O tom inusitado (e preocupante) do festival
Pela primeira vez, os grandes pensadores que admiramos e que há anos moldam o espírito do SXSW, parecem projetar um futuro não de possibilidades, mas de sombras e incerteza
Pela primeira vez, os grandes pensadores que admiramos e que há anos moldam o espírito do SXSW, parecem projetar um futuro não de possibilidades, mas de sombras e incerteza
11 de março de 2025 - 18h38
Minha primeira experiência no South by Southwest foi em 2016. Voltei para o Brasil naquela época com a cabeça fervendo de questionamentos e a energia de quem quer inspirar, mudar e evoluir.
Quase uma década depois, a sensação é bem diferente. Desta vez, não volto inspirada – volto apreensiva. Pela primeira vez, os grandes pensadores que admiramos e que há anos moldam o espírito do SXSW parecem projetar um futuro não de possibilidades, mas de sombras e incerteza.
Estamos vivendo mudanças tecnológicas gigantescas, cujas consequências ainda mal compreendemos. E para piorar, o contexto cultural só adiciona mais confusão. Parece que não nos reconhecemos mais como sociedade.
A incerteza sempre fez parte do SXSW, mas este ano ela veio carregada de pessimismo. E o problema do pessimismo é que ele gera medo. E o medo é o pior inimigo da criatividade.
Amy Webb alertou sobre o avanço da comunicação entre máquinas, que já criam, cooperam e até disseminam desinformação de forma autônoma. Scott Galloway pintou um retrato brutal da crise mental e financeira enfrentada pelos jovens americanos. Douglas Rushkoff fez um apelo para resgatar o espírito “esquisito” de Austin e reprogramar a tecnologia. Brené Brown reforçou a necessidade de reconexão humana, como se a empatia fosse nossa última âncora de sanidade.
O mais chocante? Todos convergiram para a mesma conclusão: se não nos desconectarmos um pouco da máquina e resgatarmos o que nos torna humanos, estamos em sérios apuros.
E esse é o ponto central: máquinas não são empáticas. Pessoas são. A inteligência artificial pode ser brilhante, eficiente e até criativa, mas nunca será capaz de sentir ou se importar de verdade. Empatia não se programa. E foi justamente isso que deixamos de lado. Nos conectamos demais com as telas e desaprendemos a nos conectar uns com os outros. Se não exercitarmos e estimularmos a empatia na sociedade, corremos o risco de viver em um mundo onde a tecnologia dita as regras, mas ninguém mais se importa com ninguém.
Quem me conhece sabe que eu não consigo ser pessimista. Sou realista – minha formação como advogada e minha posição me forçam a considerar o pior cenário – mas me recuso a enxergar só tragédia no horizonte.
E, felizmente, há motivos para esperança.
O SXSW trouxe discussões incríveis sobre saúde. O que antes era irreversível agora pode ter solução. Alzheimer, câncer, doenças genéticas – a ciência está avançando de um jeito que pode mudar tudo. Soluções psicotrópicas para transtornos mentais já estão impactando milhões de vidas. O futuro pode ser desafiador, mas também é promissor, principalmente quando falamos de avanços que podem transformar nossa qualidade de vida.
Depois de cinco (!) dias de festival, finalmente uma palestra que trouxe inovação de verdade. Cristiano Amon, Presidente e CEO da Qualcomm, mostrou como a inteligência artificial pode ser útil, revolucionária e inspiradora, sem o tom apocalíptico que dominou o evento.
E ele não estava sozinho. Trouxe ninguém menos que will.i.am, em um momento brilhante, para demonstrar como a tecnologia pode personalizar a música e o entretenimento, transformando a forma como interagimos com o digital. Foi um sopro de ar fresco.
Eu realmente concordo com Douglas Rushkoff: o SXSW precisa recuperar sua essência. O festival se acomodou demais no circuito de happy hours, cafés descolados e networking. O SXSW sempre foi um espaço de inquietação, ciência e experimentação, mas parece estar perdendo essa identidade.
Menos brunchs e mais provocações. Menos buzzwords e mais inovação real.
A pergunta que fica: o SXSW quer continuar moldando o futuro ou vai se contentar em ser um evento social da indústria?
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