A linguagem inclusiva por meio da comunicação

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Opinião

A linguagem inclusiva por meio da comunicação

Estamos fazendo com que todos se sintam pertencentes à forma de falar, escrever e se comunicar?


28 de agosto de 2024 - 10h00

*Este artigo foi construído de forma compartilhada com Wagner Ferrer, líder do grupo de afinidade LGBT+ do Comitê da Diversidade do Grupo Dreamers e diretor de Criação da Convert

Lélia Gonzáles (1)- mulher negra, importante pensadora, intelectual, filósofa, historiadora e ativista do movimento negro – cunhou nos anos 70 o termo ‘Pretuguês’ (2) para identificar a marca da africanização na nossa língua, na forma de se expressar usada pelas pessoas negras no Brasil. Segundo ela, considerar como erro de português o jeito de falar, suprimindo o R no final das palavras e/ou trocando o L pelo R em palavras como ‘Framengo’, por exemplo, seria utilizar a imposição da linguagem “culta” como mais uma forma de discriminação.

Refletindo sobre o ‘Pretuguês’, talvez possamos entender melhor a força ancestral e futura da nossa língua. A comunicação inclusiva, por exemplo, vem como mais um conceito para que possamos compreender o português como uma língua viva, em constante transformação, para além da necessidade de ser compreendida por todas as pessoas. Não podemos deixar de lado as incorporações que, de tempos em tempos, fazemos ao modo de falar e escrever, transformando a comunicação em algo realmente inclusivo.  

Aos olhos do universo corporativo, a linguagem neutra x a comunicação inclusiva vira tema de discussão e alerta. Qual seria a fórmula para usar o ‘todes’ sem ferir a língua e gerar preconceito ou para conseguir atingir todos os públicos, interno e externo, de forma inclusiva e não discriminatória? Estamos cada vez mais em um mundo não-binário, em que a identificação de gênero se torna mais fluida e com a necessidade de ser mais acolhedora, no sentido de gerar conversas que atinjam todos os públicos.  

Aprendi com o artista Wagner Ferrer que substituir o “Bem-vinde” por “Que bom que você chegou” pode ser o começo desta transformação na linguagem.  

(Crédito: Wagner Ferrer)

Vai daí, Wagner!

Nesse esforço de implementar uma linguagem inclusiva, tropeço na caretice de driblar o futuro, evitando alfinetar a língua portuguesa, mesmo reconhecendo que ela reforça estereótipos. Palavras são um sopro – “o ar que vem dos pulmões é modelado por inúmeras possibilidades de abertura da boca, movimento dos lábios e da língua. Sobe, desce, entorta, recolhe. A cada mexida são formadas vogais, consoantes, sílabas, palavras.” (3)  Pense na simples palavra “você” que foi por décadas, um deboche à monarquia e seu “vosmecê” – expressão criada para tratar quem não era “senhor”, e por isso, não poderia ser tratado como “tu” – pronome pessoal que já foi formal e hoje ninguém sabe bem como usar. 

Se fosse depender de “pessoa”, “você”, “chefe”, “presidente” e outras palavras não-binárias já vulgarizadas socialmente, o mundo não precisaria de “senhores”, “senhoras”, “senhoritas”, do “cara”, das “meninas do vôlei”, dos “moleques” e nem das “menininhas”.

O mundo binário é difícil para todos. É um caso histórico, assim como a revolução através da comunicação. Sempre sendo calados e é difícil colocar essa posição somente entre os grupos de afinidade, porque olhando de longe, num todo, é uma questão política – durante toda a história, quem pensou, agiu ou falou diferente, foi agredido, ameaçado e tudo mais que, hoje, sabemos. Enfim, é sobre repressão. 

Qualquer expressão que comunique sua identidade, seja ela de gênero, sexual ou social, deve-se respeitar sua resposta quando perguntarmos: “Qual é o seu pronome?”.   O seu direito termina quando começa o do outro, então o nosso direito de escolher como nos apresentar perante a sociedade, é indiscutível. A linguagem neutra propõe respeito e conquista do espaço de cada um – é sobre como você se sente e trata as pessoas nos espaços que ocupa.

Esse papo não pode ficar inerte em regras gramaticais. Antes de falar sobre “a última flor do Lácio, inculta e bela”, (4) revisite a história para entender que nosso português é crioulo (5) e que nossa revolução é silenciosa, porém vestida e ornada por palavras.  

E para aterrizar essa resenha em 2024, precisamos reconhecer que a experiência de gênero vai além da dicotomia masculino/feminino. Ser ele, ela, elu, travesti, trans, não-binário, madame, homem, mulher e o que você quiser ser, não depende da opinião de ninguém, é um direito humano de todes. 

Referências Bibliográficas

1. Lélia Gonzalez (Belo Horizonte, 1 de fevereiro de 1935 — Rio de Janeiro, 10 de julho de 1994) foi uma intelectual, autora, ativista, professora, filósofa e antropóloga brasileira. É uma referência nos estudos e debates de gênero, raça e classe no Brasil, América Latina e pelo mundo, sendo considerada uma das principais autoras do feminismo negro no país. Ademais, foi pioneira em pesquisas sobre Cultura Negra no Brasil e cofundadora do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras do Rio de Janeiro (IPCN-RJ) e do Movimento Negro Unificado (MNU). Lélia teve uma importante presença tanto na academia quanto no mundo político, tendo circulado por diversos espaços. Seus trabalhos abordaram perspectivas interseccionais quando o conceito em si ainda não tinha sido criado, atuando contra o sexismo e o racismo na sociedade e cunhando conceitos como o de “amefricanidade” e “pretuguês”.

2. “Minha pátria é a língua pretuguesa: crônicas”, Kalaf Epalanga. O Pretuguês é parte da africanização da língua portuguesa brasileira. As pessoas negras escravizadas, resistiam de inúmeras formas, lutando, fugindo, se organizando, mas também resistiam através da fala, no jeito de agir e na forma de viver que se enraizou na maneira de ser e agir de todo o Brasil.

3. “Ferdinand de Saussure” foi um linguista e filósofo suíço, cujas elaborações teóricas propiciaram o desenvolvimento da linguística enquanto ciência autônoma. Para Saussure, linguagem é uma faculdade humana, uma capacidade que os homens têm para produzir, desenvolver, compreender a língua e outras manifestações simbólicas semelhantes à língua. A linguagem é heterogênea e multifacetada: ela tem aspectos físicos, fisiológicos e psíquicos, e pertence tanto ao domínio individual quanto ao domínio social. Para Saussure, é impossível descobrir a unidade da linguagem. Por isso, ela não pode ser estudada como uma categoria única de fatos humanos. A língua é diferente. Ela é uma parte bem definida e essencial da faculdade da linguagem. Ela é um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias estabelecidas e adotadas por um grupo social para o exercício da faculdade da linguagem. A língua é uma unidade por si só. Para Saussure, ela é a norma para todas as demais manifestações da linguagem. Ela é um princípio de classificação, com base no qual é possível estabelecer uma certa ordem na faculdade da linguagem.

4. “Língua Portuguesa”, Olavo Bilac, 1919.

5. Línguas crioulas são, por uma definição mais ampla, linguagens originárias da necessidade de comunicação forçada entre povos falantes de duas ou mais línguas diferentes.

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