A estratégia por trás da volta da edição impressa da Capricho
Andréa Martinelli, editora-chefe da publicação, fala sobre o novo reposicionamento editorial da revista e o retorno às bancas
A estratégia por trás da volta da edição impressa da Capricho
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Lidia Capitani
28 de janeiro de 2025 - 9h31
Andréa Martinelli é a atual editora-chefe da revista Capricho, cargo que assumiu há três anos. Com um background sólido como jornalista de política, sociedade e direitos das mulheres, Andrea trouxe uma visão renovadora para a revista, focando em expandir o público e ampliar o escopo de cobertura que caracterizou a Capricho por tantos anos.
Ao longo de sua trajetória, traçada em veículos como Huffpost e R7, ela tem trabalhado para modernizar o conteúdo da revista, integrando temas mais profundos e relevantes para a juventude, como política, economia e questões sociais, mantendo sempre o espírito inovador que marcou a história da publicação.
Sob sua liderança, a Capricho passou por um reposicionamento editorial significativo. A marca adotou um novo conceito — “Manifeste, desobedeça, seja você” –, com o objetivo de aproximar a revista de seus leitores de maneira mais autêntica e acessível, com um tom menos autoritário e mais voltado para a conversa e a expressão criativa. Essa transformação incluiu desde mudanças no design da marca até a ampliação do conteúdo para incluir mais diversidade de temas, como política e meio ambiente.
Esse novo momento editorial culminou em uma importante decisão: a retomada da versão impressa da Capricho, que foi lançada em dezembro de 2024. A edição marcou um retorno esperado e comemorado pelos leitores, trazendo na capa Bianca Andrade, uma figura que representa a conexão entre o passado, o presente e o futuro da juventude brasileira.
Confira a entrevista com Andréa Martinelli sobre este novo momento da revista Capricho, que iniciou com o reposicionamento editorial e culminou no retorno da versão impressa, após 10 anos de seu fim.
Quando você assumiu o posto de editora-chefe da Capricho e como tem sido desde então?
Faz três anos que assumi o cargo de editora-chefe da Revista Capricho, e um de nossos objetivos era expandir para um público mais amplo. A faculdade nos ensina a fazer jornalismo de forma muito tradicional, por exemplo, que devemos escrever um lead e pronto. Já na Capricho, muitas vezes precisamos encontrar maneiras alternativas para explicar temas complexos ao público jovem. Como fazer alguém que nunca teve contato com conteúdos aprofundados, como as eleições no Brasil, se interessar por isso?
Além disso, tem sido desafiador devido ao próprio legado da Capricho. Quando entrei, pensei: “Ok, vamos lá, como recusar um convite desses, de trabalhar e evoluir um veículo que eu mesma consumia quando era adolescente?” Tem sido um desafio divertido, porque a Capricho tem esse espírito, sabe? A gente se diverte muito com tudo o que fazemos na redação.
Qual foi o maior desafio dessa evolução?
Venho de um lugar completamente diferente, com um escopo de cobertura em política, sociedade e direitos das mulheres. Quando entrei na Capricho, sabia que meu foco seria outro, mas sem deixar esse legado de lado.
A intenção desde o começo foi transformar a marca, e fizemos isso aos poucos, conforme entendíamos quais caminhos seguir. O maior desafio tem sido mudar a direção editorial de um veículo tão importante para o público jovem no Brasil e, de maneira geral, para a população. A Capricho tem 73 anos e, quando descobri isso, percebi o quão valiosa ela é, apesar de ter sido, em alguns momentos, subestimada pelo mercado e pelo público.
Nos anos 2000, com o início da internet, a Capricho foi revolucionária, e a gente brinca que muitos veículos hoje estão fazendo o que a Capricho já fazia naquela época, justamente por sempre ter tido essa conexão com o que estava surgindo, e com o público jovem. Todo mundo que passou por aqui contribuiu para essa história, e é um prazer dar continuidade a isso. Mesmo sendo desafiador, é também muito divertido.
A marca passou por um reposicionamento editorial. Como foi esse processo?
Quando entrei na Capricho, logo recebi tarefas práticas. A marca tem um braço muito forte de licenciamento de produtos, como mochilas e cadernos, e mantém uma campanha de volta às aulas muito sólida. Toda a aprovação de material é feita pela redação, então precisava cuidar dessa parte, atualizando os parceiros para o novo momento da marca, mantendo a tradição, mas também trazendo novidades, como parcerias em moda e beleza. Um exemplo disso foi a colaboração com a Herself, uma marca de moda praia com absorventes reutilizáveis.
Além disso, minha função também envolvia coordenar a redação e o time editorial, mas o que realmente me encantou foi tocar um projeto de política na Capricho, um tema que achei super relevante para esse público jovem. Em 2022, durante o ano eleitoral, fizemos um projeto editorial chamado “CH na Eleição”, com matérias e vídeos quinzenais sobre os principais temas da eleição, além de abordar questões importantes para a juventude, como educação, segurança pública, direitos reprodutivos, economia e meio ambiente.
Esse projeto foi uma grande honra, pois nunca antes a Capricho havia feito uma cobertura tão ampla sobre política, especialmente sobre o processo eleitoral e a educação política dos jovens. Em 2023, começamos a pensar em como posicionar a Capricho de forma mais atual, pois muitos viam a marca apenas por meio de seu passado. Foi então que surgiu a provocação da diretoria: “Precisamos tirar o cor-de-rosa da Capricho.”
