Um dedo de prosa sobre 2024
Não dá pra esperar um descontentamento ficar gigante pra fazer alguma coisa
Não dá pra esperar um descontentamento ficar gigante pra fazer alguma coisa
Janeiro é a grande segunda-feira do mundo. Assim como no início da semana, é no início do ano que as pessoas prometem – e se comprometem – a começar coisas. Fazer exercícios, se alimentar melhor, cuidar da saúde, se estressar menos, ser mais resiliente, procurar um emprego melhor e por aí vai. Mas neste começo de ano eu me peguei pensando na cidade de Westfort, no pouco habitado estado de Vermont nos Estados Unidos. Já ouviu falar? Nem deveria.
Westford é uma daquelas cidadezinhas (como ênfase no diminutivo) onde nada acontece. É uma área predominantemente rural com uma população de pouco mais de dois mil habitantes, onde a última coisa digna de nota é ser identificada como lugar onde nasceu o músico Jonathan Mann (que, aqui entre nós, também nem é lá grande coisa). Mas é lá que vive um cara chamado Ted Pelkey que me fez pensar em Westford e ajudou a colocar essa até então insignificante cidade no mapa. E é aqui que as resoluções já, já vão entrar na história.
Mas voltemos a Ted Pelkey. Ele é um americano comum que trabalha com conserto de caminhões e reciclagem de monofilamentos. E faz isso na vizinha cidade de Swanton. Seu trabalho fica a apenas 40 km de distância de Westford, mas num lugar onde a temperatura pode passar dos 30º negativos, não parece ser o tipo de coisa que faz você sair animado da cama todo dia de manhã, certo?
Então, Ted entrou com um pedido na prefeitura para construir uma estação de trabalho em sua propriedade. Um pedido que pra mim parece bem razoável. Mas, aparentemente, as autoridades da cidade não pensam como eu. Porque o pedido foi negado. E negado. E negado mais uma vez. Não uma, não duas, nem três vezes. Mas durante dez anos. Você leu certo. Por uma década, Ted vive um processo kafkiano para conseguir a tal da autorização.
Como final de ano é época de resoluções, ele também aproveitou para fazer a sua. Em dezembro de 2018, Ted resolveu tornar público seu descontentamento. Ele queria mostrar para as pessoas exatamente como ele se sentia. E fez isso do jeito mais épico possível. Não com um textão, não com um vídeo no TikTok, nem com protesto e greve no estilo Greta Thunberg. Mas com uma estátua.
Ele pegou cerca de US$ 4 mil dólares do seu próprio bolso e transformou um bloco de pinheiro de mais de 300 quilos em uma gigantesca escultura. A obra que Ted encomendou tinha a forma de uma mão com o dedo do meio estendido. Sim, isso mesmo. Ele não só mandou fazer uma imensa escultura com o dedo do meio em riste, como a colocou num poste de 5 metros de altura, iluminada por holofotes, para que toda a cidade pudesse ver dia e noite o tamanho da sua decepção.
Corta para o dia 31. Na minha retrospectiva mental de 2023 revisitei as coisas boas e ruins do ano. E pensei sobre o trabalho. E a quantidade de pessoas que sabem colocar preço em tudo, mas nunca sabem dar valor pra nada. Nos discursos bonitos sobre ESG, etarismo, sexismo que na maioria das vezes continuam sendo apenas discursos. No mercado que vende inovação, mas custa tanto para aceitar as mudanças. E em plena virada do ano eu me lembrei do Ted Pelkey e da sua escultura. Me lembrei de Westford e dos dez anos seguidos de negativas. E que não dá pra esperar um descontentamento ficar gigante pra fazer alguma coisa. Às vezes, tudo que precisa é de um pouco de coragem e mover um dedo. Porque mandar o que nos incomoda pra bem longe pode ser libertador.
Feliz 2024.
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