Sobrecarga, pobreza e saúde mental: as mulheres estão mais esgotadas do que nunca
Think Olga divulga relatório “Esgotadas” sobre o estado deteriorado da saúde mental feminina no Brasil
Sobrecarga, pobreza e saúde mental: as mulheres estão mais esgotadas do que nunca
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Lidia Capitani
11 de setembro de 2023 - 16h53
7 em cada 10 pessoas diagnosticadas com depressão ou ansiedade no Brasil são mulheres, é o que afirma o relatório “Esgotadas” da Think Olga, consultoria em equidade de gênero. Estresse, irritabilidade, baixa autoestima, fadiga, sonolência, insônia e tristeza são os sintomas mais citados entre as mais de mil entrevistadas da pesquisa. “As mulheres chegaram esgotadas em 2020, atravessaram uma das piores crises do século e, mesmo com seu fim, continuam esgotadas em 2023”, destaca o estudo.
São 49 milhões de pessoas no Brasil que vivem com algum transtorno mental ou causado por abuso de substâncias em 2019, sendo 53% mulheres, de acordo com último relatório da organização internacional IHME (The Institute for Health Metrics and Evaluation). “Não é possível falar sobre a saúde mental dessa parcela da população considerando apenas fatores biológicos, como metabolismo, ciclos reprodutivos e hormônios. É essencial incorporar a perspectiva de gênero — e suas interseccionalidades com raça, classe e outras diferenças — e entender como elas influenciam as relações sociais e as condições de saúde mental”, destaca o relatório.
Entre as mais de mil mulheres entrevistadas pela pesquisa, 45% afirmaram ter algum diagnóstico de transtorno mental com maior prevalência de depressão e ansiedade. Mesmo as mulheres que não possuem nenhum transtorno mental relatam grande insatisfação em diferentes áreas da vida, principalmente em relação à situação financeira e a dificuldade de conciliar as diversas áreas da vida.
Isolamento social, luto, incertezas, crises econômicas, medo e sofrimento marcaram o período da pandemia para todos, independente do gênero. Entretanto, a prevalência de transtornos depressivos e ansiosas teve um salto significativo no início de 2020, de acordo com um estudo da Lancet. Mais de 60% desses novos diagnósticos foram entre mulheres.
As situações que mais geram estresse em seus cotidianos são reflexos de uma sociedade ainda regida pelas máximas do patriarcado, que restringe a ascensão profissional das mulheres, as coloca no papel de cuidadoras do lar e da família e dependentes financeiramente de seus parceiros.
“Essas mulheres negras, [..] tiveram que dar conta da irritação desses maridos desempregados que passaram a ficar em casa com seus filhos. Tiveram que dar conta dos processos de adoecimento dos seus filhos nesse período e elas tiveram que fazer isso muitas vezes em casas pequenas, com pouco espaço de vazão para poder respirar. […] Isso demanda muito gasto energético, muito gasto psíquico […] Só que a conta começou a chegar e aí nós estamos encontrando mulheres extremamente cansadas”, relata Debora Elianne, psicóloga no projeto social Vivencer, em entrevista ao Think Olga.
Esse contexto não apenas causa grande sofrimento psíquico para as mulheres, mas também as coloca na base da pirâmide da escala social. 1,4 é média das notas que as entrevistadas deram para sua situação financeira, numa escala de zero a 10. Logo em seguida, as áreas da vida com menores notas foram a capacidade de conciliar diferentes áreas e a relação com o trabalho.
Essas brasileiras vivem em situações financeiras apertadas (48%), endividadas (36%) e algumas ainda vivem sob a sombra da dependência de terceiros (22%). No trabalho, o contexto não é animador. Muitas mulheres reclamam pela baixa remuneração (32%), falta de reconhecimento (21%), jornadas de trabalho excessivas (20%) e ausência de planos de carreira (19%). Tudo isso sem contar a sobrecarga de tarefas domésticas (22%), que acaba ficando a cargo dessas mulheres, fatalmente resultando em estresse e esgotamento mental.
Além do gênero, a insatisfação financeira também possui componentes sociais e raciais, afinal, as mulheres mais prejudicadas são negras e das classes D E, cujos índices de insatisfação nesse aspecto superam o 50%. Em relação ao trabalho, 4 em cada 10 mulheres estão insatisfeitas, afirma o relatório. Os índices de insatisfação aumentam entre mulheres LGBTQIAPN+, das classes D E, entre 18 e 35 anos e entre pretas e pardas.
Olhando para dados econômicos nacionais e mundiais, o estudo destaca que a feminilização da pobreza é um fenômeno global. De acordo com o IBGE, a proporção de pessoas negras abaixo da linha de pobreza (37%) é o dobro da branca (18%). A situação não é apenas brasileira. No mundo, 70% das pessoas que vivem em situação de pobreza são mulheres, segundo dados da ONU.
