Separando o joio do trigo: afinal, o que é Propósito?
Não é uma carta de boas intenções; não é abraçar uma causa; e não é usar palavras com um pretenso apelo mas extremamente genéricas
Separando o joio do trigo: afinal, o que é Propósito?
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BuscarNão é uma carta de boas intenções; não é abraçar uma causa; e não é usar palavras com um pretenso apelo mas extremamente genéricas
Muitas vezes no nosso dia a dia, ainda usamos essa expressão: vamos “separar o joio do trigo”. Assim como muitas expressões, provérbios e ditados, vamos repetindo de geração em geração, e poucas vezes paramos para entender o seu significado ou origem. “Separar o joio do trigo” é uma dessas expressões. Ela vem do Novo Testamento, de uma das Parábolas, quando Mateus, durante o Juízo Final anunciava que os anjos iriam separar os “filhos do maligno” (o joio) dos “filhos do reino” (o trigo).
Hoje, centenas de anos após, em muitos momentos de nossas vidas precisamos mesmo separar o “joio do trigo”, ou seja, eliminar algumas coisas para purificar alguns entendimentos que estavam misturados. Na área de marketing e comunicação são muitas as coisas que mereceriam esse sentido de purificação, dessa separação do joio e do trigo. Uma delas em particular me interessa, o conceito de “propósito”.
Assim como muitas palavras em nosso mercado, em determinado momento, algumas delas ganham um status de celebridade e passam a fazer parte de conversas, briefings, manifestos e discursos. Por um lado, ótimo, isso mostra que é um tema que mexe com as pessoas, que sensibiliza e por isso é tão falado. Por outro lado, fala-se muito, mas com pouca consistência, com grande confusão de conceitos, com múltiplos entendimentos e desentendimentos.
Propósito vira a solução para tudo. Basta uma empresa ter alguma boa intenção que já vira o seu Propósito. Todo empresário fala de peito estufado: “claro, temos um Propósito”. Quando se olha de forma mais próxima, ele tem uma frase bonita pendurada na parede e que pouca ressonância têm junto à sua equipe, menos ainda do lado de fora, aos olhos do mercado.
Sim, peloamordedeus, está na hora de separarmos o “joio do trigo”. Está na hora de separarmos o que é propósito com letra minúscula daquilo que é Propósito que merece ser escrito com letra maiúscula. Vamos começar com o que não é Propósito:
• Propósito não é uma carta de (boas) intenções. Não basta definir que o Propósito é “fazer o melhor produto para atender às famílias brasileiras”, por exemplo. Isso é algo que uma empresa pode fazer, mas nem de longe isso é um Propósito.
• Propósito não é abraçar uma causa. Salvar as baleias, preservar a fauna brasileira ou erradicar a fome no mundo são atitudes louváveis, mas não por isso podem ser confundidas com Propósito. Esses três exemplos são atividades que uma empresa pode fazer, algumas vezes até inspirada num Propósito. Mas elas em si não são um Propósito.
• Propósito não é algo que se inspira no olhar para fora, em alguma demanda de mercado. Não tem um Propósito legítimo quem o define quase como um posicionamento de mercado, algo que tem acima de tudo uma referência no outro, em minha posição de mercado frente ao outro.
• Propósito não é usar palavras com um pretenso apelo mas extremamente genéricas. Por exemplo, vi em um tapume de obra a seguinte frase, como se fosse um propósito: “Inovar para transformar”. Inovação e transformação não individualizam empresa alguma, não traduzem uma verdade única e, portanto, não podem ser assumidas como um Propósito inspirador.
Esses quatro pontos acima são apenas o “joio”. Mas afinal, onde está o “trigo”? O que é Propósito? “Trigo” é aquilo que fermenta, que cresce, que expande o sentido e a vida de uma empresa. Se citei o Apóstolo Mateus, dos primeiros anos depois de Cristo, volto ainda décadas atrás e relembro Aristóteles, com sua fala de 300 A.C: “Onde suas autênticas qualidades se encontram com as necessidades do mundo, aí está sua vocação”.
Se na frase acima substituirmos “vocação” por Propósito, fica muito fácil entender o conceito. Ou seja, o que chamamos de Propósito é exatamente o que está nessa maravilhosa intersecção. De um lado, as autênticas qualidades, talentos e virtudes de uma empresa. Do outro, necessidades do mundo, da sociedade ou do Brasil que podem ser atendidas pela empresa, a partir de seus talentos.
Pronto: é no encontro dos talentos (de uma marca, empresa ou até mesmo pessoa) com algo que o mundo precisa onde mora o Propósito. O Propósito de verdade, com letra maiúscula. Ele é, em outras palavras, a razão de ser de uma marca, empresa ou pessoa. Assim, o Propósito faz uma ligação entre quem a empresa, marca ou pessoa é e com aquilo que o mundo precisa. Uma coisa sem a outra não existe. Propósito não existe se não atende uma necessidade social. Tampouco existe se ele não expressar a verdadeira alma da empresa. Propósito só existe se os dois lados da frase de Aristóteles forem respeitadas. Sem isso, não há vocação, não há Propósito. Sem isso só temos “joio”. Mas não temos “trigo”.
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