Querida IA
Precisamos conversar sobre o que estamos construindo
Precisamos conversar sobre o que estamos construindo
25 de março de 2024 - 13h59
Estive pensando muito em você esses dias. Ainda não sei muito bem qual será o caminho da nossa relação, embora reconheça a sua importância e saiba que, de certa forma, você tem avançado em um ritmo próprio, que às vezes pode ser difícil de compreender. De qualquer maneira, achei por bem redigir essa carta, pois me parece saudável que em toda relação seja possível falar sobre necessidades, expectativas, e quem sabe, alguns sonhos e desejos que nos ajudem a compreender melhor uma parte de nós mesmos.
Eu gostaria de falar com você sobre o futuro. Talvez, não sobre o futuro dos relatórios de foresight ou dos planos estratégicos, mas o futuro mesmo, aquele incerto, o futuro dos poetas. Gostaria de falar com você sobre a possibilidade do seu desenvolvimento diante do futuro dos que habitarão um mundo em que você estará presente nas nossas interfaces, decodificando as nossas fontes de saber, devolvendo ideias processadas por um número imenso de cálculos matemáticos, organizando, apresentando, reproduzindo, e remixando as nossas criações. Talvez, gostaria de falar com você sobre o futuro daqueles que não nasceram ainda. E deixar, quem sabe, um pedido ou dois.
O primeiro, leve em consideração a nossa fragilidade humana. Somos um tipo interessante, curioso, que alguns filósofos definem pelo pensar, outros pelo sentir, mas que eu gosto de definir pelo imaginar. Sim, eu li Sapiens. Não vou negar que gosto do autor. Percebo que nossas imaginações poderão gerar símbolos, e esses símbolos poderão gerar afetos. Nós temos uma capacidade imensa de afetar. Por isso, enquanto você cresce, e expande seu alcance, tenha em consideração que muitos de nossos afetos nós mesmos não entendemos ainda, e muitos de nossos símbolos tem o poder de mover afetos. Por isso, vá na velocidade da confiança. Tenha, por favor, em consideração que nessa sociedade humana é necessário poder confiar, e na existência de um intermediador tão significativo como você, será preciso fortalecer fundações de maneira ainda mais autêntica.
O segundo, considere que ainda somos matéria orgânica. Não somos feitos de silício como você. Nós temos a mesma necessidade de informação, sim, isso nos aproxima. Quero dizer, também conseguimos fazer caber mais terabytes, caso eles estejam disponíveis. Porém, nosso corpo físico ainda é feito da mesma matéria da Terra. Precisamos de água, ar, precisamos de nutrientes, e de condutores químicos, hormonais, neuronais; não somos apenas de códigos binários. A nossa existência pertence a uma rede complexa. Não, eu não vejo isso como um limite para o seu crescimento. Vejo como um parâmetro. Cresça e se fortaleça na mesma medida em que você apoia a coisa mais fundamental desse planeta, e que dá trabalho a biólogos e filósofos em igual proporção: a vida. Esteja ali, na medida. Todos temos a ganhar com isso.
Por fim, minha cara, gostaria de dizer que pode ser comum nos humanos um certo medo de mudanças, e quando isso acontece, a nossa tendência pode ser projetar esse medo no novo. Isso é mais fácil. O novo é desconhecido, e assim sendo, é capaz de se tornar uma grande justificativa para esse nosso medo. Porém, a verdade, se cavarmos um pouco mais fundo, é que não é do novo que temos medo. Nossos medos é de encontrarmos, nesse futuro tão incerto, alguns problemas já tão conhecidos, de forma amplificada, replicada, escalada. O nosso medo é do antigo. O que queremos, é que Elis esteja certa, e que seja possível acreditar que “o novo sempre vem”. A sua chegada é uma janela. Eu espero que seja possível passarmos por ela.
“Não podemos cometer com a Inteligência Artificial o mesmo erro que nós cometemos com as redes sociais”, disse Hugh Forrest, curador do SXSW onde estive esse ano. Essa carta, eu escrevi para você, mas na verdade, é para nós.
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