O lado B dos avanços tecnológicos — e a importância de falarmos sobre isso
Tecnologia traz um campo de possibilidades imensas, mas também apresenta dilemas éticos, desafios regulatórios e impactos sociais
Tecnologia traz um campo de possibilidades imensas, mas também apresenta dilemas éticos, desafios regulatórios e impactos sociais
19 de março de 2025 - 12h29
O SXSW é aquele tipo de evento durante o qual você sente diferentes emoções ao mesmo tempo. Tem sessões em que nossos olhos brilham diante do potencial que se apresenta no horizonte, como na conversa em que a futurista Amy Webb teve com Andrew Adams, Co-Diretor do Lilly Institute for Genetic Medicine na Eli Lilly and Company. Na ocasião, os dois debateram o avanço da medicina preditiva baseada em IA e a promessa de um mundo onde doenças possam ser prevenidas antes mesmo de se manifestarem.
Não tem como não ficar maravilhada com isso ou com o painel da empresa Colossal Biosciences, que mostrou como a edição genética, clonagem e biotecnologia avançada podem trazer espécies extintas de volta à vida e, mais ainda, preservar a biodiversidade global e estender a expectativa humana.
A tecnologia sempre foi e continua sendo assim: um campo de possibilidades imensas, mas também de dilemas éticos, desafios regulatórios e impactos sociais que nem sempre conseguimos prever por completo.
Medicina preditiva baseada em IA
No que diz respeito ao avanço da medicina preditiva baseada em inteligência artificial, por exemplo, há uma preocupação grande — ou, pelo menos, deveria existir — com a regulação dessas tecnologias. Como fica a questão da privacidade dos dados de saúde nesse contexto? Quais os riscos de um sistema que pode prever doenças, mas também potencialmente discriminar pacientes com base em probabilidades genéticas? Como evitar que essas informações sejam usadas por seguradoras e empregadores de maneira injusta? E mais: até que ponto estamos confortáveis em delegar decisões médicas críticas a algoritmos que, por mais avançados que sejam, ainda carregam vieses e margens de erro?
Engenharia genética
Da mesma forma, no caso da engenharia genética da Colossal Biosciences, podemos levantar questões sobre o potencial de manipulação genética e suas implicações éticas, uma vez que o potencial dessa tecnologia não se limita à reverter a extinção de espécies, mas pode ser usada para modificar organismos vivos de maneiras imprevisíveis, com impactos ecológicos e biológicos que ainda não compreendemos totalmente. Além disso, há um risco real de que avanços nessa área levem à criação de organismos geneticamente modificados para fins comerciais, sem uma regulação adequada para evitar consequências indesejadas, como desequilíbrios nos ecossistemas ou efeitos inesperados na biodiversidade.
Faço todo esse preâmbulo porque entendo que debater com seriedade os avanços tecnológicos requer senso crítico e a capacidade de lidar com esse “sentimento dividido”. Uma visão maniqueísta acerca da inovação é não apenas reducionista, mas também contraproducente. O progresso tecnológico não acontece no vácuo; ele está inserido em um contexto de desigualdade social, disputas geopolíticas e interesses econômicos que moldam seu impacto na sociedade. Um exemplo disso é que a Eli Lili tem sido sistematicamente processada nos Estados Unidos por praticar sobrepreço ilegal em seus produtos para diabetes.
A tendência do “brain drain”
No SXSW 2025, esse ponto ficou evidente em diversas discussões, especialmente quando se falou sobre inteligência artificial e a fuga de talentos na área tecnológica — o chamado “brain drain”. Se essa tendência persistir, é possível que alguns países menos democráticos comecem a impor restrições à livre circulação de seus profissionais altamente qualificados para preservar sua competitividade na economia digital. E a consequência disso pode ser um aumento das desigualdades tecnológicas entre países, reforçando um ciclo no qual as nações que já concentram maior desenvolvimento e infraestrutura digital continuam na vanguarda da inovação, enquanto outras enfrentam dificuldades crescentes para acompanhar essa evolução.
No Brasil, por exemplo, já se observam esforços para reverter esse quadro, com iniciativas voltadas à repatriação de cientistas e ao fortalecimento da pesquisa em universidades públicas. No entanto, sem um investimento consistente em capacitação técnica e infraestrutura digital, corremos o risco de ver talentos locais migrarem para centros de excelência no exterior, deixando o país cada vez mais dependente de tecnologias e soluções desenvolvidas fora de sua realidade sociopolítica.
Fraudes de identidade durante crises climáticas
Um tema que se conecta diretamente à privacidade e à resiliência digital é o conteúdo que apresentei no SXSW deste ano: a disrupção dos serviços de comunicação durante desastres climáticos e seus impactos na segurança das pessoas. Eventos extremos, como enchentes e incêndios, não apenas colocam vidas em risco, mas também criam brechas para fraudes e crimes digitais. Não é à toa que a quantidade de fraudes baseadas no roubo de identidade digital aumenta vertiginosamente durante desastres climáticos. Quando dados sensíveis não são protegidos adequadamente, a vulnerabilidade dos indivíduos aumenta exponencialmente. A proteção de dados através é uma estratégia preventiva de fraudes, e precisa ser executada a longo prazo.
Dessa forma, a proteção de dados deve ser parte essencial de qualquer estratégia de resiliência digital. Empresas e governos precisam se preparar não apenas para manter infraestruturas críticas funcionando, mas também para garantir que a privacidade das pessoas não seja comprometida em momento algum. Identidade digital é parte da infraestrutura pública digital e deve ser considerada uma infraestrutura crítica, com redundância e resiliência em sua arquitetura desde a concepção.
Portanto, a crescente complexidade que vivemos no que tange à inovação exige não apenas regulação, mas um debate público bem informado, capaz de equilibrar oportunidades e riscos. E, a partir disso, elaborar estratégias preventivas.
O SXSW 2025 reforçou que transformação, por mais fascinante e transformadora que seja, não necessariamente é inovação, porque não pode ser dissociada de seus impactos sociais, políticos e éticos. Precisamos olhar para o futuro com entusiasmo, mas também com responsabilidade, assegurando que os avanços tecnológicos sejam acompanhados de regulamentação, transparência e inclusão. A resiliência digital, a proteção de dados e a qualificação profissional são apenas algumas das frentes que exigem atenção imediata para garantir que a tecnologia sirva a todos, e não apenas a um grupo seleto de indivíduos ou empresas.
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