Bárbara Sacchitiello
16 de fevereiro de 2024 - 16h54
Campanha com Kid Bengala era parte da estratégia de divulgação da promoção do sanduíche Whopper (Crédito: reprodução)
“Falta de imaginação”. “Isso vai muito além do mau gosto”. “Perderam 100% a mão na campanha”. Esses são alguns – entre centenas – de comentários que o perfil de Meio & Mensagem recebeu, no Instagram, ao noticiar a campanha do Burger King feita com o ator Kid Bengala.
Lançada na quarta-feira, 14, logo após o Carnaval, a campanha, que tinha como proposta divulgar a promoção do sanduíche Whopper, recebeu uma onda de críticas nas redes sociais, que levaram a marca, um dia depois, a deletar o vídeo de seus perfis.
Como justificativa, o Burger King disse, em comunicado, que a ideia da campanha, chamada de “Exagero”, era trazer trocadilhos que tinham, como objetivo, entreter seu público. E reforçou, ainda, que esse público é majoritariamente maior de 18 anos.
“O BK sempre foi reconhecido por ser uma marca com uma comunicação moderna, bem-humorada e provocativa, que chama a atenção e cria conversas nas redes sociais. Assim, nós sempre conseguimos ampliar a nossa voz e nossos produtos por meio de campanhas icônicas, como a que realizamos para comunicar o retorno do King em Dobro, por exemplo. Para comunicar a promoção de 2 Whopper por R$ 25, criamos a campanha “Exagero”, que de forma divertida, traz trocadilhos que têm por objetivo único entreter o nosso público, majoritariamente jovem a partir de 18 anos. Para não ampliarmos as discussões e polarização nas redes, optamos por retirar o material do ar”, disse a marca.
A Jotacom, agência responsável pela criação da campanha, também se posicionou sobre o assunto e admitiu que sempre busca criar conversas e engajamento nos trabalhos que realiza. Porém, disse que, ao analisar os dados gerados por esse vídeo específico, optou, em conjunto com o anunciante, por tirar o material do ar.
“Conhecida por ser uma agência data-driven, a Jotacom sempre busca criar conversas e engajamento nas suas campanhas. Este é o caso da série de vídeos que compõem a campanha “Exagero”, que de forma bem-humorada faz trocadilhos para o público prioritário da marca (jovens-adultos), a fim de criar interações leves e divertidas. Após analisar os dados gerados por esse vídeo específico da série, optamos – em decisão conjunta com o cliente – por retirar o material do ar. A campanha segue com novos personagens exagerados”, declarou a Jotacom.
Burger King, indústria pornográfica e conexão com a sociedade
Por ser parte da cultura popular e, sobretudo, pela agilidade da troca de informações e visibilidade gerada pelas redes sociais, a publicidade não escapa de, algumas vezes, estar no centro de debates que dividem opiniões. Nesse caso, contudo, chamou a atenção a rapidez com que a marca e a agência recuaram em sua estratégia de comunicação.
O Burger King não expôs a quantidade de comentários negativos ou críticas que recebeu, mas disse, no comunicado, que para não ampliar “as discussões e polarização nas redes”, optaram por “retirar o material do ar”. Muitas pessoas prometiam boicotar a marca enquanto outras chegaram a dizer que o comercial deveria receber algum tipo de punição.
A reportagem de Meio & Mensagem entrou em contato com o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) e, até esta sexta-feira, 16, não havia sido aberto um processo para avaliar o teor da campanha e a conduta do anunciante.
O comercial anterior feito pelo Burger King, que também tinha o mote do “Exagero”, e que foi protagonizado pelo personagem Ken Humano, em que ele brincava com os procedimentos estéticos feitos em seu rosto, segue no ar nos perfis da marca.
A reportagem de Meio & Mensagem conversou com profissionais de agências de publicidade e especialistas para entender as principais razões que geraram uma repercussão tão negativa a ponto de a marca desistir de sua estratégia de comunicação. O ponto principal citado por eles – e também destacado por muitas pessoas nas redes sociais – é a associação que a marca fez com um personagem da indústria pornográfica, já que Kid Bengala é um ex-ator, conhecido pela atuação em filmes de entretenimento adulto nas décadas de 1990 e 2000.
Hoje, o mercado publicitário tem um papel social de não apoiar ou reforçar más práticas de outros mercados, na opinião de Mayra Cordeiro, diretora executiva de criação da OMZ. Já existem, segundo ela, diversos estudos que demonstram, cm dados, que esse setor de entretenimento adulto é danoso aos atores e que gera uma cadeia de abusos e assédios.