“A questão socioeconômica é uma variável importantíssima quando a gente fala de saúde mental. Quanto maior a vulnerabilidade socioeconômica, maior a vulnerabilidade emocional e vulnerabilidade em saúde mental”, relata Juliane Callegaro Borsa, psicóloga especialista em saúde mental feminina, em entrevista ao Think Olga.
“Desde 2020, quando a Think Olga lançou o Laboratório Mulheres em Tempos de Pandemia: Economia do Cuidado, nos dedicamos a jogar luz sobre a importância do trabalho do cuidado e as implicações de sua invisibilidade e desvalorização para a sociedade em geral, e em especial, para as mulheres. O serviço de cuidar exige muito tempo, é mal pago (quando pago) e gera um esforço invisibilizado e contínuo”, destaca o estudo.
Enquanto as mulheres dedicam 21,4 horas semanais para os serviços de cuidado, os homens dedicam 11 horas. São tarefas essenciais para a saúde e bem-estar de toda a família, que geração após geração, ensinamos que as meninas e mulheres são as encarregadas. Elas que cozinham nossas refeições, dão banho, fazem faxina, compram alimentos, nos educam e ainda cuidam de nós quando ficamos doentes. “Quando nasce uma mulher, nasce uma pessoa culpada, porque a gente tem toda essa expectativa que é colocada sobre a gente. A gente cresce com a missão de dar conta de tudo”, reflete Juliane Borsa em entrevista ao relatório.
Um trabalho que pode se tornar exaustivo para quem possui longas horas de jornada profissional, ganha pouco e ainda é desvalorizada. 1 em cada 4 cuidadoras relatam insatisfação ou extrema insatisfação com sua saúde emocional. Entre as mães solos não é diferente: 57% se dizem insatisfeitas. “As responsabilidades de cuidado também estão relacionadas a níveis mais altos de insatisfação com a situação financeira e o trabalho. Uma mulher sobrecarregada com o cuidado tem menos tempo ou condições para se dedicar ao trabalho remunerado. Uma mulher sem renda digna tem precarizadas suas condições de vida e suas condições de cuidar”, ressalta o texto.
“Inúmeros estudos já identificaram que desvantagens sociais associadas ao gênero feminino, como a maior exposição à violência doméstica e sexual, oportunidades educacionais e de emprego limitadas e mais responsabilidades de cuidado, podem contribuir para o aumento do risco de transtornos mentais entre as mulheres”, destaca o relatório.
A saúde mental é resultante de um conjunto de fatores biológicos, genéticos, psíquicos, mas ela não pode desconsiderar os aspectos ambientais aos quais essa pessoa está exposta. “Saúde mental também tem a ver com acesso à educação, habitação, alimentação, renda digna, emprego, transporte, cultura”, como afirma o estudo.
Com tantas pressões, estresses e sofrimento, a boa notícia é que as mulheres estão mais atentas à sua saúde mental e emocional. Algumas delas levam suas dores para a psicoterapia (22%), mas a maioria (49%) não sente necessidade, ou acha o recurso muito caro e inacessível (29%). Logo, elas buscam outras formas de inserir prazer e bem-estar em suas rotinas como atividades físicas, práticas religiosas ou espirituais, contato com a natureza, entre outros.
Entretanto, essas mesmas mulheres também entendem que outras partes, como setor privado e público, têm responsabilidade sobre seu estado emocional. “Como Think Olga, fazemos coro e reforçamos que essa responsabilidade deve ser compartilhada. O adoecimento e o sofrimento mental das mulheres não podem ser mais negligenciados”, afirma a organização.
Além de apresentar a problemática de forma profunda, o Think Olga também oferece pontos de partida para tratar da saúde mental feminina. Especificamente para as empresas, o relatório destaca a importância de promover condições de trabalho e remuneração dignas para essas mulheres, prestando atenção em corrigir as disparidades salariais entre os gêneros e com recorte de raça.
Em segundo lugar, as empresas devem incentivar os homens a se envolverem mais dentro de casa por meio de licenças-parentais, seja com licenças paternidade estendidas ou licenças igualitárias para todos. Outro ponto importante destaca pelo texto é o foco em combater e promover um ambiente profissional livre de assédio sexual ou moral. Da mesma forma, as empresas também devem oferecer apoio às mulheres vítimas de violência doméstica.
Já quando o assunto é saúde mental no trabalho, o relatório destaca soluções como apoio psicológico às funcionárias, a difusão e incentivo de práticas saudáveis de cuidado, além de treinamentos para que a liderança possa lidar de forma mais efetiva e empática com questões relacionadas à saúde mental de seus colaboradores.
“Para que a vida das mulheres e as vidas de quem elas cuidam sejam efetivamente valorizadas, as ações individuais, da sociedade civil, do setor privado e sobretudo do setor público precisam ir além do olhar sobre a doença e passar a pensar o cuidado, a sobrecarga e a feminização da pobreza de maneira intersetorial e conectada”, reflete a organização.
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