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Como surgiu o Outubro Rosa no Brasil? 

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Como surgiu o Outubro Rosa no Brasil? 

Lideranças femininas falam sobre a história da campanha de conscientização do câncer de mama e seus impactos na comunicação e na sociedade


23 de outubro de 2024 - 11h50

Outubro é o mês rosa. Período em que, em cada canto das cidades brasileiras, há uma campanha que remete à luta contra o câncer de mama. Apesar de ser um movimento amplo na sociedade, a campanha foi criada na década de 1990 pela Fundação Susan G. Komen for the Cure e a American Cancer Society, nos Estados Unidos. 

No Brasil, o movimento chegou com força mais tarde, a partir de 2008, com a criação de uma campanha promovida pela farmacêutica Roche e a Femama (Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama), em parceria com a Ogilvy. Antes, existiram ações isoladas: o primeiro relato que temos de uma ativação do Outubro Rosa no País foi em 2002, quando iluminaram de rosa o monumento Mausoléu do Soldado Constitucionalista, o Obelisco do Parque Ibirapuera, na cidade de São Paulo.  

Não por acaso, quem esteve por trás das primeiras ativações de Outubro Rosa no Brasil foram lideranças femininas e a médica mastologista Dra. Maira Caleffi, uma das principais articuladoras para que o movimento ganhasse força no País. A campanha envolveu muitos esforços de relações públicas e contribui ainda hoje para mudanças sociais e políticas importantes para a saúde das mulheres no País.

Criação da Femama

Após uma temporada nos Estados Unidos, em que concluiu seu pós-doutorado, Dra. Maira Caleffi voltou ao Brasil e fundou o Imama (Instituto da Mama do Rio Grande do Sul). “Fui convidada para fundar outros institutos da mama em várias partes do Brasil, mas percebi que seria impossível gerir tudo sozinha. Então, comecei a estudar maneiras de tornar o movimento mais nacional, e entre 2003 e 2004, notei que as ONGs eram desorganizadas, cada uma com suas demandas ao governo, sem uma voz única e representativa”, conta. 

Assim, ela organizou um seminário em São Paulo para definir objetivos em comum e entender as demandas dessas organizações. Em dois dias, o grupo elaborou os pilares estratégicos que se tornaram a Femama. “Fundamos a organização em 2006, como uma federação que unia esforços de forma organizada e baseada em evidências científicas, respeitando a identidade e cultura de cada ONG”, lembra. 

Dra. Maira Caleffi, uma das principais articuladoras para que o Outubro Rosa ganhasse força no Brasil, é médica mastologista, chefe do Núcleo Mama do Hospital Moinhos de Vento e
presidente voluntária da Femama
(Crédito: Divulgação)

“À época, estabelecemos três pilares. O primeiro era aumentar a cobertura mamográfica no Brasil, pois sabíamos da importância do diagnóstico precoce. O segundo era melhorar a qualidade das mamografias, que variava muito entre regiões, gerando muitos falsos negativos. O terceiro era garantir que o intervalo entre o diagnóstico e o início do tratamento fosse de, no máximo, 30 dias, reconhecendo que o câncer de mama é tempo-sensível e que atrasos aumentam as mortes”, afirma a doutora. 

O Cristo Redentor rosa

Em 2008, como parte de uma estratégia de relações públicas para gerar conhecimento sobre a importância da conscientização da população sobre o câncer de mama no País, a Femama encomendou uma pesquisa ao Datafolha para entender o nível de conhecimento das mulheres sobre a mamografia como método de detecção precoce da doença. Assim, descobriram que a maioria delas não sabiam da importância do exame. A partir desses resultados, a segunda etapa da ação foi a criação de uma campanha que conscientizasse as pessoas sobre o diagnóstico precoce da doença. 

“Em 7 de outubro de 2008, fui convidada pela Susan G. Komen, ao lado de Laura Bush, para uma ação em que iluminamos a Casa Branca de rosa. No dia 28 de outubro do mesmo ano, conseguimos iluminar o Cristo Redentor pela primeira vez, marcando o início do Outubro Rosa no Brasil. Já havia outras iniciativas menores por aqui, mas conseguimos, com parcerias, trazer o símbolo mais importante para nós: o Cristo Redentor”, conta Dra. Maira.

Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, iluminado em ativação do Outubro Rosa (Crédito: Shutterstock)

O case ficou marcado como uma ação de marketing de causa, PR de guerrilha ou “PR stunt” — a expressão varia conforme a corrente de comunicação e a época de quem analisa o fenômeno — que logo serviria de referência para outras campanhas de awareness no Brasil, sobretudo na área de saúde, e depois se tornaria uma sugestão corriqueira nas mesas de brainstorm de agências do País.”

A força do RP para criação de políticas públicas

Naquele ano, a ação teve ampla cobertura da imprensa e contou com mulheres ilustres como a jornalista Glória Maria, que foi convidada para ser madrinha da campanha. Além dela, a apresentadora Ana Maria Braga também participou da cerimônia de iluminação e realizou uma entrevista ao vivo com a presidente do Femama, Dra. Maira Caleffi. Naquela noite, a imagem do Cristo Redentor rosa fechou a edição do Jornal Nacional, da Rede Globo. 

“O Cristo Redentor é um símbolo forte da brasilidade, com uma presença marcante tanto na paisagem urbana quanto geográfica, e isso gerou uma repercussão enorme. Tivemos destaque em jornais, revistas, mas, para mim, o maior símbolo desse impacto foi que, já no segundo ano, empresas e entidades começaram a nos procurar querendo participar”, conta Renata Saraiva, diretora da PR da Ogilvy à época. Hoje, a executiva é sócia-fundadora da Truly, agência de comunicação. 

Depois do sucesso da campanha de conscientização, a Femama, presidida pela Dra. Maira Caleffi, encabeçou a batalha pela lei que determinava que a mamografia deveria ser realizada a partir dos 40 anos de idade. Como o tema já estava na pauta da opinião pública devido aos esforços de relações públicas e à repercussão da ativação, o objetivo foi alcançado. “Mais tarde, em 2012, começamos a lutar pela lei dos 60 dias, que estabelece que o tratamento deve iniciar em até 60 dias após o diagnóstico. E, o mais importante: essa lei passou a valer para todos os tipos de câncer, e não apenas o de mama”, afirma a médica. 

Ana Paula Delgado, que à época trabalhava na área de awareness da Roche, destaca o sucesso do primeiro ano do Outubro Rosa no Brasil. “No ano seguinte, uma nova pesquisa foi realizada e mostrou que a conscientização das mulheres havia aumentado significativamente, comprovando o impacto positivo das campanhas”. 

No mesmo ano, a Dra. Maira Caleffi criou um colar de contas rosa que aumentavam de tamanho para mostrar simbolicamente os tamanhos dos tumores. “Mesmo um pequeno caroço no seio era suficiente para alertar sobre o câncer, reforçando a ideia de que o exame de toque não é suficiente. Esse colar ajudava a ilustrar a mensagem da campanha sobre a importância da detecção precoce para aumentar as chances de cura”, lembra Renata Saraiva. 

Repercussão e disseminação

Com o sucesso da campanha, no ano seguinte, 2009, a Roche e a Femama, juntamente com a Ogilvy, deram seguimento às ações do Outubro Rosa, com ativações em São Paulo e Brasília (capital estratégica para ações de relações governamentais que pressionem governos e autoridades para criação e mudança de políticas públicas), além da iluminação do Cristo, e com o engajamento de mais mulheres notáveis, como Taís Araújo e Maitê Proença. 

Desde então, o Outubro Rosa se tornou uma data fixa no calendário, tão importante e memorável quanto o Natal, Páscoa ou o Ano Novo. Apesar de ter sido iniciada de maneira mais consistente e organizada pela Roche e a Femama, a campanha não tem dono. “Hoje, o Outubro Rosa é ativado por todos os tipos de empresas e pessoas. Mesmo que seja algo simples, como ter um lacinho na mesa ou promover uma ação no clube, na empresa, ou no bairro, ele está em todo lugar”, reflete Renata. 

Renata Saraiva, diretora da PR da Ogilvy à época da primeira iluminação do Cristo Redentor para o Outubro Rosa, e sócia-fundadora da agência de RP Truly (Crédito: Divulgação)

Inclusive, apesar de focar no câncer de mama, atualmente, a campanha também destaca outros tipos de câncer que acometem as mulheres com frequência. “O Outubro Rosa começou com foco na detecção precoce e na mamografia, mas já abrange outros temas, como o câncer de colo de útero e as pacientes metastáticas”, afirma Ana Paula. 