“O público impactado também consome esse tipo de inteligência e, por isso, é capaz de associar uma coisa a outra”, pontua. Mayra diz que o problema não está, necessariamente, no fato de a comunicação da campanha ter usado uma abordagem de cunho sexual, o que poderia até ter dado certo, em sua visão, caso ficasse alocada somente no público consumidor desse tipo de conteúdo. “Mas, se você deseja que sua marca seja ousada e toque em assuntos polêmicos, precisa entender o que é aceitável e até onde a corda pode ser esticada”, pontua.
“A publicidade batalha muito para entender seu papel na construção da sociedade e da geração atual. Ela precisa ser corajosa, buscar vendas, likes e leads, mas entender também se essas imagens que serão exploradas estão em linha com o que a sociedade, como um todo, busca nos conteúdos das marcas”, analisa Bruno Lunardon, sócio e CEO da SoWhat.
A respeito da repercussão do vídeo com Kid Bengala, o CEO da agência acredita que a campanha tenha abordado um tópico sensível, uma vez que a sociedade vivencia um momento bem delicado, com diversos níveis de polarização sobre temas, em diferentes esferas, sejam elas políticas, religiosas ou de outros aspectos.
Comunicação provocativa e limites
Não foram apenas críticas, no entanto, que a campanha recebeu. Alguns comentários – em menor volume, na comparação com os críticos – destacavam a ousadia e o humor escolhido pela marca. Como o público é muito diverso, sempre existirá quem ache graça e quem não goste desse tipo de abordagem, como destaca Cacau Chaves, diretora do estúdio de branding Rebu.
Assim como Mayra, da OMZ, Cacau acredita que o ponto problemático do episódio foi atrelar o humor à indústria pornográfica, que muitas vezes é caracterizada como violenta e misógina, o que acaba atingindo principalmente as mulheres. “Por isso, a importância de times com maior diversidade na criação de marcas e campanhas, como um todo. Além disso, ainda tem a questão da sexualização e desumanização de corpos pretos nessa campanha em específico”, opina.
Por outro lado, a diretora do Rebu elogia a essência criativa do Burger King e cita como exemplo de case bem-sucedido a campanha “Whopper em Branco”, que incentivava as pessoas a votarem nas eleições. Seu colega, o cofundador e diretor criativo do Rebu, Fernando Andreazi, concorda que o Burger King sempre se apropriou do humor e da ousadia em suas campanhas e que isso faz muito sentido para uma marca que costuma desafiar a hegemonia da concorrente. Mas, segundo isso, não foi isso que aconteceu nesse vídeo com o ex-ator pornô.
“Vamos sempre defender quem tem coragem de criar algo diferente e novo, mas não foi isso o que aconteceu. Ao contrário, o filme traz mais memórias do passado, de algo datado e já gasto nos programas de auditório nas décadas de 80/90 do que uma abordagem atual e contemporânea”, frisa Andreazi.
O recuo de estratégia do Burger King
A maioria dos profissionais ouvidos pela reportagem considerou acertada a decisão do Burger King de rapidamente tirar a campanha do ar após as críticas. “Tão importante quanto colocar no ar campanhas e ações que se posicionam e levantam bandeiras, algo que o Burger King tem amplo background, também é fundamental saber a hora de sair e recuar”, comenta Lunardon, da SoWhat.
“Se o público consumidor enxerga que o material não é apropriado ou não se conecta aos valores da marca, o melhor a se fazer é retirar a campanha do ar e se retratar”, concorda Mayra, da OMZ.
Já o professor e especialista em branding da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Marcos Bedendo, não viu a atitude da marca de forma positiva. Segundo ele, apesar das críticas recebidas, a campanha criada pelo Burger King está em sintonia com o estilo de comunicação que a marca escolheu para falar com seu público-alvo, sobretudo os jovens.
“Esse movimento de recuar ou de voltar atrás em uma comunicação deve ser feito quando acontece algo inesperado, que sinaliza que a marca seguiu por um caminho diferente de seus objetivos. Nesse caso, em minha opinião, o Burger King seguiu o estilo de humor que eles já apresentava. Não acho adequado voltar atrás em uma decisão de comunicação, nesse caso’, avalia.
Segundo Bedendo, contudo, é compreensível que a marca tenha avaliado o volume das críticas recebidas nas redes sociais e, por isso, ter concluído que a melhor saída era recuar. “Muitas vezes, um grupo específico de pessoas acha aquilo ruim e acaba gerando uma onda de comentários negativos porque acaba sendo ‘legal’ falar mal daquele trabalho ou campanha. Como especialista, acho que uma saída boa teria sido rapidamente colocar outro filme no ar, menos polêmico, e continuar a proposta de comunicação”, conclui.