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A revolução da IA na comunicação: personalização e ética

Ana Erthal, professora e pesquisadora PosDoc na ECA-USP, revela como a inteligência artificial vai remodelar o digital e influenciar a autenticidade


28 de fevereiro de 2025 - 12h35

A inteligência artificial (IA) generalista e multimodal está prestes a transformar radicalmente a forma como interagimos com conteúdo digital e plataformas de comunicação. Com a promessa de eliminar barreiras de idioma e gerar experiências hiper personalizadas em tempo real, a IA redefine a velocidade e o alcance da comunicação. Contudo, à medida que a automação avança, surgem questionamentos sobre a autenticidade, criatividade e os desafios éticos dessa personalização extrema. Como distinguir o humano do artificial, em um cenário onde a linha entre ambos se torna cada vez mais tênue?

Para Ana Erthal, professora e pesquisadora PosDoc na ECA-USP, a evolução da IA terá um impacto profundo e subestimado na forma como consumimos comunicação. “A barreira do idioma será a primeira a ser eliminada pela IA multimodal, capaz de traduzir em tempo real a partir de geolocalização. Vamos consumir comunicação de modo rápido e poderemos ampliar o entendimento dos temas em plataformas que ofereçam análises aprofundadas e com especialistas nos temas”, ressalta.

Ana Erthal, professora e pesquisadora PosDoc na ECA-USP: “Sempre existiu o desejo humano de criar a tecnologia como ‘um duplo’, uma réplica automatizada do ser humano” (crédito: divulgação)

Contudo, a autenticidade pode ser comprometida pela uniformidade retórica das interações automatizadas, exigindo novas abordagens éticas e comunicacionais. “O ser humano tem o direito de saber quando interage com uma IA e quando consome um produto de IA”, destaca Ana, enfatizando a necessidade de transparência na criação de conteúdo.

Ao Meio & Mensagem, a professora e pesquisadora PosDoc na ECA-USP destaca que a resposta para esses desafios pode estar na simplicidade sofisticada: linguagens diretas, eficientes e hiper personalizadas que respeitem a autenticidade e a privacidade dos usuários. A comunicação relevante e envolvente do futuro dependerá de um equilíbrio delicado entre automação e humanização. Confira a entrevista completa:

Meio & Mensagem – Como a evolução da IA geralista e multimodal pode transformar a forma como interagimos com conteúdo digital e plataformas de comunicação?

Ana Erthal – De forma radical, positiva e provavelmente, subestimada. A barreira do idioma será a primeira a ser eliminada pela AI multimodal capaz de traduzir em tempo real a partir de geolocalização. Seremos capazes de compreender qualquer mensagem – já somos, mas não na velocidade da AI, que combina texto, voz e vídeo, codificando a comunicação ao mesmo tempo em que gera significado. Alguns vanguardistas começaram a denominar o século XXI como o “século comprimido”, em que inovações de ciclo de 50 anos acontecerão em intervalos entre cinco e 10 anos. A capacidade generativa vai tornar o conteúdo hiper personalizado e instantâneo. O instantâneo e simultâneo são o ritmo da evolução da AI. As plataformas de comunicação encontrarão esse compasso, correndo o risco parecerem constantemente desatualizadas.  Vamos consumir comunicação de modo rápido e poderemos ampliar o entendimento dos temas em plataformas que ofereçam análises aprofundadas e com especialistas nos temas. A AI também vai nos ajudar a fazer a curadoria das análises que nos interessam a partir de nossos perfis de consumo.

M&M – No futuro, com a IA em ação, como perceberemos autenticidade e criatividade? E, consequentemente, qual o impacto disso no consumo?

