Assinar
De 7 a 15 de março de 2025 I Austin - EUA
SXSW

Terapia de casal e a consequência da perfeição algorítmica

Esther Perel reuniu as visões antagônicas de Amy Webb, CEO da Future Today, e Frederik G. Pferdt, ex-Google, para analisar o que moldará as relações no futuro


10 de março de 2025 - 19h21

Entre muitas discordâncias, Esther Perel, Frederik G. Pferdt e Amy Webb concordam que a empatia humana está sob ameaça (Crédito: Isabella Lessa)

A aguardada sessão coletiva com a psicoterapeuta Esther Perel sofreu uma reviravolta de última hora: o paciente Peter Attia, especialista em longevidade, teve de desmarcar devido a uma emergência familiar.

Então Esther preencheu o horário não com um, mas dois pacientes. Que, embora não sejam um casal em crise, agiram como se fossem. Os escolhidos foram nada mais, nada menos que a futurista Amy Webb e o ex-chief innovation evangelist do Google, Frederik G. Pferdt.

Os dois compareceram para a gravação ao vivo do podcast Where Should We Begin?, comandado por Esther, e compartilharam visões antagônicas sobre como as mudanças que acometem o mundo moldarão as relações do amanhã.

Na visão de Frederik, a ideia de futuro é colocar a si mesmo nesse cenário para, a partir daí, apreendê-lo. Quando as pessoas se apossam do futuro, conseguem utilizar palavras positivas que as inspiram a seguir adiante e, além disso, assimilar que o futuro não é algo que as acomete, mas que é construído por elas.

Amy, por outro lado, define o futuro como a coleção de pesquisas quantitativas e qualitativas que devem servir para influenciar a tomada de decisões das pessoas hoje. Um olhar muito mais pragmático, como ela mesma colocou.

Falas sob análise

“Ouvi-los falando foi como estar em uma sessão de terapia de casal, em que uma pessoa é pragmática, fala sobre tomada de decisão. Vocês dois concordam que decisões tomadas no presente influenciam muito o futuro, mas vocês estão vivenciando a realidade de forma muito diferente”, observou Esther.

Na sequência, perguntou a Amy o que ela pensou sobre a visão de Frederik sobre o futuro. A CEO do Future Today respondeu que não poderia discordar mais do que o ex-executivo do Google falou. Pois, como profissional cujo trabalho é passar 99% com chefes executivos da maiores companhias e líderes governamentais, é possível perceber que os tempos difíceis que acometem o mundo hoje são resultado de pessoas que seguiram suas visões internas de futuro – justamente o que Frederik defende.

“A vontade dessas pessoas foi a de ter um ponto de vista único e autoritário sobre como o mundo deveria ser. Arealidade é que sentimentos importam, mas, no fim das contas, ninguém é inerentemente incentivado a tomar decisões melhores para todos. As pessoas são, em algum nível, egoístas”, rebateu Amy.

Esther então indagou se os níveis de estresse da plateia aumentaram durante a fala de Amy. Alguns levantaram a mão e a psicoterapeuta disse que, de modo geral, as pessoas estão menos acostumadas a estarem diante de indivíduos que têm experiências profundas com as quais se importam muito e que discordam entre si, na frente dos outros.

“Parte do que está acontecendo conosco é que estamos vivendo em um mundo tecnológico que está removendo toda fricção possível e, quando as coisas não vão como imaginamos, ficamos paralisados. Não sabemos vivenciar confronto, frustração, conflito ou discordância”, pontuou a psicoterapeuta.

Na análise de Esther, Frederik e Amy representam modelos distintos sobre relacionamentos: o primeiro defende um lugar de escolha, não de dever ou obrigação, mas de liberdade e auto-determinação. Enquanto outra encara as relações organizadas em torno de lealdade, comunidade, dever e obrigações.

Frederik interviu com uma citação a Anaïs Nin: “’Não vemos o mundo como ele é, mas como nós somos’. Se as pessoas são egoítas, isso é maravilhoso, porque se as pessoas querem se satisfazer e se sentirem conectadas e felizes, ótimos. Pesquisas mostram que, quando as pessoas são gratas por algo e agradecem ao outro, isso aumenta a felicidade e a saúde. A qualidade de nossas conexões fazem com que a gente viva mais. De maneira egoísta, nutra suas conexões e faça mais amizades”, afirmou.

Em contrapartida, Amy declarou que, se a pessoa quer atrelar as decisões a felicidade e auto-realização, é preciso considerar o contexto e o fato de que nem todo mundo parte do mesmo ponto.

Consequências da perfeição do algoritmo

Questionada por Esther sobre quais são as previsões que mais de destacam na visão dela, Amy salientou a presença dos robôs, que abrem tanto oportunidades quanto ameaças, e o desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial (IA) que, de novo, abrem caminhos para produtividade e crescimento da economia, mas muitos desafios.

A essa altura, Esther confessou quão impressionada ficou quando percebeu que a audiência de Amy vibra quando ela compartilha, sem emoção, previsões que, muitas vezes, antecipam um futuro sombrio. “Preciso me desconectar emocionalmente. É meu trabalho”, respondeu a futurista.

Ela prosseguiu explicando que, para criar uma visão de um futuro desejável, é preciso se basear na realidade. Isso requer o reconhecimento da dor, do desconforto e de fatos que não se alinham à própria visão de mundo.

De acordo, Esther deu um passo além ao dizer que existe uma atrofia social em ascensão. Basicamente, as pessoas se depararam com uma quantidade excessiva do que chama de “perfeições algorítmicas” nas relações com máquinas e IA.

Isso está alterando as expectativas que os indivíduos têm em relação ao outro. “Acrescentemos a isso o fato de que nunca tivemos tanta liberdade para negociar aspectos dos relacionamentos e da vida, estamos perdendo as habilidades necessárias para tais negociações. Para negociar liberdade, precisamos tolerar a incerteza. Se não conseguimos fazer isso, buscamos pessoas que nos dão certeza e isso se chama autocracia”, ressaltou.

Uma das consequências disso para a existência humana é que, sem aspirações, as pessoas ficam no modo sobrevivência e tornam-se mais egoístas.

Realidades possíveis

Diante do cenário apresentado por Esther, Frederik reafirmou sua crença sobre a importância de cultivar relacionamentos, um aspecto da vida sobre o qual as pessoas têm controle. Além disso, salientou a importância de prestar atenção à própria criatividade.

“Todos podemos concordar que vivemos em um mundo influenciado por muita negatividade e que vivemos em um futuro que é desconhecido, por definição. Isso causa ansiedade em todo mundo. Uma das melhores formas de reduzir esse sentimento é desligar. A pessoa radicalmente otimista vê o potencial de encher o copo”, opinou.

Em um rara revelação íntima, Amy contou que ela e seu marido decidiram não dar um celular para a filha deles, hoje com 14 anos. Uma das coisas que ela nota é que adolescente consegue ser mais empática do que os colegas de escola que sempre tiveram acesso ao smartphone.

“Provavelmente uma das habilidades mais importantes do futuro é a empatia”, concordou Frederik.

Ponderando as duas visões de mundo – a da liberdade e a do dever – Esther reforçou que é preciso ter habilidade para imaginar a si mesmo, mas também o compromisso com os outros. Do contrário, acaba-se tratando as pessoas como commodities e objetos. “A máquina não tem sentimentos quando você a derruba. Temos de entender que não somos o centro do universo e precisamos uns dos outros para sobreviver”.

Publicidade

Compartilhe