Lideranças ESG: como as mulheres estão moldando o futuro dos negócios
Denise Hills, Sonia Consiglio e Tatiana Maia Lins compartilham suas visões sobre os avanços e desafios da agenda ESG
Lideranças ESG: como as mulheres estão moldando o futuro dos negócios
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Lidia Capitani
20 de março de 2023 - 10h40
Esta matéria faz parte do “Especial Mês das Mulheres”, em que conversamos com mulheres de destaque dos setores de ESG, Criatividade e FemTechs, para discutir os impactos da atuação feminina em cada área.
Cada vez mais estudos comprovam que as mulheres têm grande impacto sobre o desenvolvimento do ESG no Brasil e no mundo. 72% das empresas brasileiras com alto desempenho na agenda têm uma ou mais conselheiras mulheres em seus comitês administrativos, segundo o artigo da mestre em gestão para competitividade, Monique Cardoso, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Inclusive, o Brasil é considerado um país avançado nas práticas ESG do setor privado. Entre as empresas que fazem parte do ISE, Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3, 83% possuem processos de integração dos ODS às estratégias, metas e resultados corporativos, de acordo com o Pacto Global da ONU. Já pela análise de nossas entrevistadas, a pauta ganhou maior repercussão e importância nos últimos anos, tanto pelo aumento das demandas acerca da diversidade, equidade e inclusão, quanto pelas tragédias sociais e ambientais que passamos, no caso da pandemia de Covid-19 e de Brumadinho, por exemplo.
Nessa evolução da sustentabilidade ambiental, social e de governança no país, as mulheres estiveram não apenas presentes, mas liderando a transformação. Apesar de terem trajetórias, visões e atuações distintas, essas profissionais convergem para o mesmo fim: um futuro melhor. Conheça três mulheres que fizeram e fazem a diferença para a agenda ESG no Brasil: Denise Hills, Sonia Consiglio e Tatiana Maia Lins.
Diretora Global de Sustentabilidade da Natura
A atual Diretora Global de Sustentabilidade da Natura, Denise Hills, é uma das profissionais de ESG de maior destaque no Brasil. Além de trabalhar numa empresa bem reconhecida na área, a executiva participou da fundação da área de sustentabilidade no Itaú e desenhou a primeira estratégia ESG da empresa, e que logo depois, foi considerado o banco mais sustentável do mundo.
Seu impacto é reconhecido internacionalmente. Em 2022, Denise foi uma SDG Pioneer, reconhecimento dado pelo Pacto Global da ONU a dez profissionais no mundo que atuam de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Além disso, já atuou como membro de Conselhos Administrativos de órgãos mundiais importantes como o próprio Pacto Global da ONU, o UNDP (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e ainda foi Co-Chair do UNEP FI, iniciativa financeira do programa das Nações Unidas para o meio ambiente.
Em sua larga experiência, a especialista entendeu que uma estratégia corporativa precisa estar associada diretamente à estratégia de sustentabilidade. “Um dos sintomas de maturidade da empresa para incorporar o ESG como parte essencial do seu negócio, porque sim, ela deveria ser, é quando a estratégia de sustentabilidade é a própria estratégia corporativa”, explica.
Após trabalhar nas Nações Unidas e em Conselhos, o convite da Natura para assumir a área de sustentabilidade caiu como uma luva. A executiva participou do desenho da estratégia ESG do grupo, chamada de “Compromisso com a Vida”. Em seguida, foi reconhecida como uma das companhias mais sustentáveis do mundo e a primeira do setor de cosméticos pelo ranking Global 100, elaborado pela Corporate Knights.
A partir da visão sistêmica de Denise, o grupo adotou um DNA sustentável à sua estratégia de negócios. Prezando pelo combate à crise climática, a Natura estabeleceu o objetivo de se tornar carbono-zero até 2030, sendo que já possuem o selo carbono-neutro. Entre os demais objetivos estão: tornar-se regenerativa, endereçar o zero desmatamento, estimular o crescimento de negócios na Amazônia e atuar diretamente na preservação da floresta.