Ana – Inteligência vem de inter-legere, que significa escolher entre. A AI escolhe entre possibilidades existentes, portanto, a inteligência não produz nada de novo. A criatividade está relacionada com a forma atenta e sensível a que dirigimos nosso olhar para o mundo, conciliando objetos a priori inconciliáveis. Julgamos como criativo aquilo que surpreende, que choca, que chama atenção a partir de uma composição inusitada e inesperada. A AI poderá operar como parceira exponencial da criatividade humana, oferecendo análises, dados, otimizando pesquisas, trazendo insights e potencializando a produtividade. Desse modo, poderemos reconhecer a criatividade, mas ela deverá declarar os usos de ferramentas AI para trilhar um caminho ético. Quanto à autenticidade, já existe uma ideia de ponto de saturação nessa fase da AI,  em que o genuíno pode ser confundido com interesses de marketing ou como solução retórica uniforme: basta reparar nos apps de transações financeiras, marketplace no e-commerce, nas fórmulas de venda de cursos, no old money outfit  das micro influencers. A forma de pensar o consumo reflete a lógica de Walter Benjamin: o valor da obra de arte sempre será diferenciado de suas cópias ou reedições. Ou seja, a comunicação que conseguir oferecer algo genuíno e criativo vai ter mais valor para os consumidores, que vão pagar pelo privilégio do acesso a algo diferenciado.

M&M – A IA promete interações mais naturais e intuitivas, aproximando-se da cognição humana. Como isso pode impactar a criação e o consumo de conteúdo na economia criativa?

Ana – Sempre existiu o desejo humano de criar a tecnologia como “um duplo”, uma réplica automatizada do ser humano. Por esse motivo, essas interações naturais são apenas características antropomórficas aplicadas à tecnologia para que responda como um ser humano e não como uma máquina. A minha intuição inicial é a de que a capacidade de imitar os códigos gestuais e as respostas aos estímulos dos humanos não aproxima a AI da cognição humana. Claro que ninguém sabe o futuro com precisão e os efeitos da IA são mais imprevisíveis do que as mudanças tecnológicas anteriores. Portanto, de acordo com minha intuição,  a AI tem códigos humanos e os reconhece, mas está longe da cognição humana. Computadores não pensam, porque pensar envolve emoções e afetos. E a AI também falha, o que pode ser um problema no ecossistema da economia criativa, que depende das extensões de suas redes para sua própria manutenção. A AI pode ser uma aposta de produtividade, expansão e multiplicação das redes, porém ao falhar, não haverá suporte humano para solucionar problemas.

M&M – Com a IA cada vez mais integrada à experiência do usuário, como equilibrar automação e humanização para garantir que a comunicação continue relevante e envolvente?

Ana – O paradoxo automação e humanização é complexo porque consideramos opostos: se é humano não é máquina. A resposta pode estar na concepção dos primeiros buscadores tão século XX de nossos browsers: o mais simples, o mais intuitivo, o mais rápido, o mais eficiente, o mais direto possível. Estamos há 20 anos treinando máquinas, interfaces e as pessas para que sejam capazes de elaborar em poucas palavras e de forma clara o que precisam. É como operamos nossas assistentes pessoais atualmente: “faça isso, agende aquilo, apague as luzes”, ao que ela responde “tudo bem, ok, feito, agendado”. Considerando o ponto de saturação das mídias e a fadiga de telas, a relevância da comunicação estará na sofisticação de uma linguagem simples, eficiente e hiper personalizada.

M&M – Quais os desafios éticos e comunicacionais dessa personalização extrema?

Ana – A primeira ética da AI seria declarar absolutamente tudo o que foi gerado por AI. Como os pesquisadores declaram nas referências, como os jornalistas declaram nas fontes, como os advogados declaram nos artigos e parágrafos de seus códigos. O ser humano tem o direito de saber quando interage com uma AI e quando consome um produto de AI (seja um relatório, um texto, uma monografia, um post ou um vídeo). Se estamos usando a linguagem sem a atividade da crítica, da análise e da reflexão, já vivemos um dilema ético. A segunda questão a ser considerada é a condição de utilização que conserva e manipula o rastro dos dados e atividades dos usuários: até quando o ser humano vai se permitir ser clonado? O campo das regulamentações sem dúvida está atrasado em relação à ética da tecnologia, mas de modo geral sempre esteve, basta lembrar os maus usos do e-mail no início da internet (blacklists, suspensões, spam) e quanto tempo levou para que os usuários determinassem seus próprios níveis de privacidade nas redes sociais. O processo é demorado demais para um século tão “comprimido”.

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