Essa provocação me surpreendeu, mas também me motivou a pensar sobre o que realmente isso significava. Trabalhamos em cima dessa ideia e, a partir disso, fizemos um reposicionamento editorial, criando um novo conceito-chave: “Manifeste, desobedeça, seja você”.
Como vocês chegaram a esse conceito?
Antes de definir o conceito de “desobediência”, pensamos bastante. Poderia gerar várias interpretações, como, por exemplo, a ideia de que a Capricho estava incentivando a rebeldia sem causa. Mas a proposta era outra. A ideia de desobedecer não é fazer algo errado, mas se expressar de maneira autêntica, criativa, lúdica, até mesmo se distanciando do celular. É mais sobre inspirar as pessoas a não seguir o que todos estão fazendo.
Na internet, estamos saturados de ver todo mundo fazendo as mesmas coisas. Então, aproveitamos esse momento para nos posicionar como um lugar que oferece uma visão mais ampla, que vai além do que um feed pode oferecer. Queremos convidar o público a ir além, a vir ler a Capricho e explorar outras perspectivas. Foi assim que definimos esse novo momento, que reflete esse novo caminho que estamos trilhando. O objetivo era tirar a Capricho do papel de autoridade e colocá-la ao lado do público jovem, com um tom mais amigável e acessível, sem ser professoral. A ideia era criar um conteúdo mais próximo, com a linguagem da internet, de memes, para explicar temas complexos.
A partir disso, expandimos a Capricho para um público mais amplo, não mais restrito ao público feminino. A Capricho é majoritariamente consumida por meninas, mas decidimos incluir os meninos, que representam 30% da nossa audiência. Para isso, integramos mais diversidade e criamos conteúdos com influenciadores e novos talentos, em áreas como política, meio ambiente e moda. Isso também foi refletido nas capas da revista digital. A primeira capa digital deu destaque aos jovens da “Galera Capricho”, um grupo de leitores que colabora ativamente com a marca, e perdura desde a época das cartas do leitor na revista. Eles participaram do processo de aprovação e das decisões sobre o reposicionamento editorial.
No processo de reposicionamento, também fizemos mudanças no design da marca, com novas cores e uma repaginação do cor-de-rosa, que deixou de ser a protagonista, mas continuou presente. Esse movimento foi refletido nas edições digitais, com novas capas e temas que conectam a Capricho com a juventude atual, sem perder sua essência.
As edições digitais se tornaram a principal plataforma para esse novo momento editorial, e, embora o site continue com o conteúdo de sempre, ele agora adota um tom mais jornalístico, com matérias mais aprofundadas e entrevistas com especialistas. A resposta tem sido muito positiva, com um engajamento real do público. A edição impressa de dezembro de 2024 coroou esse momento, e o trabalho continua, sempre experimentando novas formas de conectar com a juventude.
Como surgiu a decisão de voltar a fazer uma edição impressa da revista?
A ideia de voltar com edições impressas estava na nossa cabeça há muito tempo, desde o início do reposicionamento editorial. A gente se inspira muito em veículos internacionais, como a Rookie, criada pela Tavi Gevinson, que não vinha da imprensa tradicional, mas fez algo inovador. A Rookie teve edições anuais especiais, e, inicialmente, queríamos seguir esse formato para a Capricho. Pensamos em fazer algo mais exclusivo no final do ano, mas depois decidimos que seria interessante ter essas edições duas vezes por ano, apresentando a Capricho de uma maneira diferente aos leitores.
Quando finalmente decidimos fazer, em dezembro, enfrentamos um grande desafio. Precisávamos de muita gente para que isso acontecesse, desde freelancers para escrever até apoio de publicidade, comercial e a diretoria para aprovar o projeto. Vimos que a experiência analógica estava ganhando força, especialmente com a crescente valorização de experiências offline, como a proibição do celular nas escolas. Isso nos ajudou a convencer a diretoria a seguir com a ideia.
Também havia uma demanda dos leitores por uma experiência mais tangível. Toda vez que publicávamos uma capa digital, o comentário mais comum era: “Quero essa capa impressa!” E não eram só os leitores mais velhos, mas jovens de 15 a 18 anos que pediam. Isso nos motivou a seguir em frente com o projeto. A produção foi intensa e nunca senti tanto reconhecimento por algo que fizemos.
Fiquei muito feliz com a repercussão, especialmente com a capa da Bianca Andrade, uma empresária que tem uma conexão com públicos de diversas idades. Ela ajudou a contar a história da Capricho, com foco no presente, passado e futuro, o que fez total sentido para essa edição de final de ano, que tradicionalmente traz retrospectivas e perspectivas. A edição trouxe conteúdos interativos e fotocards homenageando as capas das edições digitais, celebrando esse retorno que tanto os leitores aguardavam. Quando as três capas esgotaram nas bancas, vimos que o projeto havia dado certo. Estávamos inseguros porque sempre existe a possibilidade de dar tudo errado (risos), mas funcionou bem, e o carinho do público pela Capricho ajudou muito.
A Capricho tem esse poder de gerar desejo tanto nos leitores mais velhos, que consumiam a revista na adolescência, quanto no público novo, que ainda se conecta com a marca. Essa experiência offline é estratégica para a manutenção da Capricho, pensando no modelo de negócios para os próximos anos. Vivemos um momento de desvalorização da imprensa tradicional, com a ascensão da internet, e, como jornalista, me formei num período em que muitos previam o fim do impresso. A Capricho deixou de ser impressa, mas agora estamos num novo ciclo. É muito gratificante ver a repercussão positiva dessa mudança, e estamos empolgados para as próximas edições, em julho e dezembro deste ano.
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