A força do movimento também serviu de inspiração para outras campanhas de meses coloridos, em especial o Novembro Azul, com foco no câncer de próstata. “Eu acho que, no Brasil, o Outubro Rosa contribuiu bastante para esse movimento. Talvez em outros países isso já estivesse mais avançado, mas, do que eu observei, não se falava em Novembro Azul, por exemplo. Hoje, a maioria das marcas já sentem a necessidade de participar dessas campanhas, seja no Outubro Rosa ou no Novembro Azul”, avalia Renata. 

Impacto no panorama do câncer

Uma pesquisa recente da Ipsos destaca que 94% dos brasileiros estão cientes sobre a existência da campanha do Outubro Rosa. Em segundo lugar, com 89%, aparece o Novembro Azul, voltado ao combate ao câncer de próstata, seguido pelo Setembro Amarelo, focado na prevenção ao suicídio, com 73%. O estudo também revela que 75% das iniciativas de combate ao câncer de mama se concentram em ampliar o acesso a exames de rastreamento, enquanto 38% se destinam a treinamentos e materiais para equipes multidisciplinares. 

“Há 20 ou 25 anos, o câncer de mama não era um assunto discutido. Agora, com o Outubro Rosa, as caminhadas, os lacinhos e tudo mais, esse tema passou a ser uma conversa dentro de casa. E isso se reflete nos números do Inca (Instituto Nacional de Câncer), que mostram um aumento impressionante na quantidade de pessoas em busca de hospitais e serviços para fazer exames. Sem dúvida, isso ajudou muito e continuará a ajudar, especialmente com outros tipos de câncer”, reflete a mastologista. 

“Durante esse período, os pedidos de mamografia aumentam de 20% para quase 100%, mas depois caem novamente. Ou seja, o impacto do Outubro Rosa é muito importante, mas precisamos garantir que essa conscientização continue ao longo do ano, para que as pessoas não se esqueçam”, complementa Caleffi. 

A campanha não apenas conscientizou sobre a importância dos exames e do diagnóstico precoce, mas também teve impacto sobre a percepção da doença. “O Outubro Rosa foi fundamental para desmistificar o câncer e reduzir o estigma pesado que existia. Quando eu era mais jovem, as pessoas nem falavam a palavra ‘câncer’, diziam ‘ela está com aquela doença’. O movimento trouxe essa discussão à tona, e hoje as pessoas falam sobre o assunto de maneira mais leve e consciente”, pontua Ana Paula. 

Apesar de toda a repercussão e da força da campanha, o Brasil ainda enfrenta desafios no combate à doença. Por aqui, o câncer de mama é o tipo mais incidente em mulheres, depois dos tumores de pele não melanoma, e é a primeira causa de morte por câncer em mulheres, representando 16% do total de óbitos pela doença, segundo o Inca. 

De acordo com a pesquisa da Ipsos, o levantamento com base na análise de oncologistas aponta que 52% das pacientes recebem o diagnóstico no estágio inicial e seguem para o tratamento. Em um período de um mês comum, 37% do total de pacientes atendidas por mês têm câncer de mama. 

Sob o ponto de vista da conscientização, a médica destaca que a campanha do Novembro Azul ainda precisa ganhar mais força e adesão pelos homens, visto que o câncer de próstata é o de maior incidência neles, correspondendo a 30% dos casos. Além disso, ela também reforça a importância de falar sobre as outras formas de cânceres que afetam com frequência as mulheres. De acordo com dados do Inca de 2023, o câncer de mama representou 30% dos casos nelas, seguido do câncer de cólon e reto (9%), colo do útero (7%) e de traqueia, brônquio e pulmão (6%).  

“Não podemos tolerar a alta mortalidade, especialmente sabendo que há de 90% a 95% de chance de cura. O Outubro Rosa precisa ir além da iluminação de prédios: deve ser um movimento de advocacy. Agora, a incidência está aumentando progressivamente, algo que tem ocorrido nos países de baixa e média renda, diferentemente dos países com políticas públicas mais eficazes. Aqui, temos políticas, mas precisamos garantir que o governo e os gestores as cumpram”, defende a doutora. 

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