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De 7 a 15 de março de 2025 I Austin - EUA
SXSW

Jeet Singh: “Há pessoas dedicadas em manter divisão entre pessoas”

Educador e ativista acredita que mídias sociais, redução das políticas de diversidade e de moderação de conteúdo dividem a sociedade


9 de março de 2025 - 13h00

A partir de 2017, o South by Southwest (SXSW) decidiu abrir portas para temas que ganharam importância social e corporativa: comportamento humano, relacionamentos e saúde mental. Passou-se a discutir relações de trabalho, felicidade, comportamentos geracionais, entre outros tópicos relacionados. Em 2018, o festival inaugurou a Wellness Expo. O ápice da conversa sobre comportamento ocorreu em 2024, quando o tema da epidemia da solidão ofuscou os destaques relacionados à inteligência artificial.

Simran Jeet Singh

Simran acredita no poder do cuidado para fomentar solidariedade e conexões profundas (Crédito: Arthur Nobre)

No esforço em incluir essas pautas, o festival começou a trazer nomes como Simran Jeet Singh para a programação. “Não estão apenas pensando em quais são as tendências. Eles também estão pensando em como garantir que haja um senso humano. Questões éticas, o que significa ser um bom ser humano ou uma sociedade saudável enquanto avançamos com a tecnologia, são questões muito importantes, especialmente no mundo de hoje”, reflete o autor, ativista e professor da Union Theological Seminary. Sua primeira vez no evento enquanto palestrante foi em 2017. Desde então, se tornou figura frequente nos palcos do SXSW.

Durante sua passagem na conferência e em eventos paralelos, incluindo entrevistas, lançamentos de livros e outros compromissos profissionais, Simran aproveita para visitar dois irmãos que vivem em Austin. Simran nasceu e foi criado em San Antonio, cidade que fica a 127 km da capital. “É uma agenda lotada, mas eu adoro, porque há tantas pessoas interessantes lá ao mesmo tempo. Eu misturo trabalho, família, diversão, livros e tudo mais”, divide.

Ao Meio & Mensagem, Simran refletiu sobre as consequências da polarização para os relacionamentos humanos e opinou sobre a extinção de programas de diversidade e inclusão nas empresas.

Meio & Mensagem — Na descrição do seu painel, você menciona que o mundo se tornou cada vez mais dividido. Vemos isso na política, mas também na forma como nos expressamos nas redes sociais. Quais fatores você acha que contribuíram para isso?

Simran Singh — Há muitos fatores. A mídia social é um deles. Nelas, há o anonimato. Não conhecemos as pessoas com quem estamos conversando. Não temos relacionamentos com eles. É fácil julgá-los, porque não sabemos de onde eles vêm ou por que estão dizendo o que estão dizendo. É fácil ficar com raiva e dizer algo odioso, porque não há responsabilidade. Se você pensar sobre como os algoritmos funcionam, você é recompensado por dizer coisas terríveis às quais todo mundo está respondendo. Quanto mais as pessoas respondem à coisa ridícula que você diz, mais atenção você recebe e mais o algoritmo alimenta seu perfil. A mídia social é estruturada para nos recompensar não apenas socialmente, mas também psicologicamente. Nós sabemos sobre os impactos da dopamina. Poderíamos falar sobre a mídia de notícias e como ela se tornou polarizada, e a maneira como as versões extremas da política são as histórias que recebemos. É tão difícil entender as pessoas que vivem no meio, na área cinzenta, ou que têm outras perspectivas sobre uma questão política com a qual discordamos, e nunca sentiremos compaixão por pessoas que pensam de forma diferente, porque apenas assumimos que elas são odiosas, pessoas terríveis. E então há tantas coisas em nossa sociedade agora que estão dificultando a conexão uns com os outros.

M&M — Você vê esse cenário mudando no futuro? Como?

Singh — É uma boa pergunta. Acredito no poder das outras formas de ser, pensar e viver. Historicamente existem exemplos realmente bons onde as pessoas viveram de uma forma menos egocêntrica e menos divisiva. Um desafio é que, hoje, há muitas pessoas dedicadas em manter as pessoas divididas. Se tomarmos as mídias sociais como exemplo, há o desafio do vício que muitos de nós temos com as mídias sociais e estar online como uma distração diária ou como um aumento de dopamina. Mas os líderes dessas empresas têm suas próprias ambições e agendas políticas que desejam garantir e, portanto, investem muito de sua riqueza para manter as coisas como estão. Não tenho certeza de como será mudar onde a sociedade está agora. Estou esperançoso de que isso acabará acontecendo, mas acho que há muito contra o qual temos que lutar para fazer essa mudança acontecer e algumas dessas coisas não são tão fáceis de ver, porque estão nos bastidores.

M&M — Algumas plataformas estão reduzindo políticas de moderação de conteúdo. Qual a sua avaliação sobre essas decisões?

Singh — É muito perigoso. Acho que a razão pela qual muitas dessas políticas foram implementadas pela primeira vez foi porque certos líderes e defensores reconhecem os perigos das mídias sociais e disseram: “bem, por que não apresentamos algumas medidas que ajudarão a proteger as pessoas contra os danos?”. E agora para dizer que “não nos importamos mais com esses danos e voltaremos a ser como as coisas eram” é muito irresponsável e é realmente perigoso para as pessoas que são afetadas pela propaganda negativa, a manipulação de histórias e assim por diante. Por isso estou muito cético de que isso será uma coisa boa, especialmente como alguém que vem da comunidade que experimentou as consequências da propaganda política em primeira mão. Estou esperançoso de que verão rapidamente que isso não é bom ideia e voltaremos às políticas que eles tinham antes.

M&M — Muitas empresas estão encerrando seus programas de diversidade. Quais as consequências disso para o ambiente de trabalho e os relacionamentos em geral?

Singh — Alguns elementos de impacto que me preocupam. Um deles é que vai ser ainda mais difícil para as pessoas que vêm de origens diversas falarem abertamente sobre suas experiências. Um dos benefícios reais do trabalho de diversidade e inclusão foi que ele estava criando uma cultura globalmente onde quaisquer que sejam suas identidades, de onde quer que você venha e como você escolha viver, todos deveriam ser respeitados e visibilizados. Para muitas pessoas, inclusive eu, essas são partes realmente importantes de quem somos. Ser capaz de ser aberto sobre elas e ser entendido é realmente importante. Não acho que essa importância está mudando. Estou muito desapontado por saber que muitas pessoas se sentirão invisíveis, vão sentir que não pertencem onde estão, que ninguém se importa com eles.

M&M — Como podemos criar solidariedade e conexões mais profundas?

Singh — É realmente muito simples e já sabemos como fazê-lo. Simplesmente não pensamos nisso de uma forma que se aplique ao local de trabalho ou a comunidades maiores. Temos que começar em nossos relacionamentos individuais, as pessoas de quem estamos próximos com quem passamos tempo todos os dias e realmente investir em conhecer um ao outro, para entender de onde as pessoas vêm, para ser menos crítico sobre quem as pessoas são, e realmente começar a aceitar e se importar. Isso nos dará a base para um relacionamento profundo que não desmorona quando as coisas ficam difíceis. O ponto de partida realmente é um cuidado genuíno uns com os outros. Se pudermos fazer isso, todas as outras peças se encaixaram.

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