O poder das comunidades e as novas redes emergentes
A teoria de Jack Conte é que vivemos a era da “Morte do Seguidor”, como sugeria o título do seu keynote
A teoria de Jack Conte é que vivemos a era da “Morte do Seguidor”, como sugeria o título do seu keynote
20 de março de 2024 - 17h14
Você pode até não gostar, mas precisa respeitar alguém que sobe ao palco do SXSW com uma pochete à tiracolo. Porque a presença de uma peça como essa, nesse contexto, é muito mais do que uma questão de estilo (que eu gosto, aliás). É uma questão de simbologia, de construir significado. E no caso de Jack Conte, ele só tinha uma pochete e um sonho: fazer com que a história da criação de conteúdo e entretenimento na internet voltasse a ser contada por propósito, criatividade e ativismo; e menos por fórmulas e algoritmos.
Jack é o CEO do Patreon, uma plataforma de financiamento coletivo que oferece ferramentas para criadores gerenciarem serviços de assinatura de conteúdo, assim como construírem suas comunidades. Mas ele subiu ao palco pra encerrar a Conferência do SouthBySouthwest também como o creator que ainda habita ali. E foi nessa confluência do criativo pulsante e do executivo transgressor que emergiu uma das palestras mais inquietantes do evento. Uma chama de espírito livre, contracultura e transgressão. Uma ode à internet “raiz” versus a algoritmização das plataformas. Um desfecho arrebatador da Conferência do SXSW depois uma semana intensa monopolizada pela pauta dominante: inteligência artificial. Em meio ao futuro distópico que estamos, inevitavelmente, construindo (”lute pelo seu futuro”, como disse Amy Webb) sob a égide da AI, a fala de Jack Conte nos faz lembrar da utopia que estamos nos perdendo.
A teoria de Jack Conte é que vivemos a era da “Morte do Seguidor”, como sugeria o título do seu keynote. Ele basicamente remonta ao começo da internet, do que ele chama de web 1.0 (”internet de se ler”), passando pela web 2.0 (”internet de participar/interagir”), chegando à web 3.0 (“internet de se criar”), que é onde a própria história dele muda radicalmente, saindo do ostracismo dos bares vazios onde ele cantava pra ninguém pra uma comunidade fiel que passou a conhecê-lo através do Youtube. E tudo, segundo ele, graças a um botão: SUBSCRIBE (ou “inscrever-se”). E aqui tem uma camada filosófica – e etimológica mesmo – sobre essa expressão que ficou completamente gasta, e que ele fez questão de pontuar, que é a própria ideia de seguir alguém. Você segue seus sonhos, aquilo que você acredita, aquele que te move. Seguir algo ou alguém tem uma camada até meio messiânica, de devoção, de propósito. E você aí, segue o que? Para o creator – não o CEO – Jack Conte esse foi o momento que ele descobriu o real poder de uma comunidade.
Mas esse jogo começou a mudar, segundo ele, quando o Facebook estabeleceu pela primeira vez o rankeamento das postagens, priorizando os de melhor performance. Foi o começo do fim do “seguidor” como conhecíamos. A nova ordem digital passou a ser, claro, por maximizar atenção, views e watchtime. O feed cronológico deu espaço à ascensão do feed “algoritmizado”, que passou a te entregar aquilo que deveria te manter mais tempo absorto na plataforma – ainda que você nem soubesse direito de onde veio esse vídeo e quem era essa pessoa entrando na sua rotina. Não demorou pro Youtube seguir o mesmo caminho e pra que esse jogo se exponencializasse ainda mais com a ascensão do Tiktok. Se o “seguidor” já respirava por aparelhos, a “For You” deu o golpe de misericórdia. Todas as plataformas acompanharam esse movimento, criaram seus modelos de short-video, viraram menos redes sociais e mais plataformas de conteúdo e entretenimento. E o resto é história.
E é movido por essa inquietação que Jack, a essa altura completamente alijado da comunidade que ele havia forjado por muito tempo, resolve tirar aquela pochete empoeirada do armário pra ir atrás de um sonho: resgatar as conexões profundas entre criadores e suas comunidades. Nas palavras dele, “construir o tipo de internet que ele queria quando ainda era criador”. E ele enumera algumas plataformas que tem estado nessa vanguarda de reaproximar influenciadores e influenciados. Se é impossível “desligar o fio do algoritmo”, existem novos caminhos de conexão onde o poder de decisão ainda é humano. E o futuro da internet passa por resgatar esses laços profundos com as comunidades.
Hoje, de certa forma, acabamos banalizando o termo “comunidade” pra se referir à audiência e/ou público de um criador ou um artista. Mas nas palavras de Carrie Melissa Jones, que fez uma palestra com o beabá da criação e fidelização de uma verdadeira comunidade, “construir e crescer comunidades bem-sucedidas requer definir claramente expectativas, prover valor e reconhecer, verdadeiramente, seus membros”. É sobre estabelecer relações e conversas reais com grupos menores de pessoas do que se valer apenas de posts virais e ideias pré-concebidas sobre sua audiência. Discurso alinhado com a visão de uma das vozes mais provocativas da Creator Economy que esteve presente no SXSW, Matt Klein. O executivo do Reddit reforçou a importância de se conectar verdadeiramente com seus seguidores, não apenas de forma unilateral, pra que eles ajudem na construção de conteúdo e não te façam refém dele. Reddit, aliás, que na minha opinião despontou como uma das protagonistas na trilha de criatividade e influência. Jon Yousheai foi taxativo ao sentenciar que não existe processo criativo e uma visão verdadeira do que realmente está pautando a internet e movendo cultura no digital sem passar pela plataforma.
Ela se junta ao próprio Patreon, Discord e tantas outras (Kajabi, Moment House e Gumroad, só pra citar algumas), como a cara de uma nova internet que emerge se não à revelia, ao menos às sombras dos algoritmos. Uma internet que usa pochete no palco do maior evento do planeta de criatividade e inovação. Jack Conte, em seu encerramento que mais parecia um manifesto, nos fez lembrar que “o objetivo de um produtor de conteúdo não pode ser apenas fazer com o que máximo possível de pessoas assista aos seus vídeos. Precisa ser algo com significado, com propósito”. A reflexão vale não só pra quem grava o vídeo, mas pra todos nós que movimentamos essa cadeia: estamos estimulando uma produção verdadeiramente autoral, criativa, crítica e atual? Ou estamos todos apenas seguindo os algoritmos?
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