“Num pilar mais novo, queremos que os nossos produtos sejam 100% circulares. O que quer dizer que até 2030 as nossas fórmulas vão ser 100% biodegradáveis, no mínimo 95%, compostáveis, zero impacto no meio ambiente e de preferência regenerativas. A Natura já está em 93% das fórmulas com esta condição, mas a meta é que a gente reduza, zere e na verdade crie embalagens que sejam 100% biodegradáveis, compostáveis ou circulares”, afirma a Diretora.
Para Denise Hills, o maior desafio como profissional de ESG é se manter contemporânea ao próprio tempo. Remetendo a Sara Parkin, autora do livro “O divergente positivo: Liderança em sustentabilidade em um mundo perverso”, Denise se define da seguinte forma: “Uma divergente do sistema atual, que já não está dando conta, mas ao mesmo tempo sendo propositiva, aceleradora e inspiradora”, declara. Nesse lugar, ela ressalta que o papel da mulher na liderança não é o de lugar de fala, e sim o lugar de escuta, de reconhecer que para tomar boas decisões é preciso ter uma visão ampla das diferentes realidades que existem.
“Num tema novo, que tem muita ciência, tecnologia e que bebe dessa conexão entre o negócio tradicional e a inovação do futuro, é natural que tenha mulheres representantes dessa agenda, porque ela é quase sinônimo da nossa própria luta em pertencer a um mundo melhor”, reflete. Logo, sua conclusão é que essa é uma pauta comum entre as mulheres do mundo corporativo. “Eu ouvi uma vez na ONU, no Women Empowerment Program, a frase ‘você quer ir mais rápido em mudança climática? Empodere uma mulher’”, reflete.
Especialista em sustentabilidade e SDG Pioneer pelo Pacto Global da ONU
Saída do jornalismo, Sonia Consiglio entende que o papel da comunicação é fundamental para engajar lideranças na pauta ESG. Hoje, segue carreira independente e atua em conselhos administrativos e comitês de sustentabilidade. Anteriormente, a especialista trabalhou como liderança da área em lugares como BNDES, Global Reporting Initiative (GRI), Petrobrás, Rede Brasil do Pacto Global da ONU, Itaú e também na B3.
Na bolsa brasileira, a executiva ajudou a desenvolver o ISE, índice de sustentabilidade corporativa, o quarto a ser lançado no mundo. Na B3, Sonia assumiu a presidência do Conselho Deliberativo do ISE e ressalta que “ao liderar por 10 anos esse conselho, eu não tenho a mínima dúvida que o ISE foi um dos principais impulsionadores da agenda de sustentabilidade nas empresas brasileiras”. Assim como Denise, Sonia também foi uma das agraciadas pelo título SDG Pioneer, em 2016, o primeiro ano do prêmio.
Como colunista do Valor Econômico, em 2020, Sonia escreveu um artigo em que introduziu uma nova perspectiva sobre a sigla. A jornalista propôs o uso de EESG, sendo a primeira vogal referente à “econômico”. Sua intenção não era simplesmente propor um novo acrônimo, e sim provocar uma reflexão sobre como comunicar a agenda sustentável no meio corporativo.
“Usar a sigla EESG funciona quando eu mostro para presidentes, pessoas mais distantes das agendas ou mais céticas, porque elas se interessam mais quando entendem que o econômico faz parte da pauta”, explica. “Então, se eu estou fazendo uma reunião na empresa para falar de ESG com a área jurídica, minha abordagem vai ser diferente do que se eu estiver falando com a área de marketing. Por isso que a comunicação é crucial para o processo de sustentabilidade”, afirma.
Para a especialista, seu maior desafio como profissional do setor é atrair a atenção das lideranças sobre a importância do tema. “ESG não é apenas uma área, mas uma área que tem de ser o agente fomentador institucional”, destaca. Entretanto, a consultora destaca que este desafio ficou mais fácil, principalmente em razão da pandemia. “Os líderes perceberam o valor dessa agenda, seja pelo risco de não fazer, seja pela oportunidade de fazer”, reitera.
Tratando-se de uma agenda global, muitos desafios do mercado brasileiro são compartilhados por outros países. Em sua análise, Sonia defende a criação de regras, taxonomias e a estruturas. “Por exemplo, a criação de um mercado de carbono foi aprovada na COP26, quando até então ele patinava”, atesta.
Já para o contexto brasileiro, a especialista compreende que vivemos uma situação complexa de grande riqueza natural e grandes desigualdades sociais. “Precisamos entender essas questões de forma interligada, porque não existe impacto ambiental sem impacto social. O Brasil está lidando com questões estruturais, por isso precisamos de respostas estruturais, políticas públicas e escala”, garante.
Consultora em Reputação Corporativa e CEO da Makemake
Tatiana Maia Lins é uma especialista em reputação corporativa. É fundadora e CEO da consultoria Makemake, que analisa a percepção da imagem corporativa por meio de uma metodologia própria. Atua como professora na ESPM e na Aberje, onde também é Vice Coordenadora do Comitê de Comunicação e Engajamento em ESG. Assim como Denise e Sonia, Tatiana foi uma das co-autoras do livro “Mulheres ESG – Medir para Mudar”, mas também escreveu a obra “Reputação e Valor Compartilhado – Conversas com CEOs das empresas líderes em ESG”.
Há algum tempo atrás, segundo a consultora, as empresas acreditavam que era possível fabricar narrativas para controlar sua reputação. Entretanto, no século XXI, essa ideia caiu por terra, principalmente porque hoje o poder de fala se tornou mais democrático. “Não se trata mais sobre o que a empresa fala de si, nunca foi na verdade. Trata-se sobre o que as pessoas falam dela”, explica. Dessa forma, num mundo de conexões digitais em que as discussões mudam de tema rapidamente, as empresas precisam adotar uma nova postura.
“Quando eu falo de gestão da reputação do século XXI, é uma gestão que precisa desenvolver um monitoramento muito robusto, mas que também necessita de muita agilidade, transparência e vulnerabilidade. A empresa tem que se colocar num lugar de diálogo e não de monólogo corporativo”, enfatiza.
A consultora também destaca que um dos maiores equívocos que as companhias podem cometer é reduzir a agenda ESG a uma narrativa para “ficar bem na fita”. “O maior erro é quando ela fala de uma coisa que não têm ainda legitimidade para falar”, explica. Nessa situação, a empresa, na verdade, está aumentando seu risco de exposição. Visto que a reputação é um ativo intangível, a organização precisa cuidar da sua imagem, a fim de preservar suas relações, seja atraindo talentos, investidores ou consumidores.
No livro “Mulheres ESG”, Tatiana finaliza seu capítulo com uma reflexão sobre a necessidade de se combater comportamentos tóxicos, principalmente entre lideranças. “Minha mensagem final é que vivemos em um mundo de interdependência que clama por olhar sistêmico e regeneração. […] Não é possível ter saúde mental em um mundo tóxico com guerras, armas, destruição de florestas, poluição dos oceanos, ódio, insegurança alimentar, insegurança financeira e ameaças de todos os tipos. Nosso equilíbrio depende do equilíbrio do planeta. Por esta razão, defendo que precisamos de lideranças não tóxicas em todas as esferas, nas famílias, nos governos, nas escolas, nas religiões e no mundo corporativo. Almejar desenvolvimento sustentável sem tratar a toxicidade das lideranças é como colocar band-aid em ferida de canhão”, conclui.
Leia também sobre importância, desafios e o que é o conceito de sustentabilidade empresarial.
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