Há relação entre desenvolvimento e justiça climática?
Em situação de crise climática intensa, onde você se encontra na régua de vulnerabilidade e o que pode ser feito pelo seu gestor público, pela sua empresa ou por você mesmo?
Há relação entre desenvolvimento e justiça climática?
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23 de maio de 2024 - 6h17
Impossível permanecer imune à tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul. Quem atua na área de sustentabilidade, então, foi inundado por reflexões sobre o presente e o futuro, e sobre quem estará protegido e quem está mais suscetível aos eventos climáticos que sucederão.
Não existe uma única teoria que defina desenvolvimento. Durante muitos anos desenvolvimento significou apenas crescimento econômico e acúmulo de riqueza. Do acúmulo de metais preciosos, ouro e prata, aos excedentes de produção agrícolas e propriedade da terra até revolução industrial, que trouxe o acúmulo de capital como riqueza para os detentores dos meios de produção e trouxe também a intensificação do uso de combustível fóssil.
Com um olhar diferente sobre o tema, Amartya Sen, um dos idealizadores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e prêmio Nobel de Economia, aponta que o desenvolvimento deve estar relacionado sobretudo com a melhoria da vida que as pessoas levam, o que inclui um conjunto de disposições sociais como acesso a serviços de saúde, educação, moradia e aos direitos civis.
O componente meio ambiente entrou no cenário do desenvolvimento oficialmente em 1987 no Relatório Brundtland, elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento pertencente a ONU (Organizações das Nações Unidas), embora em 1972, na primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente em Estocolmo, a relação da atividade humana com o meio ambiente passou a ser debatida.
Em 1992, foi lançada a Agenda 21, com o propósito de criar soluções para os problemas sociais e ambientais. Em 2000, os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM) e, em 2015, vigente hoje, a agenda 2030, com seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas. Eles são um chamado global à ação não só para governos, mas para toda sociedade, para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade.
Se por um lado o Brasil sofre com desigualdades socioeconômicas históricas, por outro é atingido pela crise climática que atenua as desigualdades. É necessário aprofundar, com teoria e dados, estas duas ameaças aos direitos humanos. Prometo fazer isto sem deixar boring esta coluna.
Para David Harvey, geógrafo e um dos maiores pesquisadores sobre desenvolvimento urbano, a desigualdade socioespacial é a expressão do grau de desenvolvimento de um território. A história de uma sociedade em um território, considerando seus aspectos financeiros, culturais e sociais, constrói a realidade que é refletida nos indicadores de desenvolvimento.
Quando analisamos a desigualdade no Brasil, observamos algumas discrepâncias. De acordo com análise de dados do IBGE de 2023, há uma enorme discrepância entre o PIB per capta dos estados brasileiros. O PIB per capta da Bahia, por exemplo, é metade do PIB per capta do estado do Paraná.
Em relação ao IDH, índice que mede aspectos de educação, saúde e renda, as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste são as mais avançadas, com todos os estados com nível de desenvolvimento alto (acima de 0,700). E as regiões Norte e Nordeste ainda apresentam alguns Estados com desenvolvimento humano médio (menor que 0,700), segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano 2013, feito pelo PNUD Brasil, IPEA e Fundação João Pinheiro.
Referente às questões ambientais, para o cientista Joern Birkmann, em sua contribuição no grupo II de trabalho do 6º relatório de pesquisa do Painel Intergovernamental de Mudança do Clima (IPCC), os impactos adversos da crise climática, os desafios do desenvolvimento social e econômico e a desigualdade se intensificam mutualmente. A vulnerabilidade de parte da população é o resultado de muitas questões interligadas relacionadas à pobreza, desigualdades, acesso a serviços básicos, educação, instituições e capacidades de governança, muitas vezes tornadas mais complexas por desenvolvimentos passados, como histórias de colonialismo.
As maiores lacunas de adaptação existem entre os grupos populacionais de baixa renda. O aquecimento global acima de 1,5º graus irá tornar os fenômenos climáticos mais intensos. Se as mudanças climáticas futuras sob cenários de altas emissões continuam, os riscos aumentam, e na ausência de fortes medidas de adaptação, perdas e danos provavelmente serão concentrados entre as populações vulneráveis. Em um cenário de desigualdade, o número projetado de pessoas que vivem em extrema pobreza pode aumentar em 122 milhões até 2030 em todo mundo.
Em 2022, o estado do Rio Grande do Sul viveu fenômeno de seca quando 83% das cidades decretaram situação de emergência devido à escassez hídrica. Agora, em 2024, vive uma tragédia sem precedentes de inundação, que atingiu 93% dos municípios, deixando mais de 500 mil pessoas desalojadas e mais de 157 mortes até o momento.
Sim, existe relação entre desenvolvimento e justiça climática, e ela poderá se tornar virtuosa se tivermos políticas públicas eficazes e vontade política para a implementação delas.
À luz do direito, para Maria Paula Dallari Bucci e Souza, “as políticas públicas podem servir como uma espécie de ponte, uma vez que deslocam os direitos sociais de seu espaço abstrato para lhes garantir materialidade, ainda que de forma relativa, a partir da sua implementação”. A ação governamental, portanto, deve explicitar os processos, procedimentos e recursos necessários para a consecução do objetivo que pretende atingir.
Ainda trazendo dados do relatório do IPCC, é necessário a promoção da justiça climática para não termos um crescimento abrupto de litigância climática. A medida que a ciência avança na compreensão dos impactos das mudanças do clima e da atribuição, o papel da justiça processual (litígio) na prevenção e no tratamento de perdas e danos para governos e empresas tendem a aumentar.
Não poderia encerrar esta coluna, que confesso estar mais acadêmica do que eu gostaria, sem mencionar a contribuição da inspiradora Mary Robison ao tema. A justiça climática vincula desenvolvimento e direitos humanos para alcançar uma abordagem centrada no ser humano e tratar das alterações de clima, protegendo com salvaguardas os direitos das pessoas mais vulneráveis e partilhando os encargos e benefícios das mudanças climáticas e seus impactos de forma equitativa e justa.
A adaptação à crise climática só acontecerá com vontade política para reduzir as vulnerabilidades e as desigualdades. A implementação de políticas públicas eficazes será um fator determinante para o desenvolvimento dos Estados e do país.
Encerro com um convite para uma breve reflexão sobre o seu território. Pode ser seu bairro ou município. Em situação de crise climática intensa, onde você se encontra nesta régua de vulnerabilidade? Você está a salvo ou em risco? E o que pode ser feito pelo seu gestor público, pela sua empresa ou por você mesmo?
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