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SXSW

Ryan Gellert, da Patagonia: “Perdemos o direito de sermos pessimistas”

Como keynote do SXSW, CEO da marca de vestuário comenta a decisão da empresa de transferir lucros, alerta para a urgência da tomada de atitudes e ressalta a responsabilidade de empresas, consumidores e governo


12 de março de 2023 - 23h38

Um dos eventos mais recentes e catastróficos da humanidade pareceu um bom período para discutir os rumos de uma empresa em relação a seus donos – pelo menos, para a família Chouinard, fundadora da Patagonia. A decisão de abrir mão e doar 100% dos lucros para organizações que combatem a mudança climática foi o estopim do pensamento diferenciado de modelos de negócios que a companhia tem, e que atraiu os olhares do mundo no que diz respeito ao caminho que o capitalismo deverá trilhar.

Ryan Gellert, CEO da Patagonia, foi um dos keynotes do SXSW 2023 (Crédito: Giovana Oréfice)

Ryan Gellert, CEO da Patagonia, foi um dos keynotes do South by Southwest 2023. Um dos muitos representantes da empresa presentes no festival, o executivo participou da reunião que decidiu o curso da vida da marca após um período trabalhando direto de Amsterdã, na Holanda, por conta da pandemia. À mediadora e jornalista Katie Couric, Gellert descreveu o fundador Yvon Chouinard como alguém que não tem medo de se comprometer. E agora, mais do que nunca, a companhia firmou um compromisso com a Terra. Tanto é que, daqui para frente, o planeta é o stakeholder da Patagonia.

Mas, o que é, na prática, ser uma empresa “sem lucros”? O CEO declarou que, o primeiro passo para tomar a decisão foi realizar uma espécie de exercícios de probabilidades: o que queriam e não queriam ver acontecendo na companhia. “Queremos proteger a integridade da Patagonia, uma empresa que, ao longo desses 50 anos, tentamos modelar uma forma diferente de negócios com fins lucrativos”, comentou. Portanto, com a preparação, a Patagonia não encarou uma mudança tão brusca como muitos podem pensar.

Gellert já viajou o mundo a trabalho, tendo morado na Ásia e na Europa. A atuação da Patagonia se concentra, majoritariamente, nos Estados Unidos – uma nação com um mindset consumista, em que tudo é feito em prol do lucro. Ele admitiu que deve haver a quebra do estigma de que sucesso está intrinsicamente relacionado ao dinheiro, salientando a urgente necessidade de agir para consertar os problemas que nós mesmos – a humanidade – criamos ao longo de nossa existência.

“A realidade é que, nem todas, mas em boa parte das crises que enfrentamos como humanos, os negócios desempenham um papel descomunal”, salientou Gellert. Para ele, a missão é a mesma a qual ele ensina seus filhos: se você fez bagunça, limpe-a.

Novos movimentos em prol do planeta

Não há mais onde se esconder: essa foi uma das mensagens deixadas pelo CEO sobre a amplificação de vozes e o novo papel dos consumidores no mundo. Além de quem compra, há também quem trabalha para as empresas – a força do capitalismo. “Lembrem-se do poder que vocês têm como clientes e como colaboradores, e tomem decisões consistentes com isso. Acredito que esse é o papel mais lisonjeiro que vocês podem ter na sociedade. Não é o de CEOs, de advogados, do Senado, ou qualquer outra coisa como cidadãos”, declarou.

No palco, a jornalista citou um dado do Edelman Trust Barometer, de que os indivíduos têm mais credibilidade nas marcas do que no próprio governo. Ainda que Gellert tenha se surpreendido com o dado, e defendido o fato de que “perdemos o direito de sermos pessimistas”, ele foi um exemplo vivo disso. Seu nível de confiança no governo? “Zero”, brincou. Quando questionado sobre o que quer ver do governo dos EUA, especificamente, o keynote descreveu a questão como “complicada”. A Patagonia já trabalhou com a iniciativa pública e, a mais recente das ações envolvendo o governo, tem a ver com o Willow Project, uma proposta de exploração de petróleo em reservas naturais do Alasca.

Contudo, há um alerta: indivíduos estão certos em também desconfiar de empresas. Tomando como exemplo razões as quais consumidores devem levar em consideração ao confiar em uma marca, há a certificação das B Corporations. Companhias que levam este “selo”, são indicadas como aquelas que miram no desenvolvimento social e ambiental em seus modelos de negócios, como a própria Patagonia.

Expansão de negócios

Ainda que pareça algo distante, a indústria da moda e do vestuário é uma das mais poluentes do mundo. Neste sentido, Gellert apresentou algumas das estratégias que sua empresa vem tomando para atuar nesta questão. Primeiro, uma das estratégias é criar e vender produtos de qualidade com vida longa, que atraiam os consumidores. Além disso, a marca conta a revenda de produtos já usados com maior acessibilidade. Para o longo prazo, a proposta é fazer a venda de produtos de “segunda mão” em larga escala, além de ampliar o olhar para novas tecnologias, como fibras naturais, design de roupas elegíveis para reparos e softwares de código abertos para maior colaboração,

Na semana passada, a Patagonia anunciou a aquisição da marca de bolachas Moonshot, através de sua divisão de alimentos. “O que entendemos é que podemos fazer melhorias na cadeia de suprimentos de vestuário, podemos tornar as coisas menos ruins, mas, em última análise, não tenho certeza se sentimos que temos soluções para melhorar as coisas e torná-las tão boas quanto elas precisam ser”, justificou o CEO. A compra da empresa foi uma maneira de a Patagonia buscar atuar em um setor, que é o da agricultura, para olhar para os problemas de maneiras mais profundas, a começar pela sua cadeia de fornecedores.

A aquisição e o novo posicionamento da companhia em relação a seus lucros é ainda mais simbólico dado o fato de que, neste ano, ela completa 50 anos. Ao final de seu discurso, o CEO da Patagonia deixou uma mensagem otimista à plateia ávida pelos seus ensinamentos: pequenas ações importam em prol de algo maior e que, a cada manhã, é possível descobrir como se tornar parte deste movimento.

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