essa janela de tempo é um olho mágico: pequena e turva.

O futuro, antes distante, acontece de forma cada vez mais imediata, inadiável, imposta. Um futuro gasoso, que se confunde com o presente, pois não se espera mais por ele. Ele simplesmente vai chegando o tempo todo como um gás que nos cerca e nos entorpece os sentidos. As tendências e previsões que se confirmam em sequência quase não dão mais espaço pra que se façam novas previsões. O futuro imediato e iminente atropela a tudo e a todos, inclusive o próprio futurismo em si.

Vi uma pessoa comentando no vídeo da palestra da Amy Webb no Youtube – que você pode assistir legendada em português – que um report com 700 tendências não seriam mais tendências e sim tudo que está acontecendo. Num primeiro momento eu achei engraçada e ri desse comentário. Mas depois pensei que sim, é muita tendência. E isso provavelmente acontece porque tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. E também porque só aumenta a quantidade de informação e de novas ferramentas que aceleram e escalam esse exercício de interpretação dos dados que geram os sinais de uma tendência. O que faz com que tenhamos essa sensação de que temos mais tendências de futuro do que presente pra viver.

Tudo isso talvez faça com que:

  1. Nossa ansiedade em relação ao futuro aumente mais e mais, porque diferente de antigamente, a gente tem muito mais certeza de que vai acontecer – e vai ser logo – ou já estão acontecendo em ritmo acelerado.
  2. Nossa frustração por perceber que alguns futuros que preconizamos antes não aconteceram da forma tão romântica como imaginamos. E os principais agentes desse futuro de antigamente, de quando a internet surgiu, por exemplo, não são exatamente os representantes que imaginávamos. Que trabalhariam por uma plataforma aberta, democrática, distribuída, liderando um movimento de acesso à informação, cultura, conhecimento.

Quando ela surgiu, a internet, isso era o que as Amy Webbs da época preconizavam. Surgia ali um sonho de distribuição equânime do poder de voz, cujo instrumentos estavam antes restritos nas mãos de poucos oligarcas e que “agora” passariam a ser distribuídos gratuitamente e livremente para todos e todas.

Agora, soma-se a esse misto de ansiedade-frustração o superciclo tecnológico preconizado pela Amy Webb que eclode da convergência entre inteligência artificial generativa, avanços biotecnológicos e uma rede de nano sensores. Já não conseguimos olhar pra isso tudo com a mesma inocência romântica que olhamos para a internet quando ela surgiu. A preocupação e o medo são muito maiores do que a esperança e a confiança de que essa nova revolução vai trazer só resultados positivos para a humanidade. E daí começamos a entender um pouco desse gosto amargo que o futuro nos trouxe no Southby desse ano.

E essa ansiedade em relação ao futuro imediato e iminente só vai aumentar. Vi inclusive que não estou sozinho nessa sensação esquisita que o festival desse ano causou. Ouvi e li muitos relatos na mesma direção. O mestre das palavras Pacete escreveu no Linkedin que essa edição não lhe fez bem – e que ele iria correndo cuidar da sua saúde mental. Pacete afirmou que saiu do festival desse ano bastante pessimista com o ser humano – e morrendo de saudade dos seus cachorros. A Camila de Lira, outra relatora do nosso tempo que admiro muito, encerrou seu texto, também no Linkedin, se perguntando “como se procura um norte num mundo em que a bússola quebrou?” E “como achar o futuro nos escombros do presente”.

Agora estou eu aqui no meu voo da volta de Austin pensando e escrevendo sobre tudo isso aqui com vocês. Quando vejo passar por mim uma filha indo ao encontro do pai que retorna do banheiro. Ele é bem velhinho e precisa do auxílio toda vez que vai ao banheiro. Ela então chega próximo a ele, segura firme em seus braços e eu consigo escutar quase um sussurro que ela emite olhando bem dentro dos seus olhos “I’ve got you”. E penso então que talvez seja algo assim que a gente desejava, alguém que pudesse nos segurar firme em meio a esse futuro imediado e iminente, olhasse bem dentro dos nossos olhos, e nos dissesse “I’ve got you”.

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