SXSW: Na era do conflito, grande desafio é lidar com nós mesmos
Os três passos de William Ury para sermos bem-sucedidos nas negociações
Os três passos de William Ury para sermos bem-sucedidos nas negociações
10 de março de 2024 - 21h30
Um homem gentil, sereno, com feição amistosa e um tom de voz calmo. William Ury já enfrentou ao longo de sua rica e longa carreira como o mais popular mediador de conflitos do mundo gritos de Hugo Chávez, ex-presidente da Venezuela, em uma sala fechada, diante de manifestações populares que tomaram as ruas de Caracas; ameaça de ataques nucleares entre o ex-presidente norte-americano Donald Trump e o ditador norte-coreano, Kim Jong-un; negociação durante a Guerra Fria com a antiga União Soviética; passando ainda pela acirrada disputa empresarial entre Abílio Diniz, fundador do Grupo Pão de Açúcar, e Jean-Charles Naouri, presidente do grupo francês Casino.
Engana-se, porém, quem acha que resolver esses tipos de conflitos demanda técnicas muito diferentes das que temos no nosso dia a dia. Em uma palestra intimista e bastante interativa no SXSW 2024, Ury explicou três passos para esse tipo de situação que fazem parte de seu recém-lançado livro, ainda não traduzido em português: “Possible: how to survive (and thrive) in a age of conflict”, que recentemente ganhou uma divulgação espontânea especial ao ser fotografado nas mãos do presidente norte-americano Joe Biden.
Antropólogo de formação, o cofundador do programa de negociação de Harvard veio a Austin para compartilhar com o público algumas lições que ele aplica em seu trabalho – e que podemos tentar replicar em nosso dia a dia. Uma das principais é não ver o conflito como algo negativo, mas como um processo inteligente – e, muitas vezes, criativo.
“Tendemos a pensar que o conflito é algo negativo, mas faz parte da nossa natureza. E a saída central costuma ter três caminhos: entender, abraçar e transformar, principalmente por meio da criatividade e da colaboração. Precisamos de mais conflitos, e não menos. As melhores decisões geralmente surgem de uma negociação”.
Ury lembrou que vivemos uma era em que as estruturas são mais horizontais na tomada de decisões – ou seja, com mais pessoas envolvidas. É por isso que passamos grande parte de nossas vidas pessoais e profissionais negociando. “Vivemos na era do conflito”, diz.
Segundo o especialista, o cerne da questão é entender que o maior obstáculo para conseguirmos o que queremos não é a dificuldade que encontramos nos outros, mas em nós mesmos. “Nossa tendência natural é reagir antes de pensar. Se você deseja influenciar os outros, primeiro precisa acertar as coisas consigo mesmo. A negociação é um jogo que começa internamente. O maior obstáculo na negociação somos nós mesmos. Pausas e silêncios nos impedem de reagir sem pensar”, enfatizou.
De forma prática, William Ury apresentou uma espécie de organograma de solução de conflitos, que basicamente traz três pilares fundamentais. O primeiro é o “lugar seguro ou uma visão panorâmica à distância da situação”: estar em um ambiente (ou situação) em que você consiga respirar e olhar, com cautela, tanto o cenário completo quanto os detalhes. “Aumente o zoom para examinar os interesses que estão por trás de suas posições declaradas. Isso geralmente provoca etapas significativas.”
O segundo são as pontes: entender o outro lado e usar esse território como ponto de partida para construir o caminho para onde você quer levar seu interlocutor. “Raramente há conflitos sobre questões superficiais. Descobrir suas motivações mais profundas o ajudará a abordar a negociação de forma mais produtiva.”
E o terceiro é exatamente ter uma terceira visão ou contar com uma terceira pessoa que possa receber o conflito, entender melhor ambos os lados e tentar chegar ao meio termo – ou ao melhor termo. “A negociação não acontece apenas em uma mesa. Diminua o zoom para pelo menos duas outras mesas: as negociações internas de ambos os lados.”
Além disso, solucionar disputas de forma clara, positiva e amistosa pode ter um impacto muito maior que só resolver um problema pontual. “Um dos maiores poderes de uma negociação é que, por ela, podemos mudar o jogo. Usem essa capacidade para resolver os conflitos. Não há problemas que a gente não consiga resolver e, se conseguirmos transformar nossos conflitos em algo positivo, vamos acabar transformando nós mesmos e, assim, o mundo”, concluiu.
Numa era atormentada por conflitos, incertezas e polarização, as falas de Ury surgem como um farol de esperança e um roteiro para lidarmos com os conflitos que só tendem a aumentar nos diversos aspectos da nossa vida. Ou como ele mesmo se autodenomina, nem otimista, nem pessimista, mas “possibilista”, alguém que enxerga sempre alguma possibilidade no horizonte.
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