Assinar

Assumir nossos privilégios não anula nossos esforços

Buscar
Publicidade
Opinião

Assumir nossos privilégios não anula nossos esforços

A comunicação entre semelhantes tem força e potência para incluir as pessoas diferentes


13 de julho de 2023 - 9h00

(Crédito: shutterstock)

É comum que as ideias que defendemos sejam replicadas em grupos de pessoas que pensam como nós. Sempre será mais confortável discutir e debater assuntos em ambientes já preparados para eles. Porém, quando tratamos especificamente do apoio a uma causa que irá contribuir para uma vida mais harmônica e feliz para todas as pessoas, não basta que o tema seja tratado e discutido apenas entre grupos que já se encontram engajados com a questão. É preciso sair da “bolha” e ampliar os círculos de debate para sensibilizar também pessoas que têm pouca familiaridade com o assunto. 

Levando em conta essa necessidade de alcance da mobilização em favor das pessoas com deficiência, precisamos reforçar que as pessoas privilegiadas são ótimas aliadas na conscientização e nas ações relativas à nossa inclusão. 

A expressão “pessoa privilegiada” é um conceito que precisa ser estabelecido sempre a partir de uma comparação de existência. Não podemos entender um privilégio isoladamente e sim na relação entre diferentes realidades. Assim, nem todas as pessoas sem deficiência são privilegiadas em relação às pessoas com deficiência. 

O exercício de analisar a si mesmo em contexto e reconhecer os próprios privilégios é fundamental para se engajar por causas que impactam o bem-estar geral. Quando nos referimos a privilégios, não tratamos apenas de condições econômicas. São muitos os fatores que dão parâmetros para essas comparações, como a própria estrutura familiar em que a pessoa está inserida. 

O ser humano tem dificuldade de assumir o privilégio, pois assumi-lo pode trazer a sensação de invalidar os méritos de suas conquistas. Reconhecer o privilégio é, na verdade, o princípio da jornada da pessoa aliada às questões das pessoas com deficiência e da diversidade humana de forma geral. Quando assumimos nossos privilégios, não estamos anulando nossos esforços, estamos apenas nos abrindo, verdadeiramente, para a percepção de outras realidades e nos colocamos receptivos para entender dificuldades, potenciais e conquistas que mobilizam outras vidas, e, a partir daí, podemos efetivamente agir para torná-las melhores. 

Há duas premissas para isso acontecer: informação e convivência. É muito importante buscar dados, referências e pesquisas sobre as pessoas com deficiência para compreender melhor as questões que elas enfrentam. Portanto, para perceber genuinamente o universo das pessoas com deficiência, é necessário conhecer não apenas em tese e sim no convívio do dia a dia. 

Isso é bem diferente do comportamento que chamamos de ‘tokenismo’. Conviver não é adotar alguém como referência para justificar a simpatia pela causa da pessoa com deficiência. Não é encontrar esse alguém de vez em quando e usar esses eventuais encontros como argumento para se dizer ‘pessoa aliada’. Não é seguir uma influenciadora com deficiência nas redes sociais sem interagir de fato com ela, apenas curtindo vez ou outra seus posts sem compartilhar, sem levar os temas para conversas presenciais e situações do cotidiano. Conviver é criar empatia. É mover-se pelo sentimento. 

A partir disso, passa a ser muito mais natural o processo de entendimento e defesa da causa. Quantas vezes você já convidou uma pessoa com deficiência para visitar sua casa, para um jantar, para uma festa, uma conversa? 

É a emoção que desperta a ação. Esse é o grande poder da pessoa aliada privilegiada. De um lado, ela vai criar um elo autêntico de proximidade com as pessoas com deficiência que a levará a comportamentos anticapacitistas efetivos. De outro, se tornará uma liderança positiva para a desconstrução do capacitismo entre as pessoas de sua convivência. 

Vale ressaltar que, quando falamos em liderar mudanças de atitude, não queremos sugerir que essas ações sejam realizadas a partir de uma postura de superioridade. O ponto em destaque é partir de iniciativas individuais para impulsionar um processo que é coletivo. Daí voltamos à importância do reconhecimento do privilégio. Essa consciência reforça que todos nós somos aprendizes o tempo todo, e é só aprendendo constantemente e em conjunto que podemos vencer o capacitismo. 

Ao usar seu lugar de privilégio, pessoas aliadas transmitem as ideias anticapacitistas de uma maneira que pode ser até mais efetiva para mobilizar seus pares do que se estes estivessem recebendo a mensagem de um público com o qual não estão acostumados a interagir. 

Essa transmissão não alcança quando feita de maneira agressiva, inclusão fazemos com as outras pessoas e não contra elas. Além da própria desconstrução de capacitista, a pessoa aliada participa do processo de desconstrução do seu entorno. Essa corrente de proximidades e afetos se transforma em um método bastante sólido de disseminação de pensamentos e ações anticapacitistas. A comunicação entre semelhantes tem força e potência para incluir as pessoas diferentes. 

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • Como as marcas podem combater o racismo na publicidade?

    Como as marcas podem combater o racismo na publicidade?

    Agências, anunciantes e pesquisadores discutem como a indústria pode ser uma aliada na pauta antirracista, sobretudo frente ao recorte de gênero

  • Cida Bento é homenageada pela Mauricio de Sousa Produções

    Cida Bento é homenageada pela Mauricio de Sousa Produções

    A psicóloga e ativista vira personagem dos quadrinhos no projeto Donas da Rua, da Turma da Mônica