Sociedades abertas vão demandar comunicação aberta
Será um longo caminho, sem dúvida, difícil, mas inevitável, já que a mídia se tornou um grande ecossistema, e seus profissionais caminham na mesma direção
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Vocês devem se lembrar, ou pelo menos ter visto nos filmes, quando, no tempo da vovó, costumava-se guardar dinheiro embaixo do colchão, e as receitas, no caderninho. Ambos eram segredos de estado, até que a vovó resolvesse revelá-los. Tudo isso começou a mudar progressivamente, com o advento da internet, há 30 anos, e, na última década, com a massificação dos smartphones. Hoje você encontra as receitas da vovó no Google e seu ‘dinheirinho’ virou bits e bytes no software da conta corrente do banco. Não há mais segredos de caderninho!
As sociedades tornaram-se mais abertas e começaram não apenas a aceitar, mas também a demandar o compartilhamento de informações. Nossa vida tornou-se pública nas redes sociais. Nosso prontuário médico eletrônico pode, com nossa autorização, ser compartilhado entre as entidades de atendimento médico. Nossas linhas de celulares nos pertencem e podem ser portadas, livremente, entre operadoras. Mais recentemente, foram os bancos que começaram a compartilhar as informações financeiras de seus clientes (open banking).
É preciso, no entanto, que se entenda aqui o sentido do termo compartilhamento. Não se trata de autorização para que as empresas possam divulgar livremente as informações proprietárias dos cidadãos. Muito pelo contrário, vide a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em plena vigência. Compartilhamento significa a ampla propriedade dos seus dados (prontuários, dados pessoais e financeiros, linhas telefônicas etc.) pelo cidadão que os compartilha, quando e para quem quiser. Trata-se da sociedade aberta, com seus “open tudo” (open source, códigos de computador abertos; open health; e open banking).
Da mesma forma que a linha do celular é portável, no open banking tenho a determinação de escolher em qual instituição farei uma operação. Na verdade, antes da vigência dos protocolos técnicos (sistema financeiro aberto), determinados pelo Banco Central em 4 de maio de 2020, os usuários já tomaram posse de sua liberdade financeira. É possível, por exemplo, manter a conta corrente num determinado banco, cartão de crédito com bandeira de outro, e ainda fazer investimentos num terceiro. A chave do “open tudo” são os ecossistemas de funcionamento de um setor.
A portabilidade de dados de um indivíduo entre instituições depende grandemente da integração e da confiança nos operadores de um grande ecossistema.
Diferentemente desses segmentos, a indústria da comunicação ainda não entendeu que a open communication também é inevitável, e que suas agências, de qualquer tipo, deveriam estar conectadas em um grande ecossistema, que permitisse aos usuários (no caso, as empresas) saltar de um provedor para outro, conforme o tipo de serviço necessário em um determinado momento. Isso evitaria muitas RFPs trienais ou bienais (o famoso compliance), o que não só quebraria a sequência de trabalho das agências e frustraria os clientes, como também evitaria que empresas tivessem de escolher entre o modelo centralizado (agência multitarefa, comunicação integrada) ou best of breed (com várias agências, uma para cada especialidade). E será que isso é possível? Eu acredito que sim.
A abertura do setor de comunicação e marketing será inevitavelmente disparada, como nos demais setores, pelo dono das informações, que é sempre o cliente. Mas, num mercado aberto, além da vontade do cliente, as empresas têm de, necessariamente, operar em um ecossistema integrado e confiável, para que a abertura se consuma de forma a proteger os interesses e os direitos de todos.
Trazendo isso para a comunicação, teríamos de integrar mais o setor na direção de um pool de serviços das agências, em que os mais simples pudessem ser prestados por qualquer uma delas, e os mais sofisticados, aí sim, considerariam valores de qualificação e diferenciação de cada concorrente. Por exemplo, serviços simples e de volume, como a produção e postagem de informações em redes sociais, poderiam ser trabalhados por qualquer agência do pool, sem que o cliente se preocupasse com isso.
Já serviços como relacionamento com stakeholders, campanhas com influenciadores, de comunicação integrada e geração de leads seriam prestados como serviços diferenciais entre as agências concorrentes, cabendo ao cliente escolher a que considerasse mais qualificada do pool, ou contratasse diretamente, fora do pool. De quebra, veríamos a formação de um mercado de freelancers de qualidade, treinado e regulado pelo pool de agências. Outra consequência interessante seria a redução dos times fixos das agências e do custo de seus serviços.
Um longo caminho, sem dúvida, difícil, mas inevitável, já que a mídia se tornou um grande ecossistema, e seus profissionais caminham na mesma direção. Hoje as associações de agências de comunicação são segmentadas mais pelas ofertas, e nenhuma delas tem força suficiente para regular o mercado de maneira completa. A abertura do mercado, com a integração das agências, passa pela criação de um órgão regulador forte, como a Febraban, no caso dos bancos. O caminho me parece inevitável e, ainda que as agências relutem, todos os mercados caminham em direção à abertura e à livre escolha